Cultura digital, sociedade e política

17/06/2014

Persepolis 2.0: Quadrinhos e ciberativismo

Fonte: flickr.com

Fonte: flickr.com

O espaço virtual está se tornando um espaço comum a toda a humanidade, onde as distâncias físicas tornaram-se irrelevantes, propiciando a interação e a troca de informações entre os indivíduos, o que é muito importante para a organização de movimentos de luta política, através de redes como o Twitter, Facebook e o Youtube. Pois, segundo Manoel Castells em Redes de Indignação e Esperança os movimentos sociais se manifestam na internet, tornando-a numa espécie de ágora eletrônica onde através dela é possível denunciar as barbaridades cometidas por governos autoritários, como também convocar mais manifestantes para o embate e a ocupação de espaços públicos, as redes sociais foram muito úteis nas recentes manifestações nos países árabes, na Europa, nos EUA, e também em São Paulo.

Mas o que as histórias em quadrinhos têm haver com manifestações recentes pelo mundo e com a internet? Bem, antes do início da Primavera Árabe em 2010 com o intuito de derrubar os regimes autoritários que governam há décadas, do movimento do Los Indignados na Espanha e do Occupy Wall Street que segundo David Harvey pretendem retomar o controle do poder ao povo tirando das mãos dos magnatas que controlam o governo (Harvey, 2013), a internet já vinha sendo usada como forma de manifestação política no Irã desde 2009, e uma dessas formas foi através da adaptação da série de histórias em quadrinhos Persépolis, onde dois jovens filhos de iranianos exilados adaptaram os balões das histórias para um enredo que denúncia a falta de direitos civis do regime do ex-presidente Mahmoud Ahmadinejad, disponibilizando-as na rede, como por exemplo no site flickr.com.
Segundo Nildo Viana em sua obra Quadrinhos e Crítica Social, O Universo Ficcional de Ferdinando, as HQ são como uma expressão figurativa da realidade, através do processo de criação dos autores que as tratam como manifestação da realidade social em um universo ficcional. Podendo a partir daí retirar elementos sócio-políticos e adaptá-los aos quadrinhos.

Fonte: flickr.com

Fonte: flickr.com

O estilo graphic novel talvez seja o tipo de HQ que mais vem ganhando espaço em meio à discussão política, a HQ Persépolis em sua versão original, a autora retrata a Revolução Islâmica de 1979, a partir de uma personagem feminina que vivência eventos como a queda do regime do Xá, e a guerra entre o Irã e o Iraque. A adaptação atual feita por esses dois jovens que se denominam Payman e Sina, retrata o contexto político de 2009 onde o presidente Mahmoud Ahmadinejad foi reeleito sem que não houvesse fortes protestos de opositores que denunciavam irregularidades nessa eleição, a história mostra as manifestações contra o governo, e termina com a morte da jovem Neda Agha-Soltan durante os protestos, tornando-se um símbolo das manifestações. Ao fim também se encontra um pedido dos autores para que divulguem a HQ por meio do Facebook, Twitter e e-mail. Payman e Sina reeditaram os diálogos trazendo-os para as questões atuais criando a HQ Persépolis 2.0, com o objetivo de torná-la disponível para todo o mundo através da internet, já que o governo iraniano bloqueou uma série de blogs e páginas que lhe faziam oposição, restando às redes sociais que se tornaram o veículo de propagação dessa HQ.
Junto a isso é notável observar a presença da chamada cultura da internet descrita por Castells, em a Galáxia da Internet, que surgiu a partir do encontro dos jovens universitários na época da efervescência da contra-cultura com os aparatos tecnológicos de uso militar, foi desenvolvida para ser um espaço de criação coletiva e internacional, sendo os hackers os precursores do ativismo virtual, mas a consolidação dessa cultura ocorreu quando a internet popularizou-se por voltada década de 1990, abrindo acesso a uma grande parcela de usuários comuns, sem muita instrução sobre ela. A rede possibilitou o surgimento de um novo ambiente onde os indivíduos podem interagir em busca de uma causa social, substituindo os panfletos por e-mails e compartilhamentos como fizeram Payman e Sina e os demais que se solidarizaram.
A autora da versão original Marjane Satrapi que vive na França e é uma forte ativista pelos direitos civis no Irã, não se importou com a alteração feita em sua obra, dando autorização para que continuassem a criar um enredo que denunciava as irregularidades nas eleições de 2009, Payman e Sina que vivem em Xangai e receberam apoio através da internet para a tradução em diversas línguas, fato que lembra o que Castells discorre em Redes de Indignação e Esperança definindo a rede como um espaço que se constitui pela comunicação autônoma e livre possibilitando um contra-poder pelos movimentos sociais, assim como a divulgação de Persépolis 2.0 que ganhou apoio através de várias páginas na rede.
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Bibliografia:
CASTELLS, Manoel. Redes de indignação e esperança: movimentos sociais na era da internet. Rio de Janeiro, Zahar, 2013.
___________. A Galáxia da Internet. Rio de Janeiro, Zahar, 2003.
HARVEY, David. Os rebeldes na rua: o partido de Wall Street encontra sua nêmesis. In: Occupy: movimentos de protesto que tomaram as ruas. São Paulo, Boitempo, 2013.
VIANA, Nildo. Quadrinhos e Crítica Social. O Universo Ficcional de Ferdinando. Rio de Janeiro: Azougue, 2013.

Sites:

http://www1.folha.uol.com.br/fsp/ilustrad/fq2707200916.htm

Página acessada em 25 de maio de 2014.

https://www.flickr.com/photos/30950471@N03/sets/72157620466531333/

Página acessada em 25 de maio de 2014.

02/06/2014

Da democracia à revolução, como a internet está se tornando um instrumento político

Por Márcio Nascimento Souza

A democracia em seu significado etimológico seria o governo do povo[1], assim como era na Grécia Antiga onde essa palavra teve origem, as decisões eram tomadas pelos homens livres nas ágoras, as opiniões de cada cidadão da polis era expressa a fim de convencer os demais. Porém esse modelo revolucionário desapareceu junto com a soberania ateniense perante o domínio romano no século II A.C. A democracia apenas ressurgiu no século XIX como uma consequência da modernidade que aos poucos incluiu as mulheres e os analfabetos, porém essa não era mais a democracia participativa dos gregos antigos, mas uma democracia representativa que delega ao cidadão apenas o direito ao voto em períodos de eleições, onde os representantes dos cidadãos já se encontram em sua maioria alheios aos problemas deles por serem na verdade representantes de elites econômicas e políticas.  A democracia não se faz mais pela prática da expressão de cada indivíduo. Em partes, podemos entender isso como consequência do impedimento físico de reunir todos os milhões de cidadãos de um Estado moderno em um congresso, onde todos falariam e ouviriam a todos. Deste modo parece que a democracia representativa seria o único modo possível de democracia, não sendo mais ela o governo do povo, mas o governo sobre o povo.

Porém, hoje assim como a mais de 2500 anos na Grécia surgia de forma revolucionária a democracia, a internet está mudando os aspectos da vida social em quase todo planeta, ela está possibilitando aos indivíduos modernos romper com os obstáculos físicos de comunicação e permitindo acesso rápido as informações, dando vida a um novo tipo de democracia, seguindo o exemplo da constituição colaborativa islandesa, onde o povo por meio das redes sociais como o Facebook e o Twitter ou pela página oficial criada para a redação da nova constituição, contribuiu através de opiniões, sugestões e debates[2], Segundo William J. Mitchell (2002) a dinâmica social alcançada após uma revolução tende a ser irreversível, gerando outras transformações que tendem ser profundas:

“Como naqueles fortes abalos que marcaram nosso passado – as revoluções agrícola e urbana que se seguiram à invenção da roda e do arado, e a revolução industrial que emergiu da ciência do Iluminismo -, as dinâmicas sociais pós-revolucionárias parecem já ter atingido um impulso irreversível.” (MITCHELL, p32. 2002.)

A participação do povo na política através da internet segundo Eiríkur Bergmann[3] é fundamental para um nível mais avançado de democracia, porém, é importante lembrar que ela contínua sendo representativa através de eleições, o que leva Bergmann a pensar que não vivemos no limiar de uma nova democracia, mas sim, uma nova etapa onde a web é um instrumento para participação. Pois, a ciberdemocracia possibilita o surgimento mecanismos de discussão entre o cidadão e o Estado, tornando a participação popular mais real nas tomadas de decisões. Bergmann ressalta que logo após a pacífica “Revolução das Panelas” em frente ao parlamento em decorrência da crise econômica de 2008, a população a transferiu para a rede, onde os políticos a acolheram através da criação de uma Comissão Constitucional. Essa participação popular na nova constituição islandesa só foi possível graças ao fato de que 95% da população têm acesso à internet.

Uma rede de comunicações surgiu junto ao ciberespaço, possibilitando a interação entre todos com acesso a rede, assim como Manoel Castells aponta em A Galáxia da Internet, ela está fornecendo a integração de várias redes, como por exemplo, se observarmos a constante troca e cruzamento de informações do mundo todo através do Facebook e o Youtube veremos a possibilidade do surgimento de uma maior diversidade cultural, porque as distâncias e os territórios físicos tornam-se relativizados diante da circulação de informações e o acesso a elas, possibilitando uma maior aproximação entre indivíduos de diversas culturas.

 Assim como William J. Mitchell já parecia prever em E-Topia A vida urbana – mas não como a conhecemos, através de objetos de uso cotidiano, como celulares e relógios que tendem a se tornarem mais inteligentes, teremos as novas interfaces para o mundo digital. Mitchell via a web como uma construção coletiva, ou seja, podemos entender isso como uma oportunidade de criarmos uma nova experiência democrática. De forma otimista esse autor crê que em breve os meios de acesso a rede estarão tão presentes e integrados a vida cotidiana, assim como a eletricidade e a telefonia, podendo surgir redes comunitárias que seriam como as ágoras da Grécia Antiga. Mas o mesmo autor aponta preocupação quanto aos usos da internet, em seu texto de 2002 ele parecia já prever o recente alvoroço causado pela revelação de espionagem da Agência de Segurança Nacional (NSA) norte-americana, ao dizer que achar que as informações fluem livremente pela rede é um mito otimista, pois “sentinelas” vigiam as informações (MITCHELL, 56. 2002).

No Brasil podemos observar algumas iniciativas como forma de aproximação do povo das questões públicas, como por exemplo, o Portal da Transparência que permite a qualquer cidadão com acesso a internet fiscalizar a utilização do dinheiro público, ou a TV Senado e TV Câmara que permitem acompanhar as discussões e decisões do Congresso Nacional, porém não vemos essas iniciativas como um meio de articulação de participação do povo no governo, mas como apenas uma prestação de contas.

Se por um lado as tecnologias da informação estão sendo usadas como ferramentas numa tentativa de participação maior do povo nas decisões políticas em um Estado democrático de direito como é a Islândia, por outro elas desempenham um papel de demolição de regimes pouco democráticos, como no caso da onda revolucionária conhecida como Primavera Árabe, onde o uso de redes sociais consegue driblar a censura e organizar manifestações de forma estratégica. Toda revolução depende de meios de comunicação como o uso de panfletos e jornais. E agora as tecnologias digitais estão desempenhando essa função, porém de uma forma nunca vista antes. Tentar desconectar a rede certamente acarreta num prejuízo econômico muito alto, e para evitar que as revoltas se propagassem mais através da internet alguns governos não tiveram outra escolha a não ser ceder à pressão popular[4].  Segundo Manoel Castells em Redes de Indignação e Esperança – Movimentos Sociais na Era da Internet, o surgimento da rede possibilitou a ocupação de um espaço que é desprovido do controle total dos governos e das empresas, onde os indivíduos se juntam para reivindicar o direito de fazer história. Através da articulação pela rede, indo do norte da África pelas manifestações da Primavera Árabe, ao coração do mundo financeiro no movimento chamado Occupy Wall Street, as comunicações de massas por meio da rede estão fornecendo a possibilidade para a construção da autonomia dos indivíduos diante as instituições (CATELLS, 12. 2013). Para Castells esse é o motivo dos governos temerem a internet.

As mídias digitais podem ser as novas armas da revolução, assim como os instrumentos da construção de uma nova democracia.

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Fonte: cartoonaday.com

Bibliografia:

CASTELLS, Manoel. A Galáxia da Internet: Reflexões sobre Internet, Negócios e Sociedade. Rio de Janeiro, Zahar, 2003.

_______________. Redes de indignação e esperança: movimentos sociais na era da internet. Rio de Janeiro, Zahar, 2013.

MITCHELL, William J. E-topia: a vida urbana – mas não como a conhecemos. São Paulo, Senac, 2002.

Sites:

http://tecnologia.terra.com.br/internet/constituicao-colaborativa-da-islandia-serve-de-exemplo-ao-brasil,f9f3a0b2993de310VgnVCM3000009acceb0aRCRD.html

http://www.20minutos.es/noticia/967110/0/rey/bahrein/presos/


[1] Dicionário da Língua Portuguesa, Michaelis. Disponível em michaelis.uol.com.br

[2] Para mais informações acesse: http://tecnologia.terra.com.br/internet/constituicao-colaborativa-da-islandia-serve-de-exemplo-ao-brasil,f9f3a0b2993de310VgnVCM3000009acceb0aRCRD.html

[3] Eiríkur Bergmann é professor de Ciências Sociais na Universidade de Bifröst na Islândia.

[4] Para mais informações acesse: http://www.20minutos.es/noticia/967110/0/rey/bahrein/presos/

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