Cultura digital, sociedade e política

23/06/2014

Rede global de comunicação

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Em vídeo divulgado pelo Boko Haram, as sequestradas aparecem em trajes mulçumanos (Foto: BBC)

Em vídeo divulgado pelo Boko Haram, as sequestradas aparecem em trajes mulçumanos (Foto: BBC)

Por Priscila Camazano

Muito tem se falado sobre um vídeo postado na Internet por um grupo islâmico ultrarradical nigeriano chamado Boko Haram. Publicado no dia 12 de maio desse ano o vídeo mostra jovens nigerianas que foram sequestradas em uma escola estadual em abril. O sequestro é resultado de uma briga interna entre uma minoria islâmica, localiza ao norte do país, e uma maioria cristã localizada  ao sul, onde os primeiros reivindicam o estabelecimento de um Estado islâmico com a imposição dos preceitos da seita, incluindo a educação islâmica.

Não desmerecendo a discussão, mas deixando de lado a questão política, o que nos interessa analisar a partir desse episódio é o uso da Internet como meio de comunicação para a divulgação de informações. Para isso podemos rememorar a história da Internet para entender como foi possível chegar ao estabelecimento de uma rede de comunicação de âmbito global.

Segundo Castells (2003) uma das origens da Internet encontra-se na Arpanet, uma rede de computadores montada pela Advanced Research Projects Agency (ARPA) no ano de 1969, a partir da ideia de conectar computadores em pequenas redes de comunicação. A princípio uma articulação entre militares, acadêmicos e técnicos, que com o decorrer dos anos passou a ter administrada por grandes empresas e se difundiu para toda a sociedade. Um ganho significativo para a comunicação em todos os sentidos.

Com o passar do tempo e o avanço da tecnologia outras redes foram se formando. Até que surgiu um novo conceito, o de rede de redes, quando pequenas redes começaram a se interconectar, criando assim uma grande teia de comunicação. E é nesse momento que surge a Internet como resultado de uma dessas conexões. A partir do início da década de 1990, com a extinção da Arpanet e de outras redes menores, a Internet se expandiu e passou a ser uma rede global de comunicação. Até a chegada dos provedores, que passaram a dar um caráter mais comercial, mas isso é uma outra história.

Pensando a Internet como um meio de comunicação e como uma grande rede social, Recuero (2009) dirá que a rede global representa para o período contemporâneo ”o advento de uma Comunicação Mediada pelo Computador. Essa comunicação, mais do que permitir aos indivíduos comunicar-se, amplificou a capacidade de conexão, permitindo que redes fossem criadas e expressas nesses espaços: as redes sociais mediadas pelo computador“. Redes que representam a comunicação não só entre computadores, mas entre pessoas, pois defenderá a autora que  as relações sociais off-line aparecerão no mundo online na medida em que é o usuário que produz e reproduz o conteúdo disponível no mundo virtual.

Como diria Castells (2003) o espaço virtual longe de ser um ambiente que provoco o isolamento das pessoas, como no início foi pensado, muito pelo contrário, representa o momento de aproximação, de troca de informações com pessoas de diferentes localidades e distâncias.

Percebendo a importância e a amplitude com que a Internet difunde informações os membros do Boko Haram sabiam que ao publicarem um vídeo na rede esse poderia ser visto por uma infinidade de pessoas, e de diversas partes do mundo. Como prova disso o episódio foi pauta do noticiário mundial. O caso repercutiu de tal maneira que até alavancou uma campanha entre personalidades públicas, comovidas com o sequestro, que pediram a soltura das meninas.

O Boko Haram não é o primeiro a usar do meio virtual para se promover, outros grupos extremistas já se valeram dessa ferramenta. Podemos rememorar os famosos vídeos com os pronunciamentos do Bin Laden e tantos outros grupos que foram divulgados.

Com o advento da Internet, divulgar uma informação ficou cada vez mais fácil. As redes sociais online estão aí para nos mostrar muito claramente a amplitude do mundo virtual.

O uso do termo “compartilhar” ganhou maior notoriedade com o Facebook, mas se pararmos para pensar a origem da Internet já pressupunha essa troca, pois ela surge com o objetivo de aproximar computadores, permitindo assim com que as informações pudessem ser transmitidas por toda a rede.

André Lemos e Pierre Lévy (2010) ao proporem que o espaço virtual caminha em direção a uma ciberdemocracia, nos dão subsídios para entender como a Internet se configura uma rede global. Os autores dirão que “as distâncias físicas passam a ser irrelevantes no ciberespaço, as diferenças e as proximidades – sempre muito contrastantes – são de uma outra ordem: semânticas”. Como Recuero (2009) defenderão a ideia de que o espaço virtual reproduz as ideias produzidas pela cultura humana,  pois são “inteligências associadas dos autores-leitores-navegadores do ciberespaço que produzem e atualizam o espaço virtual” (André Lemos e Pierre Levy, 2010). Pensando o ciberespaço como uma ferramenta para a quebra das barreiras geográficas os autores dirão que na contemporaneidade uma nova civilização surge a partir dos hiperlinks do ciberespaço.

Pensando em ciberdemocracia podemos fazer um paralelo com um outro conceito, o de comunicação alternativa, apresentado por Moraes (2007). A partir da ideia de que a World Wide Web “conectam o global e o local em um tempo-espaço não-linear e instantâneo” o autor defenderá a ideia de que a Internet é um meio que possibilita a liberdade de expressão e o rompimento do controle da informação, que normalmente se encontra nas mãos das mídias convencionais. Ou seja, a partir de um viés anticapitalista dirá que a Internet possibilita a difusão contra-hegemônica da informação, através do alastramento dos nós, formados pelas redes, que expande a informação e faz com que ela chegue para um número cada vez maior de pessoas.

Com isso podemos dizer que a Internet surge do princípio de ser uma rede global de comunicação, mediada pela tecnologia, que rompe as barreiras geográficas e físicas e conectam pessoas de todas as partes do mundo. A caminho de uma ciberdemocracia em que todos são produtores e consumidores e promovem uma comunicação alternativa.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CASTELLS, Manuel. “Lições da história da internet” e “A cultura da Internet”. A galáxia da Internet. Rio de Janeiro, Zahar, 2003, PP. 13-55.

RECUERO, Raquel. Redes sociais na internet – Porto Alegre: Sulina, 2009. (Coleção Cibercultura)

LEMOS, André; LEVY, Pierre. “O espaço virtual da cultura”. O futuro da internet. São Paulo, Paulus, 2010.

MORAES, Dênis de. “Comunicação alternativa, redes virtuais e ativismo: avanços e dilemas”. Revista de Economía Política de las Tecnologías de la Información y Comunicación. www.eptic.com.br, vol. IX, n. 2, mayo – ago. / 2007. Disponível em http://www.observatoriodaimprensa.com.br/download/Comunicacao_alternativa.pdf

http://g1.globo.com/mundo/noticia/2014/05/sequestro-na-nigeria-saiba-mais-sobre-o-boko-haram.html

 

09/06/2014

Demissões provocadas por publicações nas redes sociais.

Por Priscila Camazano

Em janeiro de 2011 uma publicação de um fotógrafo do jornal Agora São Paulo no Twitter provocou polêmica. Thiago Vieira estava no CT (Centro de Treinamento) do Palmeiras, em um espaço reservado a imprensa, acompanhando e aguardando o resultado da votação que decidiria o novo presidente do clube. Nesse meio tempo ele resolveu postar na sua conta pessoal do Twitter a seguinte frase: “Enquanto os porcos não se decidem poderiam mandar mais lanchinhos e refrigerante pra imprensa q assiste ao jogo do timão na sala da imprensa”. Quase que imediatamente é “convidado” a se retirar do local. Os responsáveis do clube não gostaram nada da publicação irônica do fotógrafo.

Em março do mesmo ano um outro post no Twitter também causou polêmica. Quando o ex-vice presidente José Alencar faleceu o editor do caderno poder da Folha de S. Paulo publicou em sua página pessoal do Twitter a seguinte frase: “Nunca um obituário esteve tão pronto. É só apertar um botão”, se referindo a uma prática jornalística costumeira que consiste em ter dossiês prontos de personalidades. O post, apesar de não fazer referência direta a Alencar, deu a entender que o jornalista falava do obituário do ex-vice presidente. Não bastava a gafe do editor logo em seguida outra publicação, agora da jornalista Carol Rocha, colega do mesmo veículo de comunicação, piorou ainda mais a situação. Em resposta Rocha faz o seguinte comentário:“@alecduarte mas na Folha.com nada ainda…esqueceram de apertar o botão…rs” se referindo ao fato da notícia do falecimento ainda não ter sido publicada na Folha online. O resultado da “brincadeira” foi o desligamento dos jornalistas da empresa.

Em fevereiro de 2014 uma outra publicação, agora no Facebook, ganhou notoriedade. Rosa Marina Meyer, professora da PUC-RJ, postou em sua conta pessoal uma foto de um passageiro de regata e bermuda no aeroporto Santos Dumont e a frase “Aeroporto ou Rodoviária?” se referindo a forma como o passageiro se vestia como se não fosse apropriada para o local.

Esses são três casos de publicações nas redes sociais que tomaram grandes proporções e tiveram consequências não muito agradáveis para quem às postou. O fotógrafo Thiago Vieira e os jornalistas, Alec Duarte e Carol Rocha, foram desligados da empresa em que trabalhavam. A professora da PUC-RJ foi afastada do cargo que ocupava na universidade. Porém, esses não foram os únicos casos de comentários nas redes sociais que viraram notícia. Artistas e outras pessoas com cargos importantes em grandes empresas também tiveram suas publicações polemizadas.

As redes sociais online possibilitaram com que informações se propagassem em um curto período de tempo e para um número cada vez maior de pessoas. Um ganho incontestável para a comunicação. Porém, também trouxe à tona uma discussão sobre a forma como são usadas as redes sociais online e que tipo de conteúdo pode ser compartilhado.

Raquel Recuero (2009), pesquisadora na área de Ciências Humanas, analisa como se dão as relações sociais contemporâneas através das redes sociais online. A autora trata justamente sobre essa capacidade da difusão da informação nesse meio.

Constituída de atores sociais, tudo o que se publica nas redes online, dirá a autora, está sujeito a forma pela qual as pessoas que te seguem, seus amigos, receberão a informação. E a maneira como aquela informação será interpretada é que definirá se ela é passível de ser compartilhada ou não.

Dirá Recuero (2009) que muitas dessas publicações ganham força e se difundem de forma epidêmica alcançando proporções online e offline. Foi o que aconteceu com os posts descritos acima, ganharam tamanha notoriedade que uma aparentemente inocente frase extrapolou o mundo online e provocou consequências no mundo offline.

As demissões provocadas pelas publicações podem nos remeter a análise feita por Marcuse (1999) com relação ao uso da tecnologia como instrumento de controle e dominação. Segundo o autor a tecnologia além de contribuir para a organização do modo de produção foi também usada como meio de organizar e controlar as relações sociais. Como exemplo o autor cita o aparato tecnológico levada ao extremo no 3° Reich, e que resultou em toda a história da dominação nazista que já conhecemos.

Com base nesse princípio de que a tecnologia pode servir como meio de controle social podemos dizer que a Internet, mais especificamente as redes sociais (produto da tecnologia contemporânea), tendo como base os exemplos citados, foram utilizadas pelas empresas como meio de monitorar os seus funcionários.

Os posts parecem que foram publicadas sem a intencionalidade de causar polêmica, porém, o resultado foi exatamente o contrário. Talvez por seus autores não se darem conta de que apesar de aparentemente estarmos sozinhos em frente ao computador o que se publica nas redes sociais é visto por diversas pessoas, inclusive o seu chefe. Portanto, estamos sempre sendo monitorados e por isso devemos nos ater a que tipo de conteúdo estamos produzindo e compartilhando.

Curioso é imaginar a rapidez com que esses posts se propagaram e se destacaram de milhares de outros conteúdos produzidos diariamente nas redes sociais. Recuero (2009) pode nos ajudar a entender essa lógica do compartilhamento. A autora chama de “meme” toda informação reconhecida que se propaga através de uma replicação. E ao tratar sobre que tipo de informação que se torna um “meme” a autora trabalha com a ideia de que há fatores que são levados em conta para que a informação seja difundida. Fatores que estão relacionados aos próprios atores sociais envolvidos. Ou seja, uma publicação como a da professora da PUC-RJ talvez tenha ganhado as proporções que ganhou pelo fato de seu conteúdo ter sido publicado por um membro da academia.

Para entender esse mecanismo do compartilhamento de informações podemos pensar no conceito de cultura da participação trabalhado por Shirky (2011) e no conceito de cultura da Internet trabalhado por Castells (2003). Shirky (2011) dirá que no mundo conectado há uma certa generosidade ao se produzir e difundir conhecimentos.  Castells (2003) dirá que ao mesmo tempo que somos consumidores das informações disponíveis nas redes sociais online somos produtores de seu conteúdo. Produzimos e disponibilizamos generosamente, por isso a ideia de que há uma cultura da participação, que faz com que os usuários da Internet compartilhem conhecimentos. Para Shriky (2011) as “nossas ferramentas tecnológicas para tornar a informação globalmente disponível e encontrável por amadores, a custo marginal zero, representam, assim, um enorme choque positivo para a combinabilidade do conhecimento”.

Enfim, o que percebemos com esses exemplos é que as redes sociais online refletem as relações sociais estabelecidas offline.  O que talvez os internautas citados não ponderam foi justamente o fato de que o mundo virtual é constituído de atores sociais e que esses refletem a dinâmica do mundo offline, portanto as suas publicações estão sujeitas a interpretações e julgamentos.

 

REFERÊNCIAS

http://g1.globo.com/rio-de-janeiro/noticia/2014/02/professora-que-ironizou-advogado-no-facebook-e-afastada-de-cargo-no-rio.html

http://exame.abril.com.br/carreira/noticias/10-pessoas-que-foram-demitidas-por-causa-do-twitter?p=7

SHIRKY, Clay. “Cultura”. A cultura da participação: criatividade e generosidade no mundo conectado. Rio de Janeiro: Zahar, 2011

RECUERO, Raquel. Redes sociais na Internet. Porto Alegre, Sulina, 2009.

MARCUSE, Herbert. “Algumas implicações sociais da tecnologia moderna”.Tecnologia, Guerra e Fascismo. São Paulo: Editora UNESP, 1999.

CASTELLS, Manuel. “Lições da história da internet” e “A cultura da Internet”. A galáxia da Internet. Rio de Janeiro, Zahar, 2003.

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