Cultura digital, sociedade e política

26/06/2014

A esfera pública e a participação política na internet

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Hoje em dia, o conceito de democracia conta com uma gama enorme de conotações, que serve para definir os mais variados arranjos políticos. Ernesto Laclau (2005) chega a afirmar que o conceito em si se converteu em um significante vazio, ou seja, em um significante sem significado, algo possuidor de tantos significados que se encontra esvaziado de significação efetiva.

O debate sobre o fortalecimento da democracia gira em torno do uso massificado das novas tecnologias, principalmente da internet.

No que se refere ao viés participativo ou deliberativo deste sistema político, encontramos algumas ações que conseguem fomentar a complementaridade entre democracia, participação e internet; um bom exemplo é o Orçamento Participativo, conhecido instrumento de participação popular em que os cidadãos podem decidir como se dará a aplicação de uma determinada parcela do orçamento municipal. Hoje, já existem versões digitais do Orçamento Participativo em todo mundo e também em algumas cidades do Brasil, como Belo Horizonte, Recife e Ipatinga. No entanto, uma questão se coloca: até que ponto a esfera pública na internet pode ser considerada real?

Neste ponto, existem duas frentes ideológicas em que se dividem os teóricos que se propuseram a estudar o assunto. Grosso modo, eles podem ser separados em otimistas e cautelosos.

O espanhol Manuel Castells (2001), que enxerga com bons olhos o papel da internet na sociedade contemporânea, acredita que o ciberespaço se tornou uma “ágora eletrônica global”, de onde a diversidade do descontentamento humano explode em uma cacofonia de acentos. Para ele, a internet não é simplesmente uma tecnologia, é um meio de comunicação e constitui a infraestrutura material de uma forma organizativa concreta, caracterizada como “a rede”. A internet se converte, desta forma, em um componente indispensável para os vários movimentos sociais, com suas inúmeras reivindicações, que estão surgindo na sociedade atual.

Na mesma linha, Rocio Rueda Ortiz (2008) afirma que as novas tecnologias de informação e comunicação (TICs), além de democratizar o uso da internet, a divulgação cultural e oferecer informação para todos, tem a capacidade de adormecer e mobilizar grupos sociais por meio da comunicação de massas, onde se encontram as mais variadas correntes de opinião.

Por outro lado, existem autores mais receosos em relação à função desempenhada pela internet dentro do sistema político vigente em nossa sociedade. Uma das principais críticas se refere ao fato de a internet ter uma suposta dificuldade em territorializar os fluxos discursivos. Sendo assim, o discurso se tornaria mais comprometido com projetos de atores primordialmente locais. Mesmo com uma interação menos filtrada pelos detentores do controle dos recursos midiáticos tradicionais, o caos da web, onde geralmente são travados os debates, fragilizaria seu status de esfera pública.

Segundo o sociólogo Dominique Wolton (2001), não existem meios de comunicação social sem a representação a priori de um público. Para ele, no essencial, a internet não é um meio de comunicação social, é um formidável sistema de transmissão e acesso a um número incalculável de informações.

A cautela de Wolton pode ser justificada pela exclusão digital, pela forma lúdica que a internet é utilizada por muitos, pela preponderância de determinadas faixas etárias na rede e até mesmo pela dúvida constante de a internet poder ser realmente um espaço de debates civilizados e frutíferos.

O fortalecimento da democracia por meio do uso da internet, pelo menos no Brasil, parece esbarrar em questões fundamentais, como o tamanho do acesso aos meios eletrônicos. Em países em que a inclusão digital atingiu um patamar satisfatório, como o Japão, por exemplo, o principal problema é a falta de desejo dos próprios cidadãos em envolverem-se nos assuntos públicos, considerados irrelevantes por muitos.

Portanto, antes de uma mudança técnica, necessária ao Brasil, se torna fundamental uma mudança cultural, crucial não somente ao nosso país. Pois, como afirma Clay Shirky (2011), a cultura não é apenas um aglomerado de comportamentos individuais e sim um conjunto de normas e comportamentos aceitos coletivamente num grupo.

Porém os impeditivos parecem se enfileirar quando tentamos encontrar uma posição política ideal para a internet. A massificação e a acriticidade, típicas dos conteúdos que circulam na web, colocam em dúvida a capacidade de abertura de espaços realmente vigorosos para o debate.

Claro está que a falta de conhecimento, seja ele político ou mesmo comunicacional, trabalha contra o fortalecimento democrático na sociedade moderna, que poderia ser suscitado pelo enorme alcance da internet. Neste ponto, recorremos mais uma vez a Shirky, que diz que aumentar o número de coisas que você tem pode ser útil, mas aumentar sua quantidade de conhecimento pode ser transformador. Para ele, o conhecimento, ao contrário da informação, é uma característica humana; pode haver informação que ninguém saiba, mas não pode haver conhecimento sem que alguém o saiba.

Sendo assim, podemos enxergar a internet como uma ferramenta capaz de fomentar a transformação política, uma vez que, como afirma Ortiz, a web é capaz de influenciar a opinião pública por meio de todo conteúdo que se move massivamente por ela, nos mais variados meios temáticos. No entanto, faltam atores realmente capacitados para levar esta mudança adiante.

Qual seria o caminho ideal? As interações virtuais ainda geram mais dúvidas do que oferecem respostas. A liberdade da rede abre espaço para os mais variados tipos de discursos, mas também impede que tais discursos adquiram um caráter, supostamente, profissional. Caráter este que, segundo Sharky, ainda funciona como objeção à difusão do conhecimento.

Pelo menos no Brasil, a inclusão digital se mostra fundamental, antes que qualquer discussão de conteúdo seja proposta. Nos moldes atuais, trabalhar pelo fortalecimento da democracia por meio da internet poderia significar diminuir ainda mais a representatividade dos grupos economicamente e, por que não, politicamente desfavorecidos.  Esta óbvia segmentação em nossa sociedade pode causar um efeito inverso ao pensado por qualquer um que planeje abrir espaço para um maior número de pessoas no debate público.

Quando o déficit técnico for coisa do passado, estará aberto o debate em torno do conteúdo das reivindicações e de sua viabilidade ou mesmo veracidade. Superado o obstáculo inicial, nos confrontaremos com o verdadeiro problema, de ver até que ponto as pessoas estão realmente dispostas a participar do debate político.

Os usos da internet precisarão ser modificados para que tenhamos uma discussão prolífica e o questionamento feito por Clay Shirky poderá, finalmente, ser posto à prova: quão capazes seremos de tirar proveito do excedente cognitivo para produzir valor cívico real?

Bibliografia

CASTELLS, Manuel. A galáxia da Internet. Rio de Janeiro, Zahar, 2003, PP. 13-55.

LACLAU, Ernesto. La razón populista. Buenos Aires: Fondo de Cultura Económica, 2005.

RUEDA ORTIZ, Rocio. Cibercultura: metáforas, prácticas sociales e colectivos en red. Nómadas (Col), num 28, abril, 2008, pp. 8-20. Universidad Central, Bogotá, Colombia. Disponível em http://www.ucentral.edu.co/movil/index.php?option=com_content&view=article&id=557&Itemid=2456

SHIRKY, Clay. “Cultura”. A cultura da participação: criatividade e generosidade no mundo conectado. Rio de Janeiro: Zahar, 2011, pp. 119-143.

WOLTON, Dominique. E depois da internet? Para uma teoria crítica dos novos medias. Portugal: Difel, 2001.

 

 

25/06/2014

A construção de significados nas redes sociais

Filed under: Guilherme Camargo Lima — Tags:, , , , — guilhermecamargo @ 16:04

Em época de campanha eleitoral, um novo componente parece tomar cada vez mais corpo e pode se tornar fator decisivo no pleito que se realizará no próximo mês de outubro para eleger presidente, governadores e deputados Brasil afora. A internet, e principalmente as redes sociais, ganhou lugar de destaque nas manifestações políticas que se desenrolaram pelo mundo nos últimos anos, passando a exercer papel fundamental no que diz respeito à organização de grupos sociais que reivindicam melhores condições de vida, justiça social, maior liberdade ou até mesmo que cansaram de se ver desprezados pelos detentores do poder.

Além de sua capacidade de aglutinar indivíduos com interesses em comum, as redes sociais da internet, como afirma Manuel Castells, são espaços de autonomia, muito além do controle de governos e empresas, que ao longo da história monopolizaram os canais de comunicação como alicerces de seu poder. Desta forma, a rede mundial de computadores, além de amedrontar a classe dirigente, possibilita a produção de uma comunicação alternativa, que serve de resposta à mídia tradicional e hegemônica, mas, obviamente, sem o mesmo alcance dos grupos de comunicação estabelecidos ao longo dos anos. O sociólogo espanhol ainda salienta que aqueles que detêm o poder constroem as instituições seguindo seus valores e interesses e que este poder é exercido por meio da coerção e/ou pela construção de significados na mente das pessoas, mediante mecanismos de manipulação simbólica.

Neste cenário, Dênis de Moraes garante que é preciso conceber a internet como mais uma arena de lutas e conflitos pela hegemonia, de batalhas permanentes pela conquista do consenso social e da liderança cultural-ideológica de uma classe ou bloco de classes sobre as outras.

Aqui, o papel da comunicação alternativa parece bastante claro, apesar de a terminologia utilizada ser considerada paradoxal por alguns autores. Segundo John Downing, “alternativo” afirma que qualquer coisa, em algum ponto, é alternativa a alguma outra. O jornalista canadense costuma utilizar o termo “mídia radical alternativa” e diz que ele é mais completo que os demais, inclusive “comunitária” e “popular”, que para ele podem facilmente ocultar mais que revelar, pois seriam mais firmes naquilo que excluem – a mídia convencional – do que naquilo que significam. Apesar deste significado variado e aparentemente impreciso, a comunicação alternativa deve ser vista, independentemente do termo selecionado, como uma opção às mídias enquanto instrumentos de poder. Para Downing, ela deve expressar oposição direta à estrutura de poder, além de obter apoio e solidariedade a fim de construir uma rede de relações contrária às políticas públicas ou mesmo à própria sobrevivência da estrutura de poder. Na mesma linha de pensamento, Moraes acredita que a mídia alternativa tem o papel de constituir espaços de afirmações de óticas interpretativas críticas e de práticas jornalísticas cooperativas, com a finalidade de defender a diversidade informativa e os valores éticos.

Porém, seria um quanto tanto inocente acreditar que o desenvolvimento de um sistema de comunicação contra hegemônico pudesse se desenvolver sem impedimentos por parte das classes dominantes. Os grandes grupos de mídia, alinhados àqueles que detêm o poder, controlam os maiores portais da internet e, consequentemente, atraem a maioria absoluta dos anunciantes dispostos a investir na web. Esta disposição em manter o domínio sobre a produção de informação se justifica pelo fato de os grupos dominantes compreenderem perfeitamente bem o poder simbólico da construção de significados nas mentes das pessoas. Recorrendo mais uma vez aos conceitos de Manuel Castells, podemos afirmar que a coerção e intimidação, baseadas no monopólio estatal de capacidade de exercer a violência, são mecanismos essenciais de imposição da vontade dos que controlam as instituições da sociedade. Porém, a construção de significados no imaginário dos indivíduos é uma fonte de poder mais decisiva e estável. Castells salienta que poucos sistemas institucionais podem perdurar baseados unicamente na coerção. Torturar corpos, diz ele, é menos eficaz que moldar mentalidades e a principal fonte de produção social de significado é o processo de comunicação socializada.

Este processo de comunicação se alterou significativamente com as tecnologias da era digital e seu alcance passou a atingir todos os domínios da vida social. Assim, assegura Castells, embora cada mente humana construa seu próprio significado interpretando em seus próprios termos as informações comunicadas, esse processamento mental é condicionado pelo ambiente da comunicação. Desta forma, a mudança do ambiente afeta diretamente as normas de construção de significado e, portanto, a produção das relações de poder.

Algumas características deste novo modelo, como a instantaneidade, a descentralização, a rapidez, o barateamento e, principalmente, a autonomia frente às diretivas ideológicas e mercadológicas da mídia hegemônica, são ressaltadas por Moraes como características extremamente positivas da comunicação na web.

Sabedores do poder adquirido pelos sistemas de comunicação na internet, os partidos políticos já estão preparados para a batalha eleitoral e estima-se, de acordo com dados da revista Carta Capital, que os principais candidatos à presidência da república, por exemplo, irão gastar mais de 30 milhões de reais somente com o marketing digital na campanha deste ano.

O principal palco desta batalha política na internet certamente será o Facebook. Em 2010, ano em que ocorreram as últimas eleições presidenciais, existiam cerca de 8,8 milhões de brasileiros cadastrados na rede social criada por Mark Zuckerberg. Este ano, já são mais de 76 milhões de usuários em território nacional, o terceiro maior número em todo o mundo, ficando atrás apenas de Estados Unidos e Índia. Esta expansão impressionante ganha ainda mais importância quando alinhada ao fato de o brasileiro ser um dos frequentadores mais assíduos do Facebook no planeta. Por dia, 47 milhões passam pela plataforma.

De acordo com Dênis de Moraes, as redes de comunicação alternativa muitas vezes se restringem a segmentos politizados e formadores de opinião e os principais motivos seriam a inadequação de linguagens e formatos, excessiva instrumentalização político-ideológica dos discursos informativos, escassa penetração nas zonas populacionais carentes e a ausência de politicas coordenadas de comunicação eletrônica. Assim, a construção de significado ficaria a cargo das redes sociais, com seus personagens celebridades e páginas populares.

Dois casos recentes são emblemáticos. Primeiro, o crescimento da página TV Revolta, que, sob o disfarce da militância política, tem como principal objetivo atacar o PT, partido que está no governo há 12 anos. Entre os meses de abril e maio, a página teve uma ascensão pra lá de misteriosa, alcançando o patamar de 1,5 milhão de novas curtidas. Para compararmos, em março a TV Revolta registrou cerca de cem mil novas entradas. Especialistas garantem que tamanho crescimento dificilmente se daria sem um investimento pesado, mas o responsável pela página afirma que a expansão se deu de maneira “orgânica”.

O segundo caso foi a tentativa de compra do perfil “Dilma Bolada”, que satiriza a atual presidente. Jeferson Monteiro, criador do personagem fictício que é acompanhado por mais de um milhão de pessoas, afirmou que recebeu uma proposta de um marqueteiro digital ligado a Aécio Neves, principal adversário de Dilma Roussef nas próximas eleições, para que se alinhasse aos objetivos do candidato tucano durante a campanha eleitoral.

Seja através das webmídias, seja por meio de páginas de sucesso nas redes sociais, a construção de significados na mente das pessoas acontece também na internet. No entanto, segundo Moraes, seria um erro supor que as aberturas da rede possam sobrepujar o cenário de transnacionalização da comunicação. Para ele, a comunicação virtual, gradativamente, se insere no esforço de construção de uma cultura de solidariedade social baseada numa ética de reciprocidades entre sujeitos comunicantes. Assim, reconhecer novos espaços na arena virtual não significa subordinar as batalhas políticas ao avanço tecnológico, ou ainda aceitar impulsos que subestimam mediações sociais e mecanismos clássicos de representação política.

 

Bibliografia

CASTELLS, Manoel. Redes de Comunicação e Esperança: Movimentos Sociais na Era da Internet. Rio de Janeiro: Ed. Zahar, 2013.

DOWNING, John. Mídia Radical. São Paulo: Editora Senac, 2002.

MORAES, Dênis de. Comunicação Alternativa, Redes Virtuais e Ativismo: Avanços e Dilemas In Revista de Economía Política de Economia Política de las Tecnologías de la nformación y Comunicación www.eptic.com.br, vol. IX, Nº 2, mayo-ago. 2007.

E-Links:

http://www.pragmatismopolitico.com.br/2014/05/segredos-tv-revolta.html

http://www.cartacapital.com.br/revista/801/a-artilharia-politica-no-facebook-4520.html

 

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