Cultura digital, sociedade e política

16/06/2014

Programação cultural on-line

Filed under: Fernanda Portela — Tags:, , , — mfeportela @ 20:20

Por Maria Fernanda Bienhachewski da Costa Portela  

           

            A visitação a museus nunca esteve tão acessível. O site “ Era Virtual – Museus” é um projeto criado em 2008 e promove a visitação virtual de algumas instituições culturais brasileiras, visando despertar o interesse do público, divulgando via web os acervos de alguns museus brasileiros. Segundo os idealizadores, trata-se de um site interativo em constante atualização. A estratégia utilizada por eles é apostar em uma linguagem simples e de fácil comunicação com o público escolar, através de um acesso democrático via web. Contando também com a distribuição gratuita de Dvd-rooms aos interessados. A vista on-line de um espaço real, através da Internet também se preocupa em oferecer uma experiência cultural aos internautas.

Hoje em dia, museus tem investido bastante em seu departamento educativo, a fim de aproximar a arte do público, sendo comum realizar além da visita mediada, uma série de oficinas e atividades lúdicas. Na visita on-line isso não é diferente, pois também são oferecidos jogos educativos e interativos que complementam a atividade.

“O ERA VIRTUAL tornou-se uma rede de museus virtualizados e uma iniciativa referencial no processo de sua utilização do museu como material didático não-formal dentro das escolas. ” (trecho retirado da apresentação do site, disponível em http://www.eravirtual.org/ )

 1269881565_eravirtual

            São inúmeras instituições que aderiram ao projeto, em alguns estados do Brasil, tal como Minas Gerais, Goiás, Santa Catarina e Rio de Janeiro. Essa experiência on-line só pode ser possível nos dias de hoje, em que vivemos num período de intensa digitalização.

            O grupo Google também lançou seu projeto, o “Art Project” que permite ao usuário visitar uma série de museus através de um aplicativo semelhante ao “ Google Street View”, que fornece imagens reais de ruas e avenidas de qualquer localidade. Através desse aplicativo, conectado diretamente as ferramentas do Google, o usuário pode não só visualizar o acervo em imagens de alta definição como também fazer uma espécie de Tour virtual pelas salas de exposição. Iniciado em 2011, o projeto conta com célebres museus tais como o The Metropolitan Museum of Art e MoMA, em Nova York, The State Hermitage Museum, em São Petersburgo e Van Gogh Museum, em Amsterdã entre outros.

A visita on-line é uma alternativa para os apreciadores de arte que estão a quilômetros de distância dos museus que desejam conhecer. Segundo Amit Sood, autor do aplicativo, câmeras profissionais fotografaram a parte interna dos museus, dando ainda mais veracidade a essa experiência virtual, que visa uma maior democratização do conteúdo artístico sem que haja a necessidade de pagamento de ingressos nem o deslocamento ao local.

visita-virtual-museu-smithsonian-18

Segundo o antropólogo francês, Pierre Bourdieu, os indivíduos possuem o que ele chama de capital cultural, ou seja, um conjunto de qualificações intelectuais adquiridas através do convívio social na família e na formação educacional. O conceito de capital cultural está ligado a um outro conceito desenvolvido por ele, o habitus. Segundo o antropólogo, habitus é um princípio pré-disposto, construído histórico e coletivamente de acordo com a classe social dos indivíduos. É o que irá pré dispor alguns indivíduos a adquirir práticas e ações específicas ligadas, por exemplo, a vivência cultural.

Ou seja, segundo o autor, no livro “O amor pela arte”, publicado originalmente em 1966, o apreço por obras de arte está ligado ao conceito de habitus  e determinado por questões sociais. O amor pela arte não está apenas ligado a preferências estéticas de ordem subjetiva. Segundo Bourdieu, o fato de uma determinada pessoa frequentar museus não ocorre apenas por ela afirmar gostar de frequentá-los. Segundo esse livro, uma pesquisa minuciosa que busca compreender e analisar quem é o público frequentador dos museus da Europa, em países tal como França, Espanha, Grécia, Itália, Holanda e Polônia, os conceitos de habitus e capital cultural podem traçar o perfil dos frequentadores dos museus europeus. Sendo eles, na maioria dos casos indivíduos com maior nível de instrução educacional, que tenham tido algum tipo de contato com arte durante a infância. Segundo Bourdieu, crianças que frequentaram museus em companhia dos seus pais tendem a ser visitantes assíduos no futuro. Isso porque se cria um laço de familiaridade com a prática da visitação a espaços culturais. Segundo Bourdieu, o sistema educacional meritocrático é o maior responsável por enaltecer as desigualdades em relação ao acesso à cultura. 

Apesar do antropólogo francês acreditar que o hábito de frequentar museus está ligado a trajetória educacional e familiar dos indivíduos, sendo portanto, uma construção social; a expansão das visitações online a museus pode auxiliar ao combate dessa desigualdade cultural. De modo que a visitação on-line é mais democrática e acessível, por ser feita via web e sem a cobrança de taxas ou ingressos.

 Segundo a doutora em Ciência da Informação pela Universidade Federal do Rio de Janeiro ( UFRJ), Rosane Maria Rocha de Carvalho, a Internet permite que usuários dos mais diversos lugares do mundo possam visitar em um mesmo dia uma série de museus, localizados em diferentes localizações, através do uso do computador. Os sites, em geral, são reproduções dos espaços físicos dos museus. Fato recente, os museus virtuais, ou também museus on-line tem em torno de doze anos de existência. Também chamados de museu eletrônico, digital, hipermuseu, cibermuseu e também web museu, trata-se de uma nova forma de vivenciar a experiência artística e cultural. A ideia é ter acesso a um museu sem limites geográficos, sem tempo de funcionamento, em que o visitante on-line possa cada vez mais, visualizar de forma ilimitada os acervos e obras. No entanto, o museu virtual não pode ser exatamente equivalente ao museu do espaço físico, que não pode ser por ele substituído, simplesmente pelo fato de que no museu virtual há apenas projeções, visualizações dos objetos em exposição. Apesar disso, o projeto de criação de museus on-line tem seus pontos positivos, pois busca democratizar o acesso às exposições e aos acervos dos museus físicos, permitindo um maior contato com o público, de modo interativo, além de proporcionar uma experiência continuada, através da realização de redes de discussão on-line. A digitalização do conteúdo cultural e patrimonial é de extrema importância para o futuro da humanidade, mesmo que ainda alguns museus mais tradicionais ofereçam certa relutância no debate dessas sites e ferramentas via web. Além disso, alguns sites como o do Fine Arts Museum em São Francisco, além do tour on-line e da visualização das obras, ainda oferece uma ferramenta, na qual, o visitante virtual pode ser o curador de sua própria exposição. Essas e outras atividades interativas enriquecem a experiência do internauta, podendo ser executadas apenas no meio virtual.

Apesar da tese de Pierre Bourdieu, na qual, o hábito de frequentar museus está ligado a uma construção social associada a trajetória dos indivíduos e de suas classes, o museu virtual vem como uma alternativa para aqueles que desejam penetrar no meio cultural e artístico sem custo, através do espaço ilimitado da Internet. Além disso, é uma forma de inserir os jovens estudantes, que vivenciam de modo intenso a era digital, ao mundo museológico, podendo ser ele muito mais atrativo e interativo.   

museu

Referências Bibliográficas

 

BOURDIEU, Pierre & DARBEL, Alain. O Amor pela Arte  São Paulo, EDUSP e             Ed. Zouk, 2003.

 

CARVALHO, Rosane. Comunicação e informação de museus na internet e o visitante virtual. XIII Encontro Nacional de Pesquisa em Ciência da Informação – XIII ENANCIB, 2012.

Disponível em:  http://revistamuseologiaepatrimonio.mast.br/index.php/ppgpmus/article/viewFile/8/4

 

Sites consultados:

 

http://www.google.com/culturalinstitute/project/art-project?hl=pt-br

(Acesso em 02/06/14)

 

http://www.eravirtual.org/pt/ (acesso em 01/06/14)

 

 

02/06/2014

As relações afetivas na Era Digital

Uma reflexão a partir do filme “Medianeras – Buenos Aires na Era do Amor Virtual” de Gustavo Taretto

 

Por Maria Fernanda Bienhachewski da Costa Portela

 

A cultura digital e a influência da Internet nas relações cotidianas foi tema do filme argentino “Medianeras”, de 2011 do diretor Gustavo Taretto. O longa metragem faz uma relação entre as relações afetivas na cultura digital e a arquitetura de Buenos Aires, que cresce desproporcionalmente e de forma irregular, disponibilizando uma série de pequenas quitinetes isoladas. O título do filme significa a parede intermediária entre os edifícios, que sem janelas, comportam propagandas e outdoors.

Dois jovens, enclausurados em seus pequenos apartamentos em Buenos Aires sofrem solitários diante de seus computadores.  Martin, um web designer e Mariana, uma arquiteta mal sucedida, que ganha a vida elaborando vitrines são os personagens dessa trama que retrata a realidade das relações afetivas nos dias de hoje.

 

medianeras2

 

“A internet me aproximou do mundo mas me afastou da vida”, frase dita pelo personagem Martin, que sofre de uma série de transtornos psiquiátricos como depressão e fobia de multidões, soa de forma extremamente familiar e serve para que possamos refletir sobre como essa cultura digital impossibilita a vivência de experiências e sensações da vida humana.

De que modo a Internet permitiu a aproximação e/ou o afastamento entre as pessoas? Com a promessa de um acesso ilimitado a uma quantidade astronômica de dados e informações, a Internet prometia aproximar ainda mais os indivíduos, que através dela podem estar conectados 24 horas através de sites, tal como as redes sociais ou aplicativos como o Skype que realiza ligações internacionais via computador sem custo ou entre aparelhos telefônicos a pequenos preços. Tudo isso que previa uma maior aproximação, pode de alguma forma, ter ocasionado o afastamento gradual das pessoas de suas relações afetivas. Se de algum modo a Internet permite o contato de forma rápida e eficaz, ela também finge suprir a necessidade do encontro propriamente dito, do palpável, do físico.

Como é dito no filme, hoje é possível realizar centenas de atividades via web, tal como realizar as mais diversas compras, assistir a filmes e séries, ler e escutar músicas, realizar transações bancárias etc. Mas de que modo isso não passa a interferir na vida das pessoas, que fechadas dentro de seus apartamentos e diante de suas telas, deixam de sentir necessidade de sair de suas residências e conviver socialmente. De que modo a Internet não contribui para uma espécie de Sociopatia que leva a situações de depressão e solidão? E como a distribuição dos apartamentos de forma caótica e excessiva também contribui para isso?

 Ambos os personagens, desiludidos amorosamente, com dificuldade de voltar a se relacionar se sentem ainda mais fragilizados diante do que o filme denomina de “cultura do inquilino”, em que indivíduos preenchem casas e apartamentos irregulares e têm dificuldade em se reconhecer como individualidade diante da multidão. O uso da metáfora do personagem do livro “Onde está o Wally” que é tido como personagem preferido de Mariana, e que está sempre encoberto diante de uma multidão e que ela assume nunca tê-lo encontrado na cidade, é um exemplo de como a Internet impulsiona uma postura de excesso e ao mesmo tempo de perda da individualidade das pessoas, que através de seus computadores têm a ilusão de estar diante do mundo, mas cada vez mais acanhados diante da vida.

O filme, portanto, busca trazer uma reflexão de que apesar da Internet propiciar uma série de novas experiências e facilitar a realização de uma série de atividades cotidianas, o que realmente preenche os indivíduos, lhes trazendo sentimentos de realização e felicidade não podem ser substituídos pela vivência digital. A necessidade de relacionar-se, de estar próximo fisicamente do outro não é suprida pelo uso da Internet, sendo, na realidade, um grande obstáculo na hora de se reconhecer e na descoberta do outro.

 

Medianeras03-600x321

 

A pesquisadora Raquel Recuero no livro “ Redes sociais na Internet” busca compreender de que forma da Internet vêm alternando as relações sociais contemporâneas. Trata-se de alterações complexas e em velocidade acelerada que precisam ser analisadas com cuidado. No entanto, a tecnologia não pode ser vista como algo externo a sociedade, pois se tornou parte integrante dela. Apesar do tom crítico colocado pelo longa-metragem, a Internet não traz apenas malefícios para as interações sociais, mas é um instrumento que pode ser utilizado e depende da postura do internauta no seu uso, ou seja, a Internet por si só não pode ser responsabilizada por um afastamento e/ou aproximação entre os indivíduos. Segundo Recuero, a Internet deve ser estudada não só como tecnologia mas, levando em consideração o conjunto de aspectos individuais, sociais e também tecnológicos.

A internet alterou a forma dos indivíduos de se relacionar, organizar, informar, e se reconhecer. A questão do tempo foi alterada, hoje com o uso da Internet é possível trocar informações, estabelecer diálogos e publicar notícias em um outro nível de velocidade, de maneira instantânea. Essa capacidade de se conectar ao mundo em questão de segundos é uma das grandes responsáveis pela ilusão de se sentir sempre presente, ou melhor, on-line. E redes sociais, ou seja, redes de conexão foram sendo criadas dentro de cada computador e diante de cada tela, um internauta conectado. A sensação de estar presente, de participar dessa rede se confunde com a ideia de estar presente em um lugar propriamente físico, porque a rede social passou a ser também um local de interação, mesmo que virtualmente. As pessoas passam a se apropriar da rede como local de encontro, de troca de mensagens, informações, imagens, sons, etc. Portanto, a Internet engloba um sistema complexo, no qual estão presentes relações de âmbito tecno-científico como também coletivas e individuais no que diz respeito as relações pessoais entre internautas.

Segundo a pesquisadora, a Internet proporciona meios para interação e sociabilização através da comunicação virtual fornecida pelo uso do computador, essas relações se dão na rede social que a autora define como uma estrutura, na qual, estão os atores (pessoas e grupos, aqueles que estão diante dos computadores) e suas conexões (interações). Os atores são representações, ou seja, identidades construídas para serem utilizadas no que ela chama de ciberespaço, local no qual, essas relações virtuais ocorrem. Essa representação pode ser tanto um usuário (um perfil em alguma rede social), como também um site, blog ou qualquer página que represente o internauta. Portanto, há no meio virtual uma necessidade de criação de uma espécie de personagem que será a faceta utilizada pela pessoa que estará diante da tela. No filme, Mariana e Martin trocam mensagens via uma espécie de bate-papo, sem saber que estão tão próximos fisicamente um do outro, que são vizinhos. Portanto, a Internet pode favorecer a construção de inúmeras facetas, diversos perfis que podem a longo prazo nos afastar de nossa verdadeira identidade, ou servir como apoio na hora de estabelecer relações e diálogos via web. Dessa forma, podemos pensar que os atores são os instrumentos representativos utilizados pelos internautas para se apropriarem do seu próprio território no ciberespaço. Segundo Recuero,

 ”essas apropriações funcionam como uma presença do “eu” no ciberespaço, um espaço privado e, ao mesmo tempo, público. Essa individualização dessa expressão, de alguém “que fala” através desse espaço é que permite que as redes sociais sejam expressas na Internet.” (RECUERO, Raquel, 2009, p. 27).

Dessa forma, há uma necessidade de expressão juntamente e paradoxalmente com uma necessidade de ocultar-se diante de uma persona criada e recriada para interações virtuais. Dessa forma, podemos perceber que há uma crescente tendência individualista, na qual, a necessidade de se expor ou se ocultar pode levar a uma postura de isolamento e/ou insegurança quando essas pessoas precisam estar diante de situações cotidianas do “cara-a-cara”.

A comunicação via web é dada através dessa troca entre atores mediada pelo uso do computador. Quando ambos internautas estão on-line é quando virtualmente estão presentes naquela interação, em que mensagens e informações podem ser trocadas imediatamente, em tempo real. No longa-metragem de Gustavo Tarreto, a medida que a luz é desligada e os computadores se desconectam, os personagens não podem mais manter o contato estabelecido. Esse tipo de comunicação entre internautas, Recuero chama de comunicação síncrona. Já as mensagens trocadas via e-mail, ou fóruns de conversa, como mensagens off-line são segundo a pesquisadora, assíncronas, quando não há a expectativa de uma resposta imediata.

As relações construídas pelos atores sociais no ciberespaço podem ser observadas entre os personagens do filme, no entanto, se trata de uma comunicação em que eles não tem consciência de quem realmente está diante do monitor. Portanto, se pode perceber que a Internet pode propiciar momentos de aproximação e afastamento dos indivíduos em suas relações sociais. Ou seja, no quesito distância, a web pode ser uma aliada para amenizar a sensação de afastamento de duas pessoas localizadas em locais distantes, mas também, pode se tornar um obstáculo na hora de iniciar novos relacionamentos, pois dependendo de como o indivíduo se apropria de suas ferramentas, ela pode dificultar momentos em que é preciso se expressar, se expor, entrar em contato consigo e com o outro verdadeiramente, sem qualquer tipo de mediação virtual.

 

1220717116936_f

 

Referências Bibliográficas/ Audiovisuais

RECUERO, Raquel. “ Redes sociais da Internet”. Porto Alegre, 2009. p. 14 a 44.

TARRETO, Gustavo. “ Medianeras – Buenos Aires na Era do Amor Virtual” (longa-metragem). Buenos Aires, 2011.

 

 

Powered by WordPress