As relações afetivas na Era Digital
Uma reflexão a partir do filme “Medianeras – Buenos Aires na Era do Amor Virtual” de Gustavo Taretto
Por Maria Fernanda Bienhachewski da Costa Portela
A cultura digital e a influência da Internet nas relações cotidianas foi tema do filme argentino “Medianeras”, de 2011 do diretor Gustavo Taretto. O longa metragem faz uma relação entre as relações afetivas na cultura digital e a arquitetura de Buenos Aires, que cresce desproporcionalmente e de forma irregular, disponibilizando uma série de pequenas quitinetes isoladas. O título do filme significa a parede intermediária entre os edifícios, que sem janelas, comportam propagandas e outdoors.
Dois jovens, enclausurados em seus pequenos apartamentos em Buenos Aires sofrem solitários diante de seus computadores. Martin, um web designer e Mariana, uma arquiteta mal sucedida, que ganha a vida elaborando vitrines são os personagens dessa trama que retrata a realidade das relações afetivas nos dias de hoje.
“A internet me aproximou do mundo mas me afastou da vida”, frase dita pelo personagem Martin, que sofre de uma série de transtornos psiquiátricos como depressão e fobia de multidões, soa de forma extremamente familiar e serve para que possamos refletir sobre como essa cultura digital impossibilita a vivência de experiências e sensações da vida humana.
De que modo a Internet permitiu a aproximação e/ou o afastamento entre as pessoas? Com a promessa de um acesso ilimitado a uma quantidade astronômica de dados e informações, a Internet prometia aproximar ainda mais os indivíduos, que através dela podem estar conectados 24 horas através de sites, tal como as redes sociais ou aplicativos como o Skype que realiza ligações internacionais via computador sem custo ou entre aparelhos telefônicos a pequenos preços. Tudo isso que previa uma maior aproximação, pode de alguma forma, ter ocasionado o afastamento gradual das pessoas de suas relações afetivas. Se de algum modo a Internet permite o contato de forma rápida e eficaz, ela também finge suprir a necessidade do encontro propriamente dito, do palpável, do físico.
Como é dito no filme, hoje é possível realizar centenas de atividades via web, tal como realizar as mais diversas compras, assistir a filmes e séries, ler e escutar músicas, realizar transações bancárias etc. Mas de que modo isso não passa a interferir na vida das pessoas, que fechadas dentro de seus apartamentos e diante de suas telas, deixam de sentir necessidade de sair de suas residências e conviver socialmente. De que modo a Internet não contribui para uma espécie de Sociopatia que leva a situações de depressão e solidão? E como a distribuição dos apartamentos de forma caótica e excessiva também contribui para isso?
Ambos os personagens, desiludidos amorosamente, com dificuldade de voltar a se relacionar se sentem ainda mais fragilizados diante do que o filme denomina de “cultura do inquilino”, em que indivíduos preenchem casas e apartamentos irregulares e têm dificuldade em se reconhecer como individualidade diante da multidão. O uso da metáfora do personagem do livro “Onde está o Wally” que é tido como personagem preferido de Mariana, e que está sempre encoberto diante de uma multidão e que ela assume nunca tê-lo encontrado na cidade, é um exemplo de como a Internet impulsiona uma postura de excesso e ao mesmo tempo de perda da individualidade das pessoas, que através de seus computadores têm a ilusão de estar diante do mundo, mas cada vez mais acanhados diante da vida.
O filme, portanto, busca trazer uma reflexão de que apesar da Internet propiciar uma série de novas experiências e facilitar a realização de uma série de atividades cotidianas, o que realmente preenche os indivíduos, lhes trazendo sentimentos de realização e felicidade não podem ser substituídos pela vivência digital. A necessidade de relacionar-se, de estar próximo fisicamente do outro não é suprida pelo uso da Internet, sendo, na realidade, um grande obstáculo na hora de se reconhecer e na descoberta do outro.
A pesquisadora Raquel Recuero no livro “ Redes sociais na Internet” busca compreender de que forma da Internet vêm alternando as relações sociais contemporâneas. Trata-se de alterações complexas e em velocidade acelerada que precisam ser analisadas com cuidado. No entanto, a tecnologia não pode ser vista como algo externo a sociedade, pois se tornou parte integrante dela. Apesar do tom crítico colocado pelo longa-metragem, a Internet não traz apenas malefícios para as interações sociais, mas é um instrumento que pode ser utilizado e depende da postura do internauta no seu uso, ou seja, a Internet por si só não pode ser responsabilizada por um afastamento e/ou aproximação entre os indivíduos. Segundo Recuero, a Internet deve ser estudada não só como tecnologia mas, levando em consideração o conjunto de aspectos individuais, sociais e também tecnológicos.
A internet alterou a forma dos indivíduos de se relacionar, organizar, informar, e se reconhecer. A questão do tempo foi alterada, hoje com o uso da Internet é possível trocar informações, estabelecer diálogos e publicar notícias em um outro nível de velocidade, de maneira instantânea. Essa capacidade de se conectar ao mundo em questão de segundos é uma das grandes responsáveis pela ilusão de se sentir sempre presente, ou melhor, on-line. E redes sociais, ou seja, redes de conexão foram sendo criadas dentro de cada computador e diante de cada tela, um internauta conectado. A sensação de estar presente, de participar dessa rede se confunde com a ideia de estar presente em um lugar propriamente físico, porque a rede social passou a ser também um local de interação, mesmo que virtualmente. As pessoas passam a se apropriar da rede como local de encontro, de troca de mensagens, informações, imagens, sons, etc. Portanto, a Internet engloba um sistema complexo, no qual estão presentes relações de âmbito tecno-científico como também coletivas e individuais no que diz respeito as relações pessoais entre internautas.
Segundo a pesquisadora, a Internet proporciona meios para interação e sociabilização através da comunicação virtual fornecida pelo uso do computador, essas relações se dão na rede social que a autora define como uma estrutura, na qual, estão os atores (pessoas e grupos, aqueles que estão diante dos computadores) e suas conexões (interações). Os atores são representações, ou seja, identidades construídas para serem utilizadas no que ela chama de ciberespaço, local no qual, essas relações virtuais ocorrem. Essa representação pode ser tanto um usuário (um perfil em alguma rede social), como também um site, blog ou qualquer página que represente o internauta. Portanto, há no meio virtual uma necessidade de criação de uma espécie de personagem que será a faceta utilizada pela pessoa que estará diante da tela. No filme, Mariana e Martin trocam mensagens via uma espécie de bate-papo, sem saber que estão tão próximos fisicamente um do outro, que são vizinhos. Portanto, a Internet pode favorecer a construção de inúmeras facetas, diversos perfis que podem a longo prazo nos afastar de nossa verdadeira identidade, ou servir como apoio na hora de estabelecer relações e diálogos via web. Dessa forma, podemos pensar que os atores são os instrumentos representativos utilizados pelos internautas para se apropriarem do seu próprio território no ciberespaço. Segundo Recuero,
”essas apropriações funcionam como uma presença do “eu” no ciberespaço, um espaço privado e, ao mesmo tempo, público. Essa individualização dessa expressão, de alguém “que fala” através desse espaço é que permite que as redes sociais sejam expressas na Internet.” (RECUERO, Raquel, 2009, p. 27).
Dessa forma, há uma necessidade de expressão juntamente e paradoxalmente com uma necessidade de ocultar-se diante de uma persona criada e recriada para interações virtuais. Dessa forma, podemos perceber que há uma crescente tendência individualista, na qual, a necessidade de se expor ou se ocultar pode levar a uma postura de isolamento e/ou insegurança quando essas pessoas precisam estar diante de situações cotidianas do “cara-a-cara”.
A comunicação via web é dada através dessa troca entre atores mediada pelo uso do computador. Quando ambos internautas estão on-line é quando virtualmente estão presentes naquela interação, em que mensagens e informações podem ser trocadas imediatamente, em tempo real. No longa-metragem de Gustavo Tarreto, a medida que a luz é desligada e os computadores se desconectam, os personagens não podem mais manter o contato estabelecido. Esse tipo de comunicação entre internautas, Recuero chama de comunicação síncrona. Já as mensagens trocadas via e-mail, ou fóruns de conversa, como mensagens off-line são segundo a pesquisadora, assíncronas, quando não há a expectativa de uma resposta imediata.
As relações construídas pelos atores sociais no ciberespaço podem ser observadas entre os personagens do filme, no entanto, se trata de uma comunicação em que eles não tem consciência de quem realmente está diante do monitor. Portanto, se pode perceber que a Internet pode propiciar momentos de aproximação e afastamento dos indivíduos em suas relações sociais. Ou seja, no quesito distância, a web pode ser uma aliada para amenizar a sensação de afastamento de duas pessoas localizadas em locais distantes, mas também, pode se tornar um obstáculo na hora de iniciar novos relacionamentos, pois dependendo de como o indivíduo se apropria de suas ferramentas, ela pode dificultar momentos em que é preciso se expressar, se expor, entrar em contato consigo e com o outro verdadeiramente, sem qualquer tipo de mediação virtual.
Referências Bibliográficas/ Audiovisuais
RECUERO, Raquel. “ Redes sociais da Internet”. Porto Alegre, 2009. p. 14 a 44.
TARRETO, Gustavo. “ Medianeras – Buenos Aires na Era do Amor Virtual” (longa-metragem). Buenos Aires, 2011.