Cultura digital, sociedade e política

25/06/2014

A construção de significados nas redes sociais

Filed under: Guilherme Camargo Lima — Tags:, , , , — guilhermecamargo @ 16:04

Em época de campanha eleitoral, um novo componente parece tomar cada vez mais corpo e pode se tornar fator decisivo no pleito que se realizará no próximo mês de outubro para eleger presidente, governadores e deputados Brasil afora. A internet, e principalmente as redes sociais, ganhou lugar de destaque nas manifestações políticas que se desenrolaram pelo mundo nos últimos anos, passando a exercer papel fundamental no que diz respeito à organização de grupos sociais que reivindicam melhores condições de vida, justiça social, maior liberdade ou até mesmo que cansaram de se ver desprezados pelos detentores do poder.

Além de sua capacidade de aglutinar indivíduos com interesses em comum, as redes sociais da internet, como afirma Manuel Castells, são espaços de autonomia, muito além do controle de governos e empresas, que ao longo da história monopolizaram os canais de comunicação como alicerces de seu poder. Desta forma, a rede mundial de computadores, além de amedrontar a classe dirigente, possibilita a produção de uma comunicação alternativa, que serve de resposta à mídia tradicional e hegemônica, mas, obviamente, sem o mesmo alcance dos grupos de comunicação estabelecidos ao longo dos anos. O sociólogo espanhol ainda salienta que aqueles que detêm o poder constroem as instituições seguindo seus valores e interesses e que este poder é exercido por meio da coerção e/ou pela construção de significados na mente das pessoas, mediante mecanismos de manipulação simbólica.

Neste cenário, Dênis de Moraes garante que é preciso conceber a internet como mais uma arena de lutas e conflitos pela hegemonia, de batalhas permanentes pela conquista do consenso social e da liderança cultural-ideológica de uma classe ou bloco de classes sobre as outras.

Aqui, o papel da comunicação alternativa parece bastante claro, apesar de a terminologia utilizada ser considerada paradoxal por alguns autores. Segundo John Downing, “alternativo” afirma que qualquer coisa, em algum ponto, é alternativa a alguma outra. O jornalista canadense costuma utilizar o termo “mídia radical alternativa” e diz que ele é mais completo que os demais, inclusive “comunitária” e “popular”, que para ele podem facilmente ocultar mais que revelar, pois seriam mais firmes naquilo que excluem – a mídia convencional – do que naquilo que significam. Apesar deste significado variado e aparentemente impreciso, a comunicação alternativa deve ser vista, independentemente do termo selecionado, como uma opção às mídias enquanto instrumentos de poder. Para Downing, ela deve expressar oposição direta à estrutura de poder, além de obter apoio e solidariedade a fim de construir uma rede de relações contrária às políticas públicas ou mesmo à própria sobrevivência da estrutura de poder. Na mesma linha de pensamento, Moraes acredita que a mídia alternativa tem o papel de constituir espaços de afirmações de óticas interpretativas críticas e de práticas jornalísticas cooperativas, com a finalidade de defender a diversidade informativa e os valores éticos.

Porém, seria um quanto tanto inocente acreditar que o desenvolvimento de um sistema de comunicação contra hegemônico pudesse se desenvolver sem impedimentos por parte das classes dominantes. Os grandes grupos de mídia, alinhados àqueles que detêm o poder, controlam os maiores portais da internet e, consequentemente, atraem a maioria absoluta dos anunciantes dispostos a investir na web. Esta disposição em manter o domínio sobre a produção de informação se justifica pelo fato de os grupos dominantes compreenderem perfeitamente bem o poder simbólico da construção de significados nas mentes das pessoas. Recorrendo mais uma vez aos conceitos de Manuel Castells, podemos afirmar que a coerção e intimidação, baseadas no monopólio estatal de capacidade de exercer a violência, são mecanismos essenciais de imposição da vontade dos que controlam as instituições da sociedade. Porém, a construção de significados no imaginário dos indivíduos é uma fonte de poder mais decisiva e estável. Castells salienta que poucos sistemas institucionais podem perdurar baseados unicamente na coerção. Torturar corpos, diz ele, é menos eficaz que moldar mentalidades e a principal fonte de produção social de significado é o processo de comunicação socializada.

Este processo de comunicação se alterou significativamente com as tecnologias da era digital e seu alcance passou a atingir todos os domínios da vida social. Assim, assegura Castells, embora cada mente humana construa seu próprio significado interpretando em seus próprios termos as informações comunicadas, esse processamento mental é condicionado pelo ambiente da comunicação. Desta forma, a mudança do ambiente afeta diretamente as normas de construção de significado e, portanto, a produção das relações de poder.

Algumas características deste novo modelo, como a instantaneidade, a descentralização, a rapidez, o barateamento e, principalmente, a autonomia frente às diretivas ideológicas e mercadológicas da mídia hegemônica, são ressaltadas por Moraes como características extremamente positivas da comunicação na web.

Sabedores do poder adquirido pelos sistemas de comunicação na internet, os partidos políticos já estão preparados para a batalha eleitoral e estima-se, de acordo com dados da revista Carta Capital, que os principais candidatos à presidência da república, por exemplo, irão gastar mais de 30 milhões de reais somente com o marketing digital na campanha deste ano.

O principal palco desta batalha política na internet certamente será o Facebook. Em 2010, ano em que ocorreram as últimas eleições presidenciais, existiam cerca de 8,8 milhões de brasileiros cadastrados na rede social criada por Mark Zuckerberg. Este ano, já são mais de 76 milhões de usuários em território nacional, o terceiro maior número em todo o mundo, ficando atrás apenas de Estados Unidos e Índia. Esta expansão impressionante ganha ainda mais importância quando alinhada ao fato de o brasileiro ser um dos frequentadores mais assíduos do Facebook no planeta. Por dia, 47 milhões passam pela plataforma.

De acordo com Dênis de Moraes, as redes de comunicação alternativa muitas vezes se restringem a segmentos politizados e formadores de opinião e os principais motivos seriam a inadequação de linguagens e formatos, excessiva instrumentalização político-ideológica dos discursos informativos, escassa penetração nas zonas populacionais carentes e a ausência de politicas coordenadas de comunicação eletrônica. Assim, a construção de significado ficaria a cargo das redes sociais, com seus personagens celebridades e páginas populares.

Dois casos recentes são emblemáticos. Primeiro, o crescimento da página TV Revolta, que, sob o disfarce da militância política, tem como principal objetivo atacar o PT, partido que está no governo há 12 anos. Entre os meses de abril e maio, a página teve uma ascensão pra lá de misteriosa, alcançando o patamar de 1,5 milhão de novas curtidas. Para compararmos, em março a TV Revolta registrou cerca de cem mil novas entradas. Especialistas garantem que tamanho crescimento dificilmente se daria sem um investimento pesado, mas o responsável pela página afirma que a expansão se deu de maneira “orgânica”.

O segundo caso foi a tentativa de compra do perfil “Dilma Bolada”, que satiriza a atual presidente. Jeferson Monteiro, criador do personagem fictício que é acompanhado por mais de um milhão de pessoas, afirmou que recebeu uma proposta de um marqueteiro digital ligado a Aécio Neves, principal adversário de Dilma Roussef nas próximas eleições, para que se alinhasse aos objetivos do candidato tucano durante a campanha eleitoral.

Seja através das webmídias, seja por meio de páginas de sucesso nas redes sociais, a construção de significados na mente das pessoas acontece também na internet. No entanto, segundo Moraes, seria um erro supor que as aberturas da rede possam sobrepujar o cenário de transnacionalização da comunicação. Para ele, a comunicação virtual, gradativamente, se insere no esforço de construção de uma cultura de solidariedade social baseada numa ética de reciprocidades entre sujeitos comunicantes. Assim, reconhecer novos espaços na arena virtual não significa subordinar as batalhas políticas ao avanço tecnológico, ou ainda aceitar impulsos que subestimam mediações sociais e mecanismos clássicos de representação política.

 

Bibliografia

CASTELLS, Manoel. Redes de Comunicação e Esperança: Movimentos Sociais na Era da Internet. Rio de Janeiro: Ed. Zahar, 2013.

DOWNING, John. Mídia Radical. São Paulo: Editora Senac, 2002.

MORAES, Dênis de. Comunicação Alternativa, Redes Virtuais e Ativismo: Avanços e Dilemas In Revista de Economía Política de Economia Política de las Tecnologías de la nformación y Comunicación www.eptic.com.br, vol. IX, Nº 2, mayo-ago. 2007.

E-Links:

http://www.pragmatismopolitico.com.br/2014/05/segredos-tv-revolta.html

http://www.cartacapital.com.br/revista/801/a-artilharia-politica-no-facebook-4520.html

 

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