Cultura digital, sociedade e política

27/06/2014

Partido Pirata: A Cultura digital se insere na política

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O Estado-Nação é um fenômeno político surgido a não mais de 400 anos, teve como objetivo estabelecer uma unidade, a princípio política e territorial, depois social e cultural, em um contexto econômico de desenvolvimento industrial e utilizou largamente a mídia impressa (maior tecnologia de comunicação da época) para essa finalidade (LEMOS e LEVY, 2010: 209), cuja lógica de funcionamento se mantém quase inalterada até hoje, depois de inúmeras mudanças em todos os âmbitos da sociedade: desde a forma de comunicação entre as pessoas até a percepção sobre a função do Estado, enquanto instituição política de representação social, passando pela criação de novos espaços (presenciais ou virtuais) de atuação social (MITCHELL, 2002: 57).
Em todo esse período da história, o que se alterou tão pouco quanto a estrutura do Estado foi sua forma de articulação com o restante das instituições na sociedade, caracterizada por Castells como “redes de poder”, em que “O poder é exercido através do monopólio da coerção (o monopólio da violência, legítima ou não, pelo controle do Estado) e / ou pela construção de significado na mente das pessoas, através de mecanismos de manipulação simbólica” (CASTELLS, 2013: 10). Essas redes são formadas a partir de outras organizações da sociedade, juntamente com o aparelho do Estado e seu útil monopólio da violência, com a finalidade de aplicar e/ou consolidar determinados interesses, pois “Aqueles que detém o poder constroem as instituições segundo seus valores e interesses” (idem). As articulações entre redes são das mais diversas naturezas, e se formam entre instituições financeiras, industriais, culturais, meios de comunicação (entre outros) e o aparelho do Estado (poder legislativo, judiciário, executivo) a partir de diversos interesses das partes. Dessa forma o dinheiro circula na esfera política e o poder político, entre as organizações privadas.
A partir da revolução digital da segunda metade do séc. XX, que traz a integração de cidades, serviços, comunicações e altera o paradigma de produção (industrial) vigente até então. O conhecimento passa a ser concebido e utilizado como mercadoria, que produz mais mercadoria através de inovação tecnológica (CASTELLS, 1999: 50), científica e estabelece a chamada “propriedade intelectual”, mecanismo que garante os direitos de exploração de inovações tecnológicas (invenções físicas, como máquinas e novas tecnologias) e, no caso da indústria cultural, os chamados “direitos autorais”, ou a propriedade sobre ideias e demais produções culturais (individuais ou coletivas) (DOWNEY, 2004: 179 – 180), juridicamente legitimado através da pressão de setores da sociedade pela valorização monetária do conhecimento.
Considerando-se as novas formas de comunicação e intercambio de informação proporcionada pela internet, como e-mail, blogs, listas de discussão e principalmente os modelos de compartilhamento peer-to-peer (P2P), mais conhecido como bittorrent, onde arquivos de áudio/ vídeo são compartilhados livremente, fornecidos por e destinados para outros usuários , representa a “objetivação técnica do espaço de significação comum da humanidade” (LEMOS e LEVY, 2010: 201), ou um espaço virtual de infinitas possibilidades de produção / reprodução e apropriação de cultura e conhecimento, através do sistema de hiperlinks e dos infinitos espaços atuais, ou seja, formas de classificação de acordo com algum critério, promovendo sua constante atualização. Enfim, na internet se encontra o potencial de reunir a noosfera (conjunto de todos os símbolos e ideias produzidos pela cultura humana) (idem: 203), possibilitando uma efervescência cultural nunca antes ocorrida na história da humanidade.

The Pirate Bay: maior site de compartilhamento P2P do mundo.

Dada a pressão da indústria cultural, representada pelos órgãos jurídicos em criminalizar o livre compartilhamento de conhecimento em suas diversas formas multimídia na internet, em 2006 surge na Suécia o primeiro Partido Pirata, como um movimento de resistência civil a essas prátcas. Se apropriam da alcunha de “pirata” e toda a conotação dos antigos ladrões dos mares, para transformar a expressão no símbolo da era digital: se “navega” na internet, a troca de arquivos não autorizado é chamada pejorativamente de “pirataria“¹. Assim, todos que utilizam a internet como ambiente de compartilhamento são potenciais piratas, que não pagam pela propriedade intelectual que foi violada. Esse novo partido, nas palavras do fundador, Rick Falkvinge, sobre o contexto de fundação do Piratpartiet:
“Os políticos tinham posições unilaterais sobre a questão dos direitos autorais. Só ouviam a indústria do entretenimento e criavam leis mais e mais repressoras. Eu pensei: só com argumentos e debates será impossível fazê-los nos entender. A única maneira, então, era agir diretamente e disputar votos nas eleições. Ignorar os políticos, que não nos ouviam, e falar diretamente com os eleitores”².

Logomarca: Partido Pirata do Brasil

Para enfrentar a rede de interesses em torno da indústria cultural e a crescente mercantilização do conhecimento, compreendeu-se a necessidade de adentrar na política partidária para articular as próprias redes de enfrentamento, em conjunto com movimentos sociais, mídia independente e a juventude que cresceu inserida na cultura digital, chamado por Castells de redes de contra poder, em que atores desafiam as instituições com o intuito de modificá-las, no caso da democracia, por conta da crise de representatividade que se agrava cada vez mais (CASTELLS, 2013: 10). Esse trabalho de resistência e mudança é realizado através de mecanismos de comunicação alternativa: formas de produção de informação que envolvem a horizontalidade nas decisões editoriais, transparência na produção do conteúdo, ambientes compartilhados e participativos, com o objetivo de “Construir espaços de afirmação de óticas interpretativas críticas e de práticas jornalísticas cooperativas, com a finalidade de defender a diversidade informativa e valores éticos” (MORAES, 2007: 3), métodos muito diferentes daquelas praticadas pela grande imprensa. Essas novas práticas se extendem a outras esferas da vida, como a produção cultural colaborativa, a criação de redes autônomas que envolvem troca de experiência e até bens materias, novas formas de relacionamento da sociedade em relação à cidade, aos espaços públicos e às esferas de pder, entre outros. Enfim, os novos atores da sociedade, que não mais se sentiam representados por políticos que mercantilizam o espaço público, as empresas privadas corruptoras e práticas que parecem ter perdido a dimensão social da vida.
O Partido Pirata, além de novas percepções sobre a propriedade intelectual, apresenta práticas inovadoras em seu funcionamento interno: não existem hierarquias rígidas na estrutura do partido, incentiva-se a participação direta, facilitada por sistemas online (como o LiquidFeedback), com sistemas de comentários, facilitando a discussão e aprimoramento das propostas por todos os membros, distribuindo o poder de decisão entre todos. O partido propõe também um novo sistema chamado “democracia líquida“, que já vem sendo utilizado em diversas cidades e alguns países, se trata de um misto entre a democracia direta e a representativa, como parte do compromisso programático de “aprimorar a democracia com uso de ferramentas de consulta direta propiciadas pelas tecnologias de comunicação”³.
Por conta das recentes denúncias sobre a espionagem dos EUA no ambiente digital e o fornecimento de dados pessoais por parte das empresas de internet, além de propostas de leis que prevêem duras punições para a pirataria online ( Lei de decência nas comunicações de 1995, Lei da Espionagem de 1996 e ACTA, SOPA, PIPA, mais recentemente, além da Lei de crimes digitais, no Brasil) as pautas do Partido Pirata têm recebido maior atenção por parte da sociedade, que percebeu a importância da garantia de seus direitos digitais (DOWNEY, 2004: 278 – 280).
No Brasil, o Partido Pirata surgiu em 2007 ainda não foi institucionalizado como partido político, mas desde sempre atuou como um coletivo de militância pela inclusão digital, direitos humanos, de liberdade e privacidade na internet e inclusão digital, além da efetiva participação popular nas decisões políticas e novos modelos de organização institucional, mais descentralizados e horizontais.
A existência desse tipo de movimento (social e político) ao redor do mundo sinaliza a necessidade de reformulação da instituição político-partidária atual, que beneficia a muito poucos e não promove uma real participação, mesmo com os avanços tecnológicos e possibilidades reais de extensão da cidadania. Esse tipo de enfrentamento definirá o futuro da internet, a forma como ela será construída e gerida a partir de então, e mostrará se suas atuais possibilidades serão de fato aproveitadas, o que acarreta profundos questionamentos sobre a democracia, as fontes de poder que emanam da sociedade e a forma como a cultura e o conhecimento devem ser produzidos pela humanidade.

Notas:
¹ Partido Pirata do Brasil: Cartilha Pirata. Disponível em: http://www.calameo.com/read/000874400a75b875e7828
² http://super.abril.com.br/cultura/deputado-pirata-446697.shtml
³ http://partidopirata.org/documentos/programa/

Bibliografia:
Castells, Manuel. Sociedade em rede. São Paulo, Paz e terra, 1999
______________. Redes de indignação e esperança: movimentos sociais na era da internet. Rio de Janeiro, Zahar, 2013
Downey, John. Mídia radical: rebeldia nas comunicações e movimentos sociais.São Paulo, Senac, 2004
Lemos, André; Levy, Pierre. O futuro da internet. São Paulo, Paulus, 2010
Mitchell, William J. E-topia: a vida urbana – mas não como a conhecemos. São Paulo, Senac, 2002
Moraes, Denis de. Comunicação alternativa, redes virtuais e ativismo: avanços e dilemas. Revista de economia e política de las tecnologias de a informacion y comunicacion vol IX, n°2, mayo – ago / 2007.

09/06/2014

Produtor, ouvinte, podcaster: novas mídias e comunidades de colaboração em ambientes digitais

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A comunicação é um elemento essencial para a manutenção do ser humano, enquanto ser cultural e social. Os meios de comunicação foram desenvolvidos para sistematizar essa necessidade de transmitir significado e informação, sempre com “nobres intenções” no início e tendem a se instrumentalizarem para algum propósito pouco claro, na maioria das vezes (DOWNEY, 2004: 272). O rádio surgiu na América Latina ou, mais precisamente, foi importado para essa região durante o período de 1930 e utilizado por líderes políticos com o principal objetivo de criar uma cultura nacional comum, nessa época ainda ausente nos territórios nacionais, recém estabelecidos e com muito pouco em comum, dada a grande quantidade de grupos (étnicos, culturais, territoriais) distintos que coabitavam esse continente antes da colonização europeia. A tecnologia e o aparelho de rádio, naquela época, simbolizavam a modernização, exemplificada na tecnologia de comunicação e serviu para cristalizar uma cultura sobre um território, construir e legitimar o conceito de “nação” (MARTIN-BARBERO, 2004: 194), além significar uma nova tecnologia de imprensa, posterior à mídia impressa, ainda assim uma “mídia de massa”, conceito esse determinante na cultura do século XX.

Em meados de 1960, uma nova mídia, a Televisão, é trazida juntamente com o conceito de “desenvolvimento” para a América Latina, em um contexto de esgotamento da tendência política chamada “populismo” e fortes pressões internacionais por abertura econômica por parte dos países subdesenvolvidos. Essa nova tecnologia serviu, juntamente com o cinema, para criar um imaginário comum de consumo, não mais local ou nacional, mas global (transnacional): os valores, a cultura e os padrões de consumo dos EUA foram exportados e multiplicados, inclusive nos países mais “atrasados” (MARTIN-BARBERO, 2004: 196), recém industrializados, onde a população migrava das áreas rurais para as urbanas, esse consumo de mídia foi ainda maior, considerando a dificuldade de adaptação dessas populações e sua inexperiência em utilizar o tempo livre nesses ambientes tão diferentes e, de certa forma, hostis (SHIRKY, 2011:10).

Durante o séc. XX a comunicação e suas tecnologias eram largamente utilizadas para fins políticos de integração cultural e econômica, mas no contexto da guerra fria e ameaça constante de uma 3ª guerra mundial, sob a justificativa do desenvolvimento tecnológico dos EUA e a partir de fatores institucionais e políticos, é idealizada, depois viabilizada tecnicamente uma nova tecnologia de comunicação*, um espaço aberto para participação que foi se expandindo do local/ institucional até se tornar global: a internet. Pessoas com interesses específicos passam a ter um ambiente para compartilhar inquietações e ideias, pois certamente alguém possui o mesmo interesse, porque essa possibilidade é multiplicada pela quantidade de pessoas com acesso à internet, ou, como diz Clay Shirky: “Qualquer acontecimento [ou interesse] humano, por mais improvável que seja, vê sua probabilidade crescer numa multidão” (SHIRKY, 2011: 28). A virtualidade mostra uma série de conexões autônomas (redes) entre pessoas e/ ou grupos. Nos locais onde o espaço público das cidades não é utilizado para exercício da cidadania, os atores sociais se tornam autônomos de forma a criar espaços virtuais (horizontais e não hierárquicos) de conversa e deliberação, tomada de decisão, independente das empresas ou do Estado , culminando em ultima instância em espaços de reivindicação, que se estende aos lugares presenciais, vividos, cotidianos (CASTELLS, 2013: 11). Os indivíduos unidos em nações (por meio da ficção de pertencimento único ao território) se deparam com a diversidade, primeiramente no interior do próprio país (as particularidades regionais (na América Latina: diversas tribos indígenas e outras culturas ligadas ao espaço físico); se deparam com milhares de manifestações em nível global, das imensas possibilidades embutidas no contato com outras culturas e a multiplicidade de significados e significações que podem existir, dessa forma ameaçando os poderes centralizadores e homogeneizantes da sociedade( LEMOS E LEVY, 2010: 207).

A partir das novas possibilidades de conexão e estabelecimento de redes entre pessoas ou grupos agora possíveis por conta da internet, destaco certo tipo de mídia que é uma junção de outros formatos, ainda assim diferente de todos eles: um rádio que não é rádio, um meio possibilitado apenas a partir da internet: o Podcast, termo esse utilizado pela 1ª vez em 2004, pela junção das expressões “P.O.D – Personal on demand” (pessoal sob demanda) e “Broadcast” (transmissão massiva). Poderia também se chamar audiocast, o sentido da expressão é, para uso nesse artigo, conteúdo em áudio / video que pode ser distribuído massivamente, para grande quantidade de pessoas, nos moldes do rádio e que pode ser produzido por qualquer um com conhecimento técnico, uma ideia e disposição para fazê-lo, ou seja, uma ruptura na crença e prática de que só uma elite (executivos e técnicos dos meios de comunicação) era capaz de produzir conteúdo. Segundo Tom Webster:

“Podcasting é o conceito de baixar várias formas de programa de áudio/ vídeo na forma de arquivos digitais que podem ser ouvidos a qualquer momento.
Podcasting não se refere ao ato de baixar músicas individuais. Podcasting se refere ao ato de baixar arquivos de áudio/ vídeo on-line na forma de programas
(como talkshows ou um programa musical com apresentador), geralmente como um download automático que pode ser ouvido segundo a conveniência do usuário”

(WEBSTER, 2009: 9)

Podcasting

Um podcast pode ser produzido por alguma emissora de rádio, por exemplo, e de fato foi como a mídia se iniciou, mas seu modelo de produção deriva de diversos aspectos culturais da sociedade que foram potencializados na internet: Transparência na construção e divulgação do conhecimento, produção horizontal e democrática, comportamento comunitário / colaborativo, tanto no sentido metodológico / técnico de se produzir um programa, quanto nas temáticas e assuntos de interesse dos diferentes grupos. No interior de uma tendência geral da internet, de democratizar a produção e consumo da informação, esse tipo de nova mídia significa a potência de transformação de cada um em ator social (produtor da sua própria narrativa) e apropriação de diversas ferramentas tecnológicas que permitem tirar o máximo proveito das possibilidades multimídia da internet. Essas características se mostram principalmente no interior do universo que se formou a partir dessa mídia (produtores e consumidores, ou podcasters e ouvintes). Esse comportamento comunitário também destoa da hostilidade e concorrência da mídia tradicional, o corporativismo e preferência por viabilidade comercial à qualidade do conteúdo, características recorrentes nos meios de comunicação de massa, muitas vezes megacorporações com grande poder econômico, que atuam massivamente criando articulações (redes) de luta pelo poder**, a manutenção do mesmo e apoio de quem o detém (CASTELLS, 2013: 10).

Essa nova mídia, já produzida em grande quantidade no mundo inteiro, ainda pouco conhecida no Brasil, apresenta inúmeras possibilidades de produção, no momento se apresenta majoritariamente como conversas entre amigos, apresentador e convidados ou mesmo monólogos (o apresentador que lê / comenta), abordando uma temática preestabelecida, que pode ser tecnologia, esportes, notícias ou algum aspecto da cultura, local ou internacional (temática predominante). Esse tipo de produção, além de promover o debate em torno de algum assunto ou obra artística, contribui ao colocar em contato o entusiasta / especialista em alguma área (cinema, histórias em quadrinhos, música, por exemplo) com o restante da “audiência”, que muitas vezes não possui tanta informação a esse respeito, ou seja, dissemina conhecimentos históricos e ferramentas para um aprofundamento crítico, para quem não possuir. Além disso, a própria audiência (ouvinte) cria uma atmosfera de participação, com referências que não foram citadas, opiniões pessoais e demais contribuições, que invariavelmente enriquecem o conteúdo. Isso tudo, produzido, cristalizado e disponibilizado na internet, é gravado em formato de áudio (.mp3) e enquanto estiver disponível, aquele conteúdo se manterá intacto, podendo ser consultado novamente quantas vezes for necessário, e significa, afinal, para quem produz esse tipo de conteúdo, algum custo de produção e muito pouco para reprodução, cópia ou compartilhamento, além dos conhecimentos prévios sobre os assuntos, altamente valiosos, mas dificilmente mensuráveis, e infinitamente combináveis entre a comunidade que, quanto mais ativa, mais viva e criativa se mantém.

Existem os podcasts que se pretendem comerciais, se inserem em portais mais amplos como blogs e outros produtos para comércio ou veiculação de propaganda, nos moldes da mídia tradicional, por medição da quantidade e nível de engajamento da audiência, o que possibilita a venda de publicidade e outros produtos, por isso acabam adotando estratégias de comunicação massiva, temáticas populares, mas no ambiente da internet possuem a vantagem de ter um custo de produção muito menor do que em um grande estúdio de TV ou rádio, além de uma maior segmentação e fidelidade do público, considerando a imensidão de possibilidades, já que todos são potenciais produtores de conteúdo. Ainda assim, ponderadas as particularidades, essas estratégias reproduzem em outro meio o modelo hegemônico de mídia. Outros programas abordam temas mais alternativos, de baixo apelo à mídia de massa ou à população em geral (Cinema de arte / independente, mitologia), história, o que não significa necessariamente menos interesse ou participação.

Ainda assim, existem muitas possibilidades, ainda mais no contexto da América Latina, onde as tecnologias foram implantadas, mas muito pouco apropriadas pela população (MARTIN BARBERO, 2004: 179). Considerando-se a multiplicidade de culturas que coexistem no continente, existe um imenso potencial para abordagem das culturas indígenas, de forma a tornar pública sua existência e realizar o resgate histórico de práticas que podem ter se perdido no tempo ou no contato com os europeus, além das culturas tradicionais que foram extintas pela urbanização e/ou exploração indevida dos territórios. É possível e necessário apropriar-se dessas novas tecnologias multimídia como mídia radical: construir novas práticas de produção e reprodução da informação, novas formas de organização do conhecimento e sua apropriação pelas pessoas: uma comunicação não mercantilizada, que não atenda aos interesses de parcelas da sociedade (notadamente aquelas que detém o poder). “Consiste na participação das pessoas na criação de formas interativas de comunicação que atuam como força de compensação para o fluxo unilateral que é próprio da mídia comercial” (DOWNEY, 2004: 274), dessa forma, abre-se espaço para temas sem repercussão na mídia tradicional, seja por falta de repercussão ou divergência ideológica: mídia e cultura independentes / colaborativas, movimentos sociais contra-hegemônicos, conteúdos críticos/ antissistêmicos, novas formas de organização social. Assim como o rádio foi utilizado na Argélia para fins da independência do país, ou em Lima, nas rádios comunitárias que deram voz às vendedoras nos mercados , ou os latinos residentes nos EUA que viajam para seus países de origem colhendo, com gravadores, as manifestações das festas populares para atualizar os companheiros que moram longe (MARTIN BARBERO, 2004: 189-190), é possível apropriar essas tecnologias para valorizar as diferentes manifestações humanas dos países/ continentes.

Mesmo sendo uma mídia recente, o podcast demonstra um potencial imenso em diversos aspectos, seja na popularidade que o rádio já teve, na conveniência em se consumir conteúdo em áudio, seja na facilidade de produção e distribuição do conteúdo. Diversas outras ferramentas da internet possibilitam a valorização cultural de povos isolados ou marginalizados, como a gravação em vídeo de rituais, cerimônias e outras manifestações, posteriormente disponibilizado em serviços de streaming, o rompimento das barreiras de tempo / espaço, em que não é mais preciso a proximidade física para a comunicação direta e articulação política, ou mesmo as possibilidades educacionais: ensinar a apropriar a população para que se utilize desse espaço, virtual, mas em muitos momentos público e participativo, de mobilização e efervescência cultural, pois em ultima analise, não são os “impactos” das tecnologias, mas seus usos, que realmente interferem e fazem a diferença na sociedade.

Notas:
* No contexto da época, os principais fatores foram: o apoio financeiro (do governo dos EUA); institucional (pelo departamento de Defesa) e autonomia proporcionado para a discussão e desenvolvimento de ideias; a genialidade dos cientistas envolvidos desde o início e os estudantes que se juntavam posteriormente; além dos fatores externos, que influenciaram ideologicamente nas características finais do projeto: as culturas alternativas e libertárias dos anos 60 e 70, além dos idealistas como Tim Berners-Lee, Douglas Engelbart e Ted Nelson. Castells (2004), pg. 40-43

** Utilizo o conceito poder de acordo com a formulação de M. Castells: “O poder é exercido por meio da coerção (o monopólio da violência, legítima ou não, pelo controle do Estado) e/ ou pela construção de significado na mente das pessoas, mediante mecanismos de manipulação simbólica” e ainda: “[...] as relações de poder são constitutivs da sociedade porque aqueles que detêm o poder constroem as instituições segundo seus valores e interesses.” (Castells, 2013: 10)

Bibliografia:

Castells, Manuel. A galáxia internet: Reflexões sobre internet, negócios e sociedade. Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 2004

Castells, Manuel. Redes de indignação e esperança: movimentos sociais na era da internet. Rio de Janeiro, Zahar, 2013

Downey, John. Mídia radical: rebeldia nas comunicações e movimentos sociais.São Paulo, Ed. Senac, 2004

Lemos, Andre; Levy, Pierre. O futuro da internet. São Paulo, Paulus, 2010

Luiz, Lucio (org). Reflexões sobre podcast. Nova Iguaçu, Marsupial Editora, 2014

Martin-Barbero, Jesus. Oficio de cartógrafo: Travessias latino-americanas da comunicação na cultura. São Paulo, Loyola, 2004

Shirky, Clay. A cultura da participação: Criatividade e generosidade no mundo conectado. Rio de Janeiro, Zahar, 2011

Webster, T. The Podcast Consumer 2009 . Edison Research, Disponível em: http://www.edisonresearch.com/home/archives/2009/05/the_podcast_consumer_2009.php#.U5UyIS1XC24. Acesso em 18/05/2014

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