Cultura digital, sociedade e política

26/06/2014

Opiniões e Ódio na Internet

 

Todos sabem que a internet colaborou com a disponibilização rápida da informação, que as redes sociais permitiram que as pessoas se encontrem e se organizem, tanto virtualmente quanto fisicamente, e que também manifestem-se e exponham as suas opiniões diante dos mais diversos assuntos. Entretanto, o que acho que não está claro para todos, é como este progresso também facilitou às pessoas dizerem o que pensam das mais variadas formas, sem pensarem nas conseqüências, ou mais especificamente a agredirem-se.

Fonte: http://outraspalavras.net/brasil/facebook-um-mapa-das-redes-de-odio/

Fonte: http://outraspalavras.net/brasil/facebook-um-mapa-das-redes-de-odio/

Vivemos em um momento em que há mais engajamento político, com manifestações anti-globalização, a crise financeira de 2007, a primavera árabe e todos os protestos ao redor do mundo, questionando ações políticas e econômicas, o Brasil não foi exceção. Busca-se muito mais uma democracia participativa do que uma democracia representativa (Rueda, 2008: 15), e nesse momento expressar-se através das redes sociais, ou fazer comentários em revistas on-line e blogs torna-se quase que mandatório.

Atualmente é muito comum ver no Facebook, por exemplo, diversos posts exaltando uma opinião ou ideologia específica, recriminando as opiniões diferentes e as colocando em posição de antagonismo total. Além disso, os comentários a esses posts muitas vezes vão além dos debates, onde expressam-se opiniões e procura-se um alinhamento, para se chegar a verdadeiros bate-bocas, com agressões, desqualificações e xingamentos. O espaço para comentários, ao invés de permitir que o assunto evolua acaba por reduzi-lo a antagonismos recheados de agressões. Interessante que o tema pode ser variado, mas a situação mais comum a ser encontrada são as acusações de comunista e de neo-liberal, dependendo de quem colocou o assunto em discussão. O primeiro comentário negativo sobre o tema é a acusação de uma opção política. Até mesmo em relação ao uso da tecnologia recai-se nessa discussão. De acordo com William J. Mitchell:

A essa altura, já conhecemos bem os previsíveis subtextos ideológicos dessas duas posições antagônicas. Da direita governamentalista vem a ideia de que, como a tecnologia digital pode melhorar nossa situação, ela certamente o fará – contanto que não se toque no mercado. Da esquerda legalista vem a réplica de que, como os ricos e poderosos são sempre os primeiros a se beneficiar das novas tecnologias e os mercados não são amigos dos marginalizados, precisamos de uma vigorosa intervenção do governo para garantir que os computadores e as telecomunicações não criem um abismo digital intransponível entre os que têm e os que não têm. E é claro que os neoluditas estão totalmente convencidos de que temos mais a perder do que a ganhar, e por isso deveríamos cavar trincheiras e resistir  (MITCHELL, 2002: p30).

Escrever é uma arte, escrever na internet também o é, uma vez que existe a necessidade de se combinar rapidez, precisão e síntese. A meu ver, essa combinação torna-se explosiva, e é um dos elementos que proporciona o extremismo de manifestação.

O ato de escrever requer conhecimento do tema, disponibilidade de tempo, habilidade e treino. A combinação de todas essas características na maioria das vezes não está presente na maioria das pessoas, entretanto o ambiente virtual é totalmente convidativo à manifestação de opiniões, e em geral, de opiniões escritas. Além disso, o ambiente virtual apresenta mais uma complicação, tem como principal característica a velocidade, é necessário se manifestar rapidamente, caso contrário: o assunto deixa de ser importante, outros comentários são escritos e a conversa muda seu rumo. Associado a isso, é necessário ao escrever, ser conciso e sucinto, garantindo assim que as pessoas leiam o que foi escrito, caso contrário perde-se o interesse.

Do ponto de vista do leitor, a leitura permite uma livre interpretação do texto, uma vez que a entonação é dada por ele, e não pelo escritor, então uma vírgula mal empregada, ou sua omissão, ou ainda uma leitura sugestionada já permite a interpretação de uma agressão, que requer um contra-ataque.
A existência de conflito é natural e esperada, faz parte do processo, “a interação social é compreendida como geradora de processos sociais a partir de seus padrões na rede, classificados em competição, cooperação e conflito” (Recuero, 2009: 81). Entretanto o que venho percebendo é um esvaziamento da discussão principal em benefício da troca de agressões, do extremismo.

Ao analisar os comentários da matéria chamada Facebook: um mapa das redes de ódio, de Patrícia Cornils, no blog Outras Palavras, na qual ela conversa com o pesquisador Fábio Malini, do Laboratório de Estudos sobre Imagem e Cibercultura (Labic) na Universidade Federal do Espírito Santo, é possível perceber essa realidade. A matéria trata da pesquisa de Fábio Malini, que mapeou as páginas de facebook “dedicadas a defender o uso da violência contra o que chamam de “bandidos”, “vagabundos”, “assaltantes”, fazer apologia a linchamentos e ao assassinato, defender policiais, publicar fotos de pessoas “justiçadas” ou mortas violentamente, vender equipamentos bélicos e combater os direitos humanos” (Cornils, 2014), a agressividade estava presente, não apenas por conta do tema, mas também nos comentários.

Há um total de 39 comentários, sendo 1 deles uma correção, portanto 38 comentários válidos, dos quais 21 considerei normais e 17 considerei agressivos ou muito agressivos. Por agressividade considerei xingamentos, palavras agressivas, ou irônicas, ou debates bilaterais específicos. Apesar de ter feito a análise para uma única matéria, acredito que essa distribuição repete-se com freqüência, e dependendo da fonte e do assunto tende a inverter-se, tendo mais conteúdo agressivo do que neutro.

Resumindo, a questão do conflito é importante, porque é ela que faz o mundo mover-se, sem o conflito não há pensamento, não há crítica, não há evolução.

Para Simmel (1950 e 1964) os conflitos envolvem, ao mesmo tempo, harmonia e dissonância. Um sistema completamente harmônico não pode existir, pela sua incapacidade de mudança e evolução. O autor explica que o conflito tem aspectos positivos, não sendo por si só um elemento negativo para o sistema social. (RECUERO, 2009: p.85).

Entretanto o que estamos experimentando é um exagero de conflito, o qual acaba por empobrecer a discussão, o objetivo principal em debater não é explorar as idéias, mas sim vencer o oponente, o que transfere o foco da discussão para um objetivo completamente diferente do inicial.
Essa situação também deságua em outros dois dilemas muito em voga na atualidade, até onde vai o direito de expressar-se e a liberdade na internet. O caráter libertário da internet foi o que fomentou e organizou os movimentos sociais que representaram a indignação do público do mundo inteiro contra o 1% mais rico do mundo, durante a crise financeira mundial de 2008. Naquele momento as pessoas esqueceram suas diferenças e uniram-se a fim de manifestar.

Mas foi basicamente a humilhação provocada pelo cinismo e pela arrogância das pessoas no poder, seja ele financeiro, político ou cultural, que uniu aqueles que transformaram o medo em indignação, e indignação em esperança de uma humanidade melhor. Uma humanidade que tinha de ser reconstruída a partir do zero, escapando das múltiplas armadilhas ideológicas e institucionais que tinham levado inúmeras vezes a becos sem saída, forjando um novo caminho, à medida que o percorria.(CASTELLS, 2013: p.8).

Essa indignação toda, que uniu as pessoas, permitiu que superassem medo e constrangimento de se manifestar sobre o que consideravam errado. Será que essa mesma indignação está agora re-agrupando as pessoas, umas contra as outras ? Será que estamos voltando ao ponto de partida, no momento anterior à crise, onde as diferenças é que permitiram que uma crise se instaurasse ? “É possível observar-se em um blog não apenas a interação em um comentário, mas as relações entre várias interações e perceber-se que tipo de relação transpira através daquelas trocas.” (Recuero, 2009: 31).

São esses comentários, carregados de tensão e agressividade que identificam e unem os grupos, criando novas comunidades, as quais irão debater umas contra as outras, nos mesmos moldes, sempre em nome de sua liberdade de expressão. A impressão é de que a liberdade de expressão está acima do que é possível fazer para melhorar a condição de vida dos 99% menos ricos, e que voltamos à época da guerra fria, onde ou se é pró-EUA, ou pró-Rússia, não há nada no meio.

Fonte: http://outraspalavras.net/brasil/facebook-um-mapa-das-redes-de-odio/

Essas questões, que não são novas, tendem cada vez mais a intensificar-se, e a solução distante de ser atingida, especialmente se a condução do debate seguir o padrão atual, onde as pessoas culpam umas às outras pela dificuldade que enfrentam, buscam vencer as discussões, e não trabalham no sentido da melhora.

 

 

BIBLIOGRAFIA:

CORNILS, Patrícia. Facebook: um mapa das redes de ódio. Blog Outras Palavras. São Paulo, Mar.2014. Disponível em: http://outraspalavras.net/brasil/facebook-um-mapa-das-redes-de-odio/. Acesso em 18 Jun.2014.

RUEDA, Rocio. Cibercultura: metáforas, prácticas sociales y colectivos en red. Revista Nomadas (Col.), Num. 28, Abril 2008, PP. 8-20. Universidad Central, Bogotá, Colômbia. Disponível em: http://www.ucentral.edu.co/images/stories/iesco/revista_nomadas/28/nomadas_1_cibercultura.pdf. Acesso em: 18 Jun.2014.

CASTELLS, Manuel. Redes de Indignação e Esperança – Movimentos Sociais na Era da Internet. Rio de Janeiro: Zahar, 2013.

MITCHELL William J. – E-topia A Vida Urbana – mas não como conhecemos. São Paulo: SENAC, 2002.

RECUERO, Raquel. Redes Sociais na Internet. Porto Alegre: Editora Sulina, 2009.

25/06/2014

Cultura digital: do “real X virtual” ao “online/offline”

Na virada dos anos 1990 para os 2000, período de popularização da internet, especulava-se sobre como seria a vida cotidiana perpassada pela virtualidade. Naquele momento o surgimento do Second Life, ambiente virtual e tridimensional que simula a vida real e social, estimulava a imaginação, a criatividade e os negócios online. Ao criar uma conta, o usuário poderia criar seu personagem (avatar), adquirir terrenos, construir objetos e edificações, participar de festas e até ganhar dinheiro. Muitas empresas apressaram-se em marcar seu espaço naquele mundo virtual, abrindo filiais e investindo em anúncios com o intuito de sair na frente na ocupação daquela nova realidade. Também os pedagogos viram no Second Life perspectivas animadoras de renovação  da aprendizagem à distância, já que o ambiente em 3D simulava agradavelmente o encontro presencial e o contato pessoal entre educadores e estudantes.

Espaço público e sociabilidade no Second Life

Espaço público e sociabilidade no Second Life

Naquele momento imperava a perspectiva teórica que pressupunha a oposição entre a vida “real” e a “virtual”, sendo esta uma “outra vida”, uma vida paralela, vivida para além da experiência real e cotidiana. O cinema e a literatura, naturalmente, deram suas contribuições na construção dessa: o livro Neuromancer (1984), de William Gibson, trouxe os conceitos de ciberespaço e ciberpunk embalados pela biotecnologia, o pós-humano e o pós-urbano das paisagens virtuais; o filme Matrix, em parte baseado naquele livro, apresentou-nos os perigos da virtualização da vida envolta num mundo de simulacro (Baudelaire, ) e fundamentada no controle tecnológico e alienação do ser humano. Nos dois casos, o mundo virtual foi associado à uma distopia tecnológica que via na virtualidade o capítulo mais recente da dominação do homem pelas máquinas.

No entanto, a cultura digital desenvolveu-se mais no sentido da comunicação e sociabilidade perpassados pelas lulas pela hegemonia que na direção do controle social e político por meio da tecnologia. Um marco dessa situação está no surgimento das redes sociais online, ou Web 2.0, no qual os usuários passaram a ser produtores de conteúdos, apresentando-se como autores e atores sociais participantes de ilimitadas redes de conexões pelas quais as informações trafegam sem fronteiras ou censura (Recuero, 2009). Essa novidade do final dos anos 2000 coincide com a acentuação da mobilidade articulada à conectividade, ou seja, “estamos todos nos movendo”, como afirma Zygmunt Bauman (1999), mas nos movendo conectados à internet por meio dos smartphones, tablets e notebooks conectados à rede 24 horas por dia.

Neste contexto nosso relação com a cidade se vê alterada. William Mitchell (2002) já pontou as influências das interações virtuais na sociedade urbana contemporânea, destacando as transformações espaciais e sociais associadas à ascensão da internet. Segundo Mitchell, temos presenciado mudanças profundas nas cidades e, consequentemente, na sociabilidade. As cidades são construídas por meio de redes que se sobrepõem: a rede de vias públicas se associa à ferrovia, à rede de água e esgoto, à rede elétrica e, finalmente, a rede de comunicação digital; cada etapa dessa altera os relacionamentos humanos e e a vida urbana. Mas há agora uma vida urbana diferente, aumentada, potencializada pelas interações virtuais. A internet vem provocando alterações nos modos das pessoas vivem, trabalham, se deslocam, se divertem, etc. Daí a necessidade de um planejamento urbano apoiado no fluxo de informações e conectividade, já que a cidade é o palco dessa sociabilidade e a principal provedora dessa infra-estrutura de comunicação digital.

A cultura digital articula a vida presencial às informações online em favor da primeira. Investigando a relação entre jovens e música no território das tecnologias digitais, a antropóloga Rossana Reguillo (2012) verificou a importância do Youtube nas festas juvenis, nas quais os repertórios e conhecimentos musicais são compartilhados presencialmente. Esses novos Dj’s amadores oferecem não apenas os sons, mas também as imagens a serem disfrutadas  coletivamente. O uso do Youtube nessas festas coloca no centro da análise uma forma de socialidade presencial mediada pelas tecnologias digitais.

Indignados em reunião na Puerta del Sol, em Madrid, em maio de 2011. FONTE: http://www.larepublica.pe/19-05-2011/espana-elecciones-motivan-la-revolucion-de-los-indignados

Indignados em reunião na Puerta del Sol, em Madrid, em maio de 2011. FONTE: http://www.larepublica.pe/19-05-2011/espana-elecciones-motivan-la-revolucion-de-los-indignados

A vida metropolitana e a conectividade permanente tem alterado também as práticas políticas. Manuel Castells (2013) já descreveu recentemente a importância das redes sociais online na Primavera Árabe, no movimento dos Indignados da Espanha e dos Ocuppys nos EUA e Inglaterra. Para ele esses movimentos são virais, amplamente espontâneos, ancorados no poder soberano das imagens (especialmente no Youtube) e na ocupação dos espaços urbanos, assim como no compartilhamento de experiências por meio da internet.

Assim como no movimento estudantil do Chile (Rosenmann, 2012) ou entre os indignados da Espanha (Feixa, 2013; Rosenmann, 2012), também em São Paulo os jovens do Ocupa Sampa de 2011 não têm dúvidas sobre a importância das redes sociais online para a constituição dos movimentos políticos, mas para eles a questão central dessas novas mobilizações continua ancorada na ocupação dos espaços públicos, nas relações presenciais e dos corpos nas ruas. Como já salientou Martín-Barbero, temos presenciado por meio desses movimentos um processo de reterritorialização, uma valorização dos encontros presenciais nos espaços urbanos: “en las grandes ciudades el uso de las redes electrónicas construyen grupos que, virtuales en su nacimiento, acaban territorializándose, pasando de la conexión al encuentro, y del encuentro a la acción” (Martín-Barbero, 2003: 379). Mas essa reterritorialização acontece em novas bases, já que se trata da construção e experimentação coletiva de um “novo espaço público, o espaço em rede, situado entre os espaços digital e urbano, é um espaço de comunicação autônoma” (Castells, 2013: 16). Esse novo espaço é híbrido, situa-se entre o espaço público e as redes sociais, e vem sendo construído a partir da ocupação das ruas e praças e com o uso das redes sociais.

Assim, ao invés de se pensar na oposição entre o real e o virtual, cabe agora refletirmos sobre as articulações entre a vida online e a off-line, entre a vida presencial e os relacionamentos e conhecimentos determinados pela internet. De qualquer forma, no lugar das distopias colocadas pelas vozes críticas à cultura digital, vemos emergir, com a internet e as redes sociais online, a construção de utopias que recolocam valores libertários e de autonomia, propõem questionamentos sobre a vida e o futuro das cidades, deslocam os poderes da indústria cultural e das mídias tradicionais, questionam os poderes políticos instituídos, experimentam novas formas de organização e participação, constroem outras estéticas que alimentam novas éticas.

Material promocional dos Indignados da Espanha disponibilizado na internet para download. FONTE: http://www.democraciarealya.es/promocion/material-oficial/

Material promocional dos Indignados da Espanha disponibilizado na internet para download. FONTE: http://www.democraciarealya.es/promocion/material-oficial/

 

 

 

 

Rerefências

 

BAUMAN, Zigmunt. “Turistas e vagabundos”. Globalização: as conseqüências humanas. Rio de Janeiro, Zahar, 1999, pp. 85-110.

CASTELLS, Manoel. Redes de comunicação e esperança: movimentos sociais na era da internet. Rio de Janeiro: Zahar, 2013.

FEIXA, Carles. “Crónicas del 15M: Del campamento al ágora”. Em Carles Feixa y Jordi Nofre (eds.). #GeneraciónIndignada: Topías y Utopías del 15M. España: Milenio Publicaciones, 2013.

MARTÍN-BARBERO, Jesús. “Identidad, tecnicidade, alteridad: apuntes para re-trazar el mapa nocturno de nuestras culturas”. Revista Iberoamericana, Vol. LXIX, num. 203, abril-junio, 2003, 367-387.

MITCHELL, William. E-topia: a vida urbana, mas não como a conhecemos. São Paulo: Senac, 2002.

RECUERO, Raquel. Redes sociais na Internet. Porto Alegre, Sulina, 2009. Disponível em http://www.ufrgs.br/limc/PDFs/redes_sociais.pdf

REGUILLO, Rossana. “Navegaciones errantes. De música, jóvenes y redes: de Facebook a Youtube y viceversa”.  Nueva época, núm. 18, julio-diciembre, 2012, 135-171. (anexo)

ROSENMANN, Marcos Roitman. Los indignados: el rescate de la política. Madrid/España: Ediciones Akal, 2012.

 

 

A construção de significados nas redes sociais

Filed under: Guilherme Camargo Lima — Tags:, , , , — guilhermecamargo @ 16:04

Em época de campanha eleitoral, um novo componente parece tomar cada vez mais corpo e pode se tornar fator decisivo no pleito que se realizará no próximo mês de outubro para eleger presidente, governadores e deputados Brasil afora. A internet, e principalmente as redes sociais, ganhou lugar de destaque nas manifestações políticas que se desenrolaram pelo mundo nos últimos anos, passando a exercer papel fundamental no que diz respeito à organização de grupos sociais que reivindicam melhores condições de vida, justiça social, maior liberdade ou até mesmo que cansaram de se ver desprezados pelos detentores do poder.

Além de sua capacidade de aglutinar indivíduos com interesses em comum, as redes sociais da internet, como afirma Manuel Castells, são espaços de autonomia, muito além do controle de governos e empresas, que ao longo da história monopolizaram os canais de comunicação como alicerces de seu poder. Desta forma, a rede mundial de computadores, além de amedrontar a classe dirigente, possibilita a produção de uma comunicação alternativa, que serve de resposta à mídia tradicional e hegemônica, mas, obviamente, sem o mesmo alcance dos grupos de comunicação estabelecidos ao longo dos anos. O sociólogo espanhol ainda salienta que aqueles que detêm o poder constroem as instituições seguindo seus valores e interesses e que este poder é exercido por meio da coerção e/ou pela construção de significados na mente das pessoas, mediante mecanismos de manipulação simbólica.

Neste cenário, Dênis de Moraes garante que é preciso conceber a internet como mais uma arena de lutas e conflitos pela hegemonia, de batalhas permanentes pela conquista do consenso social e da liderança cultural-ideológica de uma classe ou bloco de classes sobre as outras.

Aqui, o papel da comunicação alternativa parece bastante claro, apesar de a terminologia utilizada ser considerada paradoxal por alguns autores. Segundo John Downing, “alternativo” afirma que qualquer coisa, em algum ponto, é alternativa a alguma outra. O jornalista canadense costuma utilizar o termo “mídia radical alternativa” e diz que ele é mais completo que os demais, inclusive “comunitária” e “popular”, que para ele podem facilmente ocultar mais que revelar, pois seriam mais firmes naquilo que excluem – a mídia convencional – do que naquilo que significam. Apesar deste significado variado e aparentemente impreciso, a comunicação alternativa deve ser vista, independentemente do termo selecionado, como uma opção às mídias enquanto instrumentos de poder. Para Downing, ela deve expressar oposição direta à estrutura de poder, além de obter apoio e solidariedade a fim de construir uma rede de relações contrária às políticas públicas ou mesmo à própria sobrevivência da estrutura de poder. Na mesma linha de pensamento, Moraes acredita que a mídia alternativa tem o papel de constituir espaços de afirmações de óticas interpretativas críticas e de práticas jornalísticas cooperativas, com a finalidade de defender a diversidade informativa e os valores éticos.

Porém, seria um quanto tanto inocente acreditar que o desenvolvimento de um sistema de comunicação contra hegemônico pudesse se desenvolver sem impedimentos por parte das classes dominantes. Os grandes grupos de mídia, alinhados àqueles que detêm o poder, controlam os maiores portais da internet e, consequentemente, atraem a maioria absoluta dos anunciantes dispostos a investir na web. Esta disposição em manter o domínio sobre a produção de informação se justifica pelo fato de os grupos dominantes compreenderem perfeitamente bem o poder simbólico da construção de significados nas mentes das pessoas. Recorrendo mais uma vez aos conceitos de Manuel Castells, podemos afirmar que a coerção e intimidação, baseadas no monopólio estatal de capacidade de exercer a violência, são mecanismos essenciais de imposição da vontade dos que controlam as instituições da sociedade. Porém, a construção de significados no imaginário dos indivíduos é uma fonte de poder mais decisiva e estável. Castells salienta que poucos sistemas institucionais podem perdurar baseados unicamente na coerção. Torturar corpos, diz ele, é menos eficaz que moldar mentalidades e a principal fonte de produção social de significado é o processo de comunicação socializada.

Este processo de comunicação se alterou significativamente com as tecnologias da era digital e seu alcance passou a atingir todos os domínios da vida social. Assim, assegura Castells, embora cada mente humana construa seu próprio significado interpretando em seus próprios termos as informações comunicadas, esse processamento mental é condicionado pelo ambiente da comunicação. Desta forma, a mudança do ambiente afeta diretamente as normas de construção de significado e, portanto, a produção das relações de poder.

Algumas características deste novo modelo, como a instantaneidade, a descentralização, a rapidez, o barateamento e, principalmente, a autonomia frente às diretivas ideológicas e mercadológicas da mídia hegemônica, são ressaltadas por Moraes como características extremamente positivas da comunicação na web.

Sabedores do poder adquirido pelos sistemas de comunicação na internet, os partidos políticos já estão preparados para a batalha eleitoral e estima-se, de acordo com dados da revista Carta Capital, que os principais candidatos à presidência da república, por exemplo, irão gastar mais de 30 milhões de reais somente com o marketing digital na campanha deste ano.

O principal palco desta batalha política na internet certamente será o Facebook. Em 2010, ano em que ocorreram as últimas eleições presidenciais, existiam cerca de 8,8 milhões de brasileiros cadastrados na rede social criada por Mark Zuckerberg. Este ano, já são mais de 76 milhões de usuários em território nacional, o terceiro maior número em todo o mundo, ficando atrás apenas de Estados Unidos e Índia. Esta expansão impressionante ganha ainda mais importância quando alinhada ao fato de o brasileiro ser um dos frequentadores mais assíduos do Facebook no planeta. Por dia, 47 milhões passam pela plataforma.

De acordo com Dênis de Moraes, as redes de comunicação alternativa muitas vezes se restringem a segmentos politizados e formadores de opinião e os principais motivos seriam a inadequação de linguagens e formatos, excessiva instrumentalização político-ideológica dos discursos informativos, escassa penetração nas zonas populacionais carentes e a ausência de politicas coordenadas de comunicação eletrônica. Assim, a construção de significado ficaria a cargo das redes sociais, com seus personagens celebridades e páginas populares.

Dois casos recentes são emblemáticos. Primeiro, o crescimento da página TV Revolta, que, sob o disfarce da militância política, tem como principal objetivo atacar o PT, partido que está no governo há 12 anos. Entre os meses de abril e maio, a página teve uma ascensão pra lá de misteriosa, alcançando o patamar de 1,5 milhão de novas curtidas. Para compararmos, em março a TV Revolta registrou cerca de cem mil novas entradas. Especialistas garantem que tamanho crescimento dificilmente se daria sem um investimento pesado, mas o responsável pela página afirma que a expansão se deu de maneira “orgânica”.

O segundo caso foi a tentativa de compra do perfil “Dilma Bolada”, que satiriza a atual presidente. Jeferson Monteiro, criador do personagem fictício que é acompanhado por mais de um milhão de pessoas, afirmou que recebeu uma proposta de um marqueteiro digital ligado a Aécio Neves, principal adversário de Dilma Roussef nas próximas eleições, para que se alinhasse aos objetivos do candidato tucano durante a campanha eleitoral.

Seja através das webmídias, seja por meio de páginas de sucesso nas redes sociais, a construção de significados na mente das pessoas acontece também na internet. No entanto, segundo Moraes, seria um erro supor que as aberturas da rede possam sobrepujar o cenário de transnacionalização da comunicação. Para ele, a comunicação virtual, gradativamente, se insere no esforço de construção de uma cultura de solidariedade social baseada numa ética de reciprocidades entre sujeitos comunicantes. Assim, reconhecer novos espaços na arena virtual não significa subordinar as batalhas políticas ao avanço tecnológico, ou ainda aceitar impulsos que subestimam mediações sociais e mecanismos clássicos de representação política.

 

Bibliografia

CASTELLS, Manoel. Redes de Comunicação e Esperança: Movimentos Sociais na Era da Internet. Rio de Janeiro: Ed. Zahar, 2013.

DOWNING, John. Mídia Radical. São Paulo: Editora Senac, 2002.

MORAES, Dênis de. Comunicação Alternativa, Redes Virtuais e Ativismo: Avanços e Dilemas In Revista de Economía Política de Economia Política de las Tecnologías de la nformación y Comunicación www.eptic.com.br, vol. IX, Nº 2, mayo-ago. 2007.

E-Links:

http://www.pragmatismopolitico.com.br/2014/05/segredos-tv-revolta.html

http://www.cartacapital.com.br/revista/801/a-artilharia-politica-no-facebook-4520.html

 

23/06/2014

Rede global de comunicação

Filed under: Priscila Camazano — Tags:, , — camazano @ 00:32
Em vídeo divulgado pelo Boko Haram, as sequestradas aparecem em trajes mulçumanos (Foto: BBC)

Em vídeo divulgado pelo Boko Haram, as sequestradas aparecem em trajes mulçumanos (Foto: BBC)

Por Priscila Camazano

Muito tem se falado sobre um vídeo postado na Internet por um grupo islâmico ultrarradical nigeriano chamado Boko Haram. Publicado no dia 12 de maio desse ano o vídeo mostra jovens nigerianas que foram sequestradas em uma escola estadual em abril. O sequestro é resultado de uma briga interna entre uma minoria islâmica, localiza ao norte do país, e uma maioria cristã localizada  ao sul, onde os primeiros reivindicam o estabelecimento de um Estado islâmico com a imposição dos preceitos da seita, incluindo a educação islâmica.

Não desmerecendo a discussão, mas deixando de lado a questão política, o que nos interessa analisar a partir desse episódio é o uso da Internet como meio de comunicação para a divulgação de informações. Para isso podemos rememorar a história da Internet para entender como foi possível chegar ao estabelecimento de uma rede de comunicação de âmbito global.

Segundo Castells (2003) uma das origens da Internet encontra-se na Arpanet, uma rede de computadores montada pela Advanced Research Projects Agency (ARPA) no ano de 1969, a partir da ideia de conectar computadores em pequenas redes de comunicação. A princípio uma articulação entre militares, acadêmicos e técnicos, que com o decorrer dos anos passou a ter administrada por grandes empresas e se difundiu para toda a sociedade. Um ganho significativo para a comunicação em todos os sentidos.

Com o passar do tempo e o avanço da tecnologia outras redes foram se formando. Até que surgiu um novo conceito, o de rede de redes, quando pequenas redes começaram a se interconectar, criando assim uma grande teia de comunicação. E é nesse momento que surge a Internet como resultado de uma dessas conexões. A partir do início da década de 1990, com a extinção da Arpanet e de outras redes menores, a Internet se expandiu e passou a ser uma rede global de comunicação. Até a chegada dos provedores, que passaram a dar um caráter mais comercial, mas isso é uma outra história.

Pensando a Internet como um meio de comunicação e como uma grande rede social, Recuero (2009) dirá que a rede global representa para o período contemporâneo ”o advento de uma Comunicação Mediada pelo Computador. Essa comunicação, mais do que permitir aos indivíduos comunicar-se, amplificou a capacidade de conexão, permitindo que redes fossem criadas e expressas nesses espaços: as redes sociais mediadas pelo computador“. Redes que representam a comunicação não só entre computadores, mas entre pessoas, pois defenderá a autora que  as relações sociais off-line aparecerão no mundo online na medida em que é o usuário que produz e reproduz o conteúdo disponível no mundo virtual.

Como diria Castells (2003) o espaço virtual longe de ser um ambiente que provoco o isolamento das pessoas, como no início foi pensado, muito pelo contrário, representa o momento de aproximação, de troca de informações com pessoas de diferentes localidades e distâncias.

Percebendo a importância e a amplitude com que a Internet difunde informações os membros do Boko Haram sabiam que ao publicarem um vídeo na rede esse poderia ser visto por uma infinidade de pessoas, e de diversas partes do mundo. Como prova disso o episódio foi pauta do noticiário mundial. O caso repercutiu de tal maneira que até alavancou uma campanha entre personalidades públicas, comovidas com o sequestro, que pediram a soltura das meninas.

O Boko Haram não é o primeiro a usar do meio virtual para se promover, outros grupos extremistas já se valeram dessa ferramenta. Podemos rememorar os famosos vídeos com os pronunciamentos do Bin Laden e tantos outros grupos que foram divulgados.

Com o advento da Internet, divulgar uma informação ficou cada vez mais fácil. As redes sociais online estão aí para nos mostrar muito claramente a amplitude do mundo virtual.

O uso do termo “compartilhar” ganhou maior notoriedade com o Facebook, mas se pararmos para pensar a origem da Internet já pressupunha essa troca, pois ela surge com o objetivo de aproximar computadores, permitindo assim com que as informações pudessem ser transmitidas por toda a rede.

André Lemos e Pierre Lévy (2010) ao proporem que o espaço virtual caminha em direção a uma ciberdemocracia, nos dão subsídios para entender como a Internet se configura uma rede global. Os autores dirão que “as distâncias físicas passam a ser irrelevantes no ciberespaço, as diferenças e as proximidades – sempre muito contrastantes – são de uma outra ordem: semânticas”. Como Recuero (2009) defenderão a ideia de que o espaço virtual reproduz as ideias produzidas pela cultura humana,  pois são “inteligências associadas dos autores-leitores-navegadores do ciberespaço que produzem e atualizam o espaço virtual” (André Lemos e Pierre Levy, 2010). Pensando o ciberespaço como uma ferramenta para a quebra das barreiras geográficas os autores dirão que na contemporaneidade uma nova civilização surge a partir dos hiperlinks do ciberespaço.

Pensando em ciberdemocracia podemos fazer um paralelo com um outro conceito, o de comunicação alternativa, apresentado por Moraes (2007). A partir da ideia de que a World Wide Web “conectam o global e o local em um tempo-espaço não-linear e instantâneo” o autor defenderá a ideia de que a Internet é um meio que possibilita a liberdade de expressão e o rompimento do controle da informação, que normalmente se encontra nas mãos das mídias convencionais. Ou seja, a partir de um viés anticapitalista dirá que a Internet possibilita a difusão contra-hegemônica da informação, através do alastramento dos nós, formados pelas redes, que expande a informação e faz com que ela chegue para um número cada vez maior de pessoas.

Com isso podemos dizer que a Internet surge do princípio de ser uma rede global de comunicação, mediada pela tecnologia, que rompe as barreiras geográficas e físicas e conectam pessoas de todas as partes do mundo. A caminho de uma ciberdemocracia em que todos são produtores e consumidores e promovem uma comunicação alternativa.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CASTELLS, Manuel. “Lições da história da internet” e “A cultura da Internet”. A galáxia da Internet. Rio de Janeiro, Zahar, 2003, PP. 13-55.

RECUERO, Raquel. Redes sociais na internet – Porto Alegre: Sulina, 2009. (Coleção Cibercultura)

LEMOS, André; LEVY, Pierre. “O espaço virtual da cultura”. O futuro da internet. São Paulo, Paulus, 2010.

MORAES, Dênis de. “Comunicação alternativa, redes virtuais e ativismo: avanços e dilemas”. Revista de Economía Política de las Tecnologías de la Información y Comunicación. www.eptic.com.br, vol. IX, n. 2, mayo – ago. / 2007. Disponível em http://www.observatoriodaimprensa.com.br/download/Comunicacao_alternativa.pdf

http://g1.globo.com/mundo/noticia/2014/05/sequestro-na-nigeria-saiba-mais-sobre-o-boko-haram.html

 

17/06/2014

Persepolis 2.0: Quadrinhos e ciberativismo

Fonte: flickr.com

Fonte: flickr.com

O espaço virtual está se tornando um espaço comum a toda a humanidade, onde as distâncias físicas tornaram-se irrelevantes, propiciando a interação e a troca de informações entre os indivíduos, o que é muito importante para a organização de movimentos de luta política, através de redes como o Twitter, Facebook e o Youtube. Pois, segundo Manoel Castells em Redes de Indignação e Esperança os movimentos sociais se manifestam na internet, tornando-a numa espécie de ágora eletrônica onde através dela é possível denunciar as barbaridades cometidas por governos autoritários, como também convocar mais manifestantes para o embate e a ocupação de espaços públicos, as redes sociais foram muito úteis nas recentes manifestações nos países árabes, na Europa, nos EUA, e também em São Paulo.

Mas o que as histórias em quadrinhos têm haver com manifestações recentes pelo mundo e com a internet? Bem, antes do início da Primavera Árabe em 2010 com o intuito de derrubar os regimes autoritários que governam há décadas, do movimento do Los Indignados na Espanha e do Occupy Wall Street que segundo David Harvey pretendem retomar o controle do poder ao povo tirando das mãos dos magnatas que controlam o governo (Harvey, 2013), a internet já vinha sendo usada como forma de manifestação política no Irã desde 2009, e uma dessas formas foi através da adaptação da série de histórias em quadrinhos Persépolis, onde dois jovens filhos de iranianos exilados adaptaram os balões das histórias para um enredo que denúncia a falta de direitos civis do regime do ex-presidente Mahmoud Ahmadinejad, disponibilizando-as na rede, como por exemplo no site flickr.com.
Segundo Nildo Viana em sua obra Quadrinhos e Crítica Social, O Universo Ficcional de Ferdinando, as HQ são como uma expressão figurativa da realidade, através do processo de criação dos autores que as tratam como manifestação da realidade social em um universo ficcional. Podendo a partir daí retirar elementos sócio-políticos e adaptá-los aos quadrinhos.

Fonte: flickr.com

Fonte: flickr.com

O estilo graphic novel talvez seja o tipo de HQ que mais vem ganhando espaço em meio à discussão política, a HQ Persépolis em sua versão original, a autora retrata a Revolução Islâmica de 1979, a partir de uma personagem feminina que vivência eventos como a queda do regime do Xá, e a guerra entre o Irã e o Iraque. A adaptação atual feita por esses dois jovens que se denominam Payman e Sina, retrata o contexto político de 2009 onde o presidente Mahmoud Ahmadinejad foi reeleito sem que não houvesse fortes protestos de opositores que denunciavam irregularidades nessa eleição, a história mostra as manifestações contra o governo, e termina com a morte da jovem Neda Agha-Soltan durante os protestos, tornando-se um símbolo das manifestações. Ao fim também se encontra um pedido dos autores para que divulguem a HQ por meio do Facebook, Twitter e e-mail. Payman e Sina reeditaram os diálogos trazendo-os para as questões atuais criando a HQ Persépolis 2.0, com o objetivo de torná-la disponível para todo o mundo através da internet, já que o governo iraniano bloqueou uma série de blogs e páginas que lhe faziam oposição, restando às redes sociais que se tornaram o veículo de propagação dessa HQ.
Junto a isso é notável observar a presença da chamada cultura da internet descrita por Castells, em a Galáxia da Internet, que surgiu a partir do encontro dos jovens universitários na época da efervescência da contra-cultura com os aparatos tecnológicos de uso militar, foi desenvolvida para ser um espaço de criação coletiva e internacional, sendo os hackers os precursores do ativismo virtual, mas a consolidação dessa cultura ocorreu quando a internet popularizou-se por voltada década de 1990, abrindo acesso a uma grande parcela de usuários comuns, sem muita instrução sobre ela. A rede possibilitou o surgimento de um novo ambiente onde os indivíduos podem interagir em busca de uma causa social, substituindo os panfletos por e-mails e compartilhamentos como fizeram Payman e Sina e os demais que se solidarizaram.
A autora da versão original Marjane Satrapi que vive na França e é uma forte ativista pelos direitos civis no Irã, não se importou com a alteração feita em sua obra, dando autorização para que continuassem a criar um enredo que denunciava as irregularidades nas eleições de 2009, Payman e Sina que vivem em Xangai e receberam apoio através da internet para a tradução em diversas línguas, fato que lembra o que Castells discorre em Redes de Indignação e Esperança definindo a rede como um espaço que se constitui pela comunicação autônoma e livre possibilitando um contra-poder pelos movimentos sociais, assim como a divulgação de Persépolis 2.0 que ganhou apoio através de várias páginas na rede.
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Bibliografia:
CASTELLS, Manoel. Redes de indignação e esperança: movimentos sociais na era da internet. Rio de Janeiro, Zahar, 2013.
___________. A Galáxia da Internet. Rio de Janeiro, Zahar, 2003.
HARVEY, David. Os rebeldes na rua: o partido de Wall Street encontra sua nêmesis. In: Occupy: movimentos de protesto que tomaram as ruas. São Paulo, Boitempo, 2013.
VIANA, Nildo. Quadrinhos e Crítica Social. O Universo Ficcional de Ferdinando. Rio de Janeiro: Azougue, 2013.

Sites:

http://www1.folha.uol.com.br/fsp/ilustrad/fq2707200916.htm

Página acessada em 25 de maio de 2014.

https://www.flickr.com/photos/30950471@N03/sets/72157620466531333/

Página acessada em 25 de maio de 2014.

16/06/2014

Programação cultural on-line

Filed under: Fernanda Portela — Tags:, , , — mfeportela @ 20:20

Por Maria Fernanda Bienhachewski da Costa Portela  

           

            A visitação a museus nunca esteve tão acessível. O site “ Era Virtual – Museus” é um projeto criado em 2008 e promove a visitação virtual de algumas instituições culturais brasileiras, visando despertar o interesse do público, divulgando via web os acervos de alguns museus brasileiros. Segundo os idealizadores, trata-se de um site interativo em constante atualização. A estratégia utilizada por eles é apostar em uma linguagem simples e de fácil comunicação com o público escolar, através de um acesso democrático via web. Contando também com a distribuição gratuita de Dvd-rooms aos interessados. A vista on-line de um espaço real, através da Internet também se preocupa em oferecer uma experiência cultural aos internautas.

Hoje em dia, museus tem investido bastante em seu departamento educativo, a fim de aproximar a arte do público, sendo comum realizar além da visita mediada, uma série de oficinas e atividades lúdicas. Na visita on-line isso não é diferente, pois também são oferecidos jogos educativos e interativos que complementam a atividade.

“O ERA VIRTUAL tornou-se uma rede de museus virtualizados e uma iniciativa referencial no processo de sua utilização do museu como material didático não-formal dentro das escolas. ” (trecho retirado da apresentação do site, disponível em http://www.eravirtual.org/ )

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            São inúmeras instituições que aderiram ao projeto, em alguns estados do Brasil, tal como Minas Gerais, Goiás, Santa Catarina e Rio de Janeiro. Essa experiência on-line só pode ser possível nos dias de hoje, em que vivemos num período de intensa digitalização.

            O grupo Google também lançou seu projeto, o “Art Project” que permite ao usuário visitar uma série de museus através de um aplicativo semelhante ao “ Google Street View”, que fornece imagens reais de ruas e avenidas de qualquer localidade. Através desse aplicativo, conectado diretamente as ferramentas do Google, o usuário pode não só visualizar o acervo em imagens de alta definição como também fazer uma espécie de Tour virtual pelas salas de exposição. Iniciado em 2011, o projeto conta com célebres museus tais como o The Metropolitan Museum of Art e MoMA, em Nova York, The State Hermitage Museum, em São Petersburgo e Van Gogh Museum, em Amsterdã entre outros.

A visita on-line é uma alternativa para os apreciadores de arte que estão a quilômetros de distância dos museus que desejam conhecer. Segundo Amit Sood, autor do aplicativo, câmeras profissionais fotografaram a parte interna dos museus, dando ainda mais veracidade a essa experiência virtual, que visa uma maior democratização do conteúdo artístico sem que haja a necessidade de pagamento de ingressos nem o deslocamento ao local.

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Segundo o antropólogo francês, Pierre Bourdieu, os indivíduos possuem o que ele chama de capital cultural, ou seja, um conjunto de qualificações intelectuais adquiridas através do convívio social na família e na formação educacional. O conceito de capital cultural está ligado a um outro conceito desenvolvido por ele, o habitus. Segundo o antropólogo, habitus é um princípio pré-disposto, construído histórico e coletivamente de acordo com a classe social dos indivíduos. É o que irá pré dispor alguns indivíduos a adquirir práticas e ações específicas ligadas, por exemplo, a vivência cultural.

Ou seja, segundo o autor, no livro “O amor pela arte”, publicado originalmente em 1966, o apreço por obras de arte está ligado ao conceito de habitus  e determinado por questões sociais. O amor pela arte não está apenas ligado a preferências estéticas de ordem subjetiva. Segundo Bourdieu, o fato de uma determinada pessoa frequentar museus não ocorre apenas por ela afirmar gostar de frequentá-los. Segundo esse livro, uma pesquisa minuciosa que busca compreender e analisar quem é o público frequentador dos museus da Europa, em países tal como França, Espanha, Grécia, Itália, Holanda e Polônia, os conceitos de habitus e capital cultural podem traçar o perfil dos frequentadores dos museus europeus. Sendo eles, na maioria dos casos indivíduos com maior nível de instrução educacional, que tenham tido algum tipo de contato com arte durante a infância. Segundo Bourdieu, crianças que frequentaram museus em companhia dos seus pais tendem a ser visitantes assíduos no futuro. Isso porque se cria um laço de familiaridade com a prática da visitação a espaços culturais. Segundo Bourdieu, o sistema educacional meritocrático é o maior responsável por enaltecer as desigualdades em relação ao acesso à cultura. 

Apesar do antropólogo francês acreditar que o hábito de frequentar museus está ligado a trajetória educacional e familiar dos indivíduos, sendo portanto, uma construção social; a expansão das visitações online a museus pode auxiliar ao combate dessa desigualdade cultural. De modo que a visitação on-line é mais democrática e acessível, por ser feita via web e sem a cobrança de taxas ou ingressos.

 Segundo a doutora em Ciência da Informação pela Universidade Federal do Rio de Janeiro ( UFRJ), Rosane Maria Rocha de Carvalho, a Internet permite que usuários dos mais diversos lugares do mundo possam visitar em um mesmo dia uma série de museus, localizados em diferentes localizações, através do uso do computador. Os sites, em geral, são reproduções dos espaços físicos dos museus. Fato recente, os museus virtuais, ou também museus on-line tem em torno de doze anos de existência. Também chamados de museu eletrônico, digital, hipermuseu, cibermuseu e também web museu, trata-se de uma nova forma de vivenciar a experiência artística e cultural. A ideia é ter acesso a um museu sem limites geográficos, sem tempo de funcionamento, em que o visitante on-line possa cada vez mais, visualizar de forma ilimitada os acervos e obras. No entanto, o museu virtual não pode ser exatamente equivalente ao museu do espaço físico, que não pode ser por ele substituído, simplesmente pelo fato de que no museu virtual há apenas projeções, visualizações dos objetos em exposição. Apesar disso, o projeto de criação de museus on-line tem seus pontos positivos, pois busca democratizar o acesso às exposições e aos acervos dos museus físicos, permitindo um maior contato com o público, de modo interativo, além de proporcionar uma experiência continuada, através da realização de redes de discussão on-line. A digitalização do conteúdo cultural e patrimonial é de extrema importância para o futuro da humanidade, mesmo que ainda alguns museus mais tradicionais ofereçam certa relutância no debate dessas sites e ferramentas via web. Além disso, alguns sites como o do Fine Arts Museum em São Francisco, além do tour on-line e da visualização das obras, ainda oferece uma ferramenta, na qual, o visitante virtual pode ser o curador de sua própria exposição. Essas e outras atividades interativas enriquecem a experiência do internauta, podendo ser executadas apenas no meio virtual.

Apesar da tese de Pierre Bourdieu, na qual, o hábito de frequentar museus está ligado a uma construção social associada a trajetória dos indivíduos e de suas classes, o museu virtual vem como uma alternativa para aqueles que desejam penetrar no meio cultural e artístico sem custo, através do espaço ilimitado da Internet. Além disso, é uma forma de inserir os jovens estudantes, que vivenciam de modo intenso a era digital, ao mundo museológico, podendo ser ele muito mais atrativo e interativo.   

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Referências Bibliográficas

 

BOURDIEU, Pierre & DARBEL, Alain. O Amor pela Arte  São Paulo, EDUSP e             Ed. Zouk, 2003.

 

CARVALHO, Rosane. Comunicação e informação de museus na internet e o visitante virtual. XIII Encontro Nacional de Pesquisa em Ciência da Informação – XIII ENANCIB, 2012.

Disponível em:  http://revistamuseologiaepatrimonio.mast.br/index.php/ppgpmus/article/viewFile/8/4

 

Sites consultados:

 

http://www.google.com/culturalinstitute/project/art-project?hl=pt-br

(Acesso em 02/06/14)

 

http://www.eravirtual.org/pt/ (acesso em 01/06/14)

 

 

15/06/2014

Funk ostentação: as mediações digitais de uma produção cultural popular e independente

Para começar falando de funk ostentação, retomo as palavras de Hermano Vianna: “No funk, o que era “carioca” ganha sotaque paulistano e vira ostentação, gerando milhões de views no YouTube e shows lotados em todo o Brasil, mesmo sem discos ou divulgação nas rádios”.

O funk sempre foi um estilo musical de pioneirismo na produção independente. O funk carioca deu um baile: um baile na indústria cultural mostrando como é possível se divulgar, se promover e acontecer através de meios alternativos. Equipes de som de grande qualidade montadas, bailes de rua, bailes em barracões nas favelas. O Funk carioca ganhou as periferias do país.

O funk criou, desde sua consolidação nos anos 80, um circuito pioneiro de produção, circulação e consumo relativamente autônomo e sustentável em relação ao modelo das grandes gravadoras (SÁ e MIRANDA, 2011).

Ele já tem essa característica de divulgação autônoma, mas hoje, diante do cenário tecnológico que vivemos, é possível alcançar outros níveis de produção e divulgação. SÁ e MIRANDA continuam: trata-se de música para dançar, com graves acentuados pelas caixas de som, cujo valor estético deve ser apreciado nas pistas. O funk ostentação/paulista mudou esse cenário; o valor estético não é mais apreciado primordialmente nas pistas. Konrad Dantas, famoso produtor de videoclipe e criador da estética da ostentação explica no documentário Funk Ostentação – O filme : “Aí surgiu uma nova… um novo segmento pro funk né, a galera começou a entender que se não fizesse videoclipe ia ficar pra trás, o público começou a cobrar. E hoje os MCs do Rio de Janeiro já tão procurando a gente já. A galera tá impressionada, a galera quer saber como é esse lance, como que a galera de São Paulo atingiu toda essa massa”.

Como a maioria já conhece, funk ostentação é uma vertente do funk carioca que tem como temática o que o próprio nome já diz. O foco é ostentar, exaltar o consumo, roupas de marca, carros, motos, bebidas caras, mulheres…

Hoje, o videoclipe, ou melhor, o webclipe tem uma importância que antes não tinha. O público não quer apenas ouvir os MCs falarem de consumo, de mulheres, de ostentação, o público quer ver tudo isso, querem ver os iates, os passeios que são narrados em Angra dos Reis, as festas. A narrativa é acompanhada da imagem em movimento.

Também chamado de funk paulista, por ter sido criado em SP, o funk ostentação já iniciou seu processo de produção através da internet. Gravar uma música de forma caseira tornou-se mais fácil com os programas que existem hoje e após isso, é só postá-la no Youtube (existem outras redes, mas os funkeiros costumam postar suas músicas no Youtube). Agora, as referências não eram mais cariocas apenas, São Paulo também passou a produzir funk.

A mídia utilizada também mudou. O CD não tem mais importância. O que sustenta essa produção atualmente é o arquivo em MP3, MP4 e outros formatos e como disse Vianna, os views no Youtube.

Para compreender melhor esse processo, fiz o que Reguillo classifica como “navegação errante”, método de pesquisa onde não se percorre um caminho já delimitado, uma linha reta e sim percebendo as próprias tramas que são traçadas nessas redes; podemos estar em uma determinada página e por meio desta ir para outras e depois, através das outras, podemos voltar para a mesma em que estávamos no início. Não é um movimento circular, a internet e suas conexões são complexas e diversas demais para reduzi-la a um círculo, ela forma exatamente o que o nome diz: redes.

Em meu Facebook, sigo várias páginas de MCs e de organizadores de rolezinhos como Duda Mel Delambers, MC Chaveirinho, Yasmin Oliveira, Juan Carlos Silvestre (Don Juan).  Eles têm o hábito de postar vídeos de músicas, se auto-divulgando ou divulgando outros artistas, vídeos estes que estão no Youtube e tem seu link postado na página do Facebook. Tornando assim, o Facebook um mediador (REGUILLO, 2012).

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Esses atores tem o chamado capital social, categoria de análise que RUCUERO leva para a cultura digital tendo como referências os estudos de Coleman, Putnam e Bourdieu. Ela explica o capital social como um conjunto de recursos de um determinado grupo que pode ser usufruído por todos os membros do grupo, ainda que individualmente, e que está baseado na reciprocidade e está embutido nas relações sociais. É como se esses atores fossem detentores das referências culturais legítimas e aquilo que é postado por eles, se não tiver concordância (embora a tendência é que aquilo que é compartilhado por eles seja sim legitimado pelo grupo), ao menos terá grande repercussão, visibilidade, pois eles são populares.

Mas não é somente pelo fato de serem populares que eles possuem capital social. Ou melhor, eles são populares por corresponderem aos padrões legitimados pelo grupo: estético, de valores, de gostos.

Isso relaciona-se com a divulgação das músicas pela rede. Cada usuário torna-se um autor de sua trilha sonora, cada um torna-se seu próprio DJ (e influencia os seus seguidores e amigos na rede) e através da opção “compartilhar” um vai de encontro aos outros, alimentando suas trilhas sonoras mutuamente.  As redes sociais, a internet funciona como mediadora e configuradora de novas mediações na produção de sentido para esses indivíduos e divulgando os artistas do funk nesse meio. (REGUILLO, 2012)

Kondzilla com um ano de carreira tinha cinquenta videoclipes e mais de 80 milhões de exibições no Youtube e ele mesmo reforça: “Falando em números, é brutal a aceitação. Não sou eu que to falando, isso é comprovado estatisticamente lá no Youtube”.

Assim como falei no início sobre as equipes de som qualificadas, nesse gênero, o funk paulista é pioneiro em produção audiovisual independente de qualidade. Pensar na cena cultural atual, é pensar em videoclipe, em trabalhar com o imaginário estético do público através das telas, é preciso de recurso e de técnica audiovisual. E essa galera tem. Os recursos tecnológicos atuais, as redes sociais possibilitaram além da divulgação e promoção dessas produções culturais, a prova de que o funk paulista/ostentação é muito popular, que caiu no gosto do público jovem do Brasil inteiro e nem só dos jovens periféricos.

Hoje, vemos MC Guime indo para Hollywood e com música tema de abertura de novela da Rede Globo. Vemos os MCs fazendo show em casas como Credcard Hall. Vemos entrevistas e matérias sobre funk ostentação em vários programas de várias emissoras de TV. O funk ostentação que começou como produção cultural independente está sendo apropriado pela indústria cultural, ganhando mais legitimidade, perdendo autenticidade e sendo conhecido no mundo inteiro.

Não se sabe quais serão as mudanças para seu formato original diante disso, mas se sabe que foi e é um movimento periférico, popular que foi capaz de ganhar muito sucesso por si só, tanto sucesso que hoje até a mídia hegemônica sabe que precisa dele para continuar agradando seu público, embora, contraditoriamente, apesar dessa glamourização toda, o funk ainda não deixou de sofrer discriminação e de ser estigmatizado pela sociedade.

REFERENCIAS

Funk Ostentação – O filme. Direção: Renato Barreiros e Konrad Dantas. Produção: Kondilla. e 3k Produtora. São Paulo – SP. 2012. Disponível em: http://vimeo.com/53679071. Acesso em 15/06/2014

REGUILLO, Rossana.  Navegaciones errantes. De músicas, jóvenes y redes: de Facebook a Youtube y viceversa  in Nueva época, núm. 18, julio-diciembre, 2012. (Departamento de Estudos de la Comunicacion Social. Universidad de Guadalajara).

RUCUERO, Raquel.  Redes sociais na internet.  Porto Alegre:                      Sulina, 2009. (Coleção Cibercultura)

SÁ, Simone Pereira de. e MIRANDA, Gabriela. Aspectos da economia musical popular no Brasil: o circuito do funk carioca. In: HERSCHMAN, Micael (org). Nas bordas e fora do mainstream musical. Novas tendências da música independente no início do século XXI. São Paulo: Estação das Letras e Cores, 2011.

VIANNA, Hermano. Funk paulistano. 11/01/2013. Disponível em: http://hermanovianna.wordpress.com/2013/01/12/funk-paulistano/. Último acesso em: 15/06/2014

12/06/2014

Arquivologia e o moderno: a conservação da preservação

Filed under: Jimmy Pitondo — Tags:, , , — jimmymp @ 17:10

A Arquivologia é uma área do pensamento ligada a ciência da informação. Entre inúmeras funções, tem como objetivos centrais a organização, conservação e preservação de documentos em arquivos com base em conceitos e técnicas desenvolvidos em conjunto de cada um desses processos. Sua importância enquanto um campo do conhecimento que trabalha o próprio conhecimento se justifica através de seu papel na preservação e compartilhamento do material já produzido, bem como do que virá a ser produzido. A princípio, os arquivos nascem juntos com as bibliotecas em um mesmo espaço físico. Produção e preservação constituíam um corpo uno, concomitante ao avanço da produção e desenvolvimento do pensamento humano, portanto nascem quando os homens tomam consciência da proliferação dos saberes, ambos representam uma tentativa de contenção e dominação ao lado de um desejo de posse e conservação. O saber é poder.

Nesse contexto, nos é interessante analisar seu lugar ao lado do fenômeno Moderno de transformações das relações entre tempo e espaço, os constantes avanços tecnológicos, além das novas formas de produção do conhecimento e de compartilhamento. Primeiramente podemos assumir que seu papel é profundamente abalado por conta das consequências das práticas engendradas por essa dinâmica, através dos novos equipamentos e, principalmente, pela Internet. A pequena rede de computadores interligados criada pela Advanced Research Projects Agency (ARPA) em 1969, talvez nunca tenha imaginado as mudanças sociais estimuladas pelo impacto que, ao longo da década de 1990 e 2000, seu projeto impulsionou. Hoje, quando pensamos em meio técnico, ou seja, um elemento material com que, ou por meio do qual, a informação ou o conteúdo simbólico é fixado e transmitido através de uma rede que vai do produtor ao receptor, a Internet se apresenta como grande protagonista na produção e reprodução dessas novas relações sociais, econômicas, políticas e culturais.

Então, a informação nesse ambiente de arquitetura descentralizada, polifórmico e interrelacionado da cultura digital e tecnológica, assim como em seus primórdios, se faz em sua completude através da sua produção, recepção e reprodução. Em qualquer sociedade os indivíduos que ocupam determinados lugares e possuem determinadas funções, se ocupam também da produção e, principalmente, do intercâmbio de informações e conhecimentos. Esse movimento está contido desde as mais antigas formas de comunicação gestual e do uso da linguagem até nas grandes redes que compõem o quadro de poder e de mudança contemporâneo. Como vimos, a preservação e conservação do conhecimento desde seus primórdios concentrado em Alexandria, constituía-se como uma relação de poder. Hoje vemos uma mudança nesse polo centralizador, bem como uma intensificação dessa dinâmica, pois ‘‘[...] a mudança do ambiente comunicacional afeta diretamente as normas de construção de significado e, portanto, a produção de relações de poder’’(Castells. 2013:11). Assim, esta é a questão que se coloca: como a Arquivologia pode acompanhar e se adaptar a forma como se realiza essa produção, seu armazenamento e sua circulação? Esse tipo de dúvida tem aspecto central da vida social Moderna.

Antes de nossos dedos serem condenados ao eterno movimento pendular nas telas touch screen, nós os utilizávamos para construir redes. As redes sempre foram vistas como ferramentas para organização por conta de sua natureza flexível e sua adaptabilidade. Essas características contidas em um ambiente líquido de rápida mutação, transformações, se tornam essenciais para a sobrevivência do homem. Tanto que ainda hoje vivemos em uma sociedade de redes, porém uma rede em outro formato: maior e mundial (Castells. 2013). Não mais feitas de fibras, mas baseadas na Internet. Um universo de informações disponíveis em nossos dedos.

Vejamos como é essa relação entre o velho e o novo. Uma das principais diferenças entre a preservação digital e a dos formatos tradicionais de registro está no fato dos dados digitais terem a possibilidade de não se verem obrigados a sobreviver por obra do acaso. Ao longo da produção desses dados é possível tomar uma decisão consciente em relação a sua preservação já ao longo do seu processo de produção, assumindo um compromisso de mantê-los vivos, à exemplo contrário do que era feito antes, em um tempo no qual eram encontradas por acaso coisas guardadas no sótão ou porão de alguma casa velha por 50 ou mais anos e que ainda era possível a recuperação e a leitura desses documentos por pura sorte. Mas, ainda assim, mesmo com essa possibilidade se constitui um problema a pouca atenção dada à preservação de textos eletrônicos em longo prazo, podemos enumerar duas principais causas: (1) devido à quantidade enorme de material produzido diariamente, e o (2) tempo que se leva para concluir se vale à pena ou não o esforço, energia e recursos em sua preservação, pois, devemos sempre lembrar que essa agilidade produtiva é ao mesmo tempo causa ocasional de superficialidade e efemeridade de grande parte do que é produzido.

A ideia do progresso, da entrada no futuro deixando o passado para trás junto com a bagagem de antigos sistemas obsoletos se coloca como um obstáculo na preservação e conservação do conhecimento em suas novas formas. Anos atrás o papel substituiu a pedra e, agora, o papel está claramente sendo trocado por novas formas de registro e acesso ao conhecimento, mas não podemos nos esquecer que um papel, nas devidas circunstâncias, pode durar séculos e continuar legível ao olhar humano, o qual, provavelmente, não irá mudar nos próximos séculos, por outro lado, os discos, memórias e formatos de dados mudam a cada ano. Ora, assim como a sobrevivência física das informações registradas é crucial, a nossa capacidade de decifrar e entender o seu significado também o é. O problema está no fato de que esse enorme volume de dados produzidos acumula e cresce em tal velocidade que não há tempo, energia ou recursos para pensar se todas as informações antigas foram convertidas para um novo meio antes de sua obsolescência. É preciso ter especialistas em sistemas de migração, pois a maioria dos pesquisadores futuros irá querer essas informações numa época em que a tecnologia usada para gerá-las provavelmente terá desaparecido do mercado.

O papel da Arquivologia tanto em relação a essas fontes quanto as fontes físicas, em papel, microfilmes, negativos fotográficos, filmes, discos fonográficos e gravações de áudio e vídeo em diversos formatos etc., é garantir que essa produção importante e insubstituível seja salva e colocada à disposição para nosso próprio uso, bem como o das próximas gerações. Muito do material que está se criando, como por exemplo, no âmbito artístico, acadêmico e jornalístico, já é criado exclusivamente de forma eletrônica, não há sua expressão material, não é mais publicado em mídias impressas, somente em sua forma eletrônica. Assim, corremos o risco de perder tudo se não compreendermos a real importância na atenção a essa nova dinâmica e, por conseguinte, repensarmos as técnicas de preservação e conservação.

Temos portando três principais problemas a serem debatidos, grosso modo: (1) a durabilidade do próprio meio no qual o conhecimento é produzido, tanto em relação ao que podemos chamar de formas tradicionais quanto as novas formas eletrônicas, (2) a atualização constante dos equipamentos necessários para trabalhar com esses documentos, onde a importância dos sistema de migração perpassam o campo da preservação, conservação e do uso desse material em pesquisas, e, por fim destacamos as dificuldades de análise ao (3) decidir o que salvar e o que não salvar. Os novos Softwares e Hardware ao lado das transformações sociais estimuladas pela rede mundial de computadores e os usos que fazemos desse conjunto, se encaixa nessa nova dinâmica Moderna, onde tudo o que é sólido se desmancha no ar, num movimento que traz consigo a ruptura com o velho e faz surgir a possibilidade do novo. Naturalmente esse desejo pela preservação pode soar conservador demais aos progressistas, mas ao contrário, a base para as transformações está no passado, a mudança sempre é a atualização de uma potência, e essa é a única constante nesse tempo, pois ela mesma sempre deixa patamar para outra em um ciclo de destruição do velho para dar lugar ao novo que deverá destruído amanhã.

Então hoje, dentro de uma perspectiva comparada, em relação aquele conhecimento limitado a um espaço físico definido, hoje o encontramos em um único computador com inúmeros pontos de acesso ‘‘[...] reunindo a maior parte da humanidade em um território semântico unificado, ainda que infinitamente variado.’’ (Lemos; Levy. 2010:201) Por meio da grande quantidade de blogs, imagens, formas de produção e compartilhamento do conhecimento, enxergamos no ciberespaço uma objetivação técnica que da ritmo a produção cultural contemporânea, onde até mesmo o ‘‘eu’’ e suas múltiplas identidades torna-se menos ligado a uma localização física. Assim, nesse universo digitalizado, parte importante da produção humana se torna acessível a partir de qualquer ponto da rede através de distância semânticas que, como mostrou André Lemos e Pierre Levy (2010), são a base da ordem desse ciberespaço, pois são essas zonas de espaço que nos levam a esse conhecimento: nome de domínios, palavras-chave em motores de busca, hiperlinks, pirataria informacional etc., etc. Facilitando e dinamizando a produção de novos materiais.

Ainda assim, tudo isso pode se perder com a mesma facilidade que nos chega. Por conta disso é essencial desenvolver um trabalho em conjunto, consciente e auto-reflexivo acerca da forma como tratamos nosso passado, dissimulado pelo ideológico véu do progresso. Ao longo da história da humanidade, incêndios, inundações e guerras, foram eventos que sempre ameaçaram os registros humanos, é preciso ficar atendo para que o desenvolvimento tecnológico não faça parte desse grupo, prejudicando a preservação desses registros através de seu próprio desenvolvimento. O estudo da história e suas fontes é algo que agrega insumo no âmbito da construção de um conhecimento objetivo para ser usado como inspiração na elaboração de novas formas de ações no futuro, esse eterno e incerto ponto de chegada tão almejado pelas sociedades Modernas.

Bibliografia
CASTELLS, Manuel. A Galáxia da Internet: Reflexões Sobre a Internet, os Negócios e a Sociedade. Rio de Janeiro: Zahar, 2003.
________________. Redes de Comunicação e Esperança: Movimentos Sociais na Era da Internet. Rio de Janeiro: Ed. Zahar, 2013.
LEMOS, André; LEVY, Pierre. O Espaço Virtual da Cultura In O Futuro da Internet: Em Direção a uma Ciberdemocracia Planetária. São Paulo: Paulus, 2010.

11/06/2014

TECNOLOGIA: INOVAÇÕES NO ENSINO APRENDIZAGEM

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Vivemos uma época na qual o acesso às informações anda tão imediato e inovador, que conseguir prender a atenção dos alunos em sala de aula passa a ser cada vez mais um desafio aos professores. Assim, surge a necessidade de se reaver o projeto pedagógico da escola, tendo em vista a necessidade de acompanhar os movimentos da sociedade em direção a uma cultura digital. Pérez Tapias ao discorrer sobre o assunto, diz que o espaço urbano se revitaliza com a internet, isso por que:

 As pressões da informação generalizada que os meios de comunicação difundem na atualidade, ao que vem acrescentar-se como dado qualitativo o fato de ser tão persuasivamente transmitida, dão xeque-mate na escola como instituição. Os saberes estabelecidos para cuja transmissão está ela esboçada, o papel do professor nesse quadro acadêmico, a estruturação hierárquica de suas relações internas e o próprio caráter linear de um curriculum pensado em termos acumulativos – tudo isso se vê modificado na nova situação em que estamos. Circulam agora novos conhecimentos vinculados, além disso, aos suportes tecnológicos pelos quais são transmitidos; diante deles, a função do professor é desvalorizada e decresce o reconhecimento de sua autoridade, requerem-se relações também horizontais no âmbito escolar, e o máximo caráter optativo e o livre delinear de cada um parece atender mais a um saber que se mostra disperso, heterogêneo e acessível por meio de redes de múltiplas entradas. (TAPIAS, 2006: 163)

Assim a iniciativa do Projeto GENTE – Ginásio Experimental de Novas Tecnologias que traz uma nova metodologia de ensino-aprendizagem em que o aluno é protagonista e o centro desse processo é inovador, principalmente por que ele reúne dentro de um espaço com novo formato justamente as dificuldades que eram enfrentadas em sala de aula, trazendo-as de encontro. Isso ocorre por que “as telecomunicações (tecnicidade) vão nos propiciar novas ligações, meios radicalmente novos de produção e organização dos espaços habitados, e de nos apropriarmos deles para nossos múltiplos propósitos humanos.”Martín-Barbero discorre sobre a produção do conhecimento como um processo de descentralização e destemporalização do saber, entendendo esse processo como:

el conjunto de procesos y experiências que testimonian la expandida circulación por fuera del libro de saberes socialmente valiosos. El saber se descentra, em primer lugar, em relación al que há sido su eje durante los últimos cinco siglos: el libro. Un proceso/modelo, que con muy relativos câmbios había moldeado la práctica escolar desde la invención de la imprenta, sufre hoy uma mutación cuyo más largo alcance lo evidencia la aparición del texto electrónico (R. Chartier), o mejor, de la hipertextualidad (E. Berk/J.Devlin) como nuevo modelo de organización y aprendizaje de conocimientos. Son câmbios que no vienen a reemplazar al libro, sino a relevarlo de su centralidad ordenadora de las etapas y lós modos de saber que la estructura-libro había impuesto no solo a la escritura y la lectura, sino al modelo entero del aprendizaje: lineariedad secuencial de isquierda a derecha, tanto física como mental, y verticalidad del arriba hacia abajo, tanto espacial como simbólica.(MARTÍN-BARBERO, 2005: 28)

Deste modo o projeto implantado na Escola André Urani¹ da rede pública, localizada na maior favela do Rio de Janeiro, se encaixa neste novo formato de aprendizado, em que a escola se torna um espaço de fluxos informacionais.

O projeto vai além da presença de computadores para cada aluno na escola, o que por si só já não é algo comum nas escolas públicas brasileiras, propondo modificações que alteram a forma de interação entre os atores sociais em seu espaço físico e entre si(professor/aluno – aluno/aluno).

A escola não possui mais paredes internas, seus móveis são modulares (podem ser encaixados de acordo com a atividade do dia) diferentemente do padrão tradicional em que os alunos ficam sentados enfileirados de frente para o professor, e não há divisão dos alunos em idades e série, estes agora ficam formados em grupos heterogêneos.

O professor não monta mais aulas para uma classe de uma série especifica, agora o seu desafio é montar atividades interdisciplinares para o grupo e o individual, pois cada aluno utiliza uma plataforma digital com um itinerário formativo com o que ele precisa aprender e seu desempenho é acompanhado semanalmente a partir dos resultados adquiridos pela máquina de testes que a plataforma oferece.

E por fim, a relação entre os alunos se dá de uma forma diferente, pois eles são reunidos em grupos ou famílias heterogêneas que prevê uma troca de experiências entre eles, ou seja, apesar do itinerário ser individual a aula é colaborativa, pois em caso de dúvida o aluno consulta o companheiro ao lado e o seu grupo para tentarem resolver a questão antes de procurarem pelo professor, que no caso tem uma função de mentor do grupo.

Este novo modelo pedagógico foi inspirado pela Summit Public Schools² da Califórnia (EUA), uma rede de escolas que já tem 10 anos de atuação nesta proposta de ensino híbrido (tecnologia, currículo, personalização) para cada projeto de vida de um aluno em particular.

Por fim, pode-se cogitar que o sucesso desse projeto que transforma a educação acontece justamente pela alteração da experiência vivida dos alunos, pois esta deixa de ser algo distante e desinteressante para se tornar o seu oposto, onde a tecnologia atua como um mediador entre o aluno e o ensino. Portanto, assim como a produção de conhecimento a escola também se modifica, deixando de ser um espaço fechado dentro de si e se expande para além de seus muros.

 

Notas:

1 – Disponível em: http://educacao.estadao.com.br/noticias/geral,novo-modelo-de-escola-no-rio-aposta-em-tecnologia-e-ensino-individualizado,1015075

2 – http://www.summitps.org/

 

 

Bibliografia

MARTÍN-BARBERO, Jesús. Cultura y nuevas mediaciones tecnológicas In.: América Latina: otras visiones de La cultura. Colombia – Ed. Malpensante: 2005

 MITCHELL, William J. A marcha dos meganets. In.: E-topia: a vida urbana mas não como a conhecemos. São Paulo. Senac, 2002: 57

PÉREZ TAPIAS, José Antonio. Possibilidades de humanização e risco do “sem-sentido” no mundo digital. In.: Internautas e náufragos: a busca do sentido na cultura digital. São Paulo. Loyola, 2006: 163

SALDANÃ, Paulo. Novo modelo de escola no Rio aposta em tecnologia e ensino individualizado. O Estado de São Paulo, São Paulo, 30 março de 2013. Caderno Educação.

 

 
LINKS:

http://www.youtube.com/watch?v=FIF7jNZwFcw

transformareducacao.org.br

09/06/2014

KID’S ONLINE

A internet nasce e se desenvolve a partir de uma cultura do compartilhamento de dados e conhecimento, e cada vez mais vem sendo apropriada por maior número de pessoas de diferentes faixas etárias, classes sociais e cultura. Movimento este que trouxe diversas mudanças sociais nas formas de interações dos indivíduos com o mundo a sua volta. O interessante disto é perceber o quanto estas características estão presentes inclusive no cotidiano das crianças, principalmente a última geração que já nasce inserida nestas tecnologias de informação e comunicação. É cada vez mais comum notar crianças que possuem celulares com acesso à Internet e que navegam com maior facilidade e frequência na rede em comparação aos seus pais.

Uma pesquisa realizada em 2012 no Brasil¹ aborda os diferentes tipos de usos e hábitos dessas Tecnologias de Informação e Comunicação entre usuários na faixa etária de 09 a 16 anos, a pesquisa teve como foco de análise às oportunidades e riscos que o seu uso podem trazer. Dentre várias informações que a pesquisa traz, é impressionante a frequência nas quais crianças e adolescentes frequentam um perfil ou página de uma rede social – 53% utilizam quase ou todos os dias -, sendo que a maior parte é perfil próprio e em alguns casos possuem até mais de um perfil, desse modo essas atividades fazem parte e ao mesmo tempo são uma extensão das suas vidas off-line.

No livro A cultura da participação – Clay Shirky (2011), no seu capítulo Meios, descreve um caso interessante desta apropriação; meninas sul-coreanas se mobilizam contra a reabertura da importação de carne bovina americana no seu país, neste período, tinha-se o medo da contaminação da vaca-louca, doença descoberta há pouco tempo. O que chama atenção nesse fato foi que elas ficaram sabendo da liberação através de um post no quadro de avisos do site de uma banda do momento, que tinha grande importância para essas meninas. Entretanto a banda em questão não tinha a intenção de promover nada, foram elas que utilizaram essa informação e partir disso se organizaram e impediram esta liberação. Isso ocorreu por que houve por parte dessas meninas uma apropriação (MARTÍN-BARBERO, 2004) da tecnologia de comunicação, pois elas poderiam ter visto a notícia e não terem feito nada sobre o assunto, muito pelo contrário; pegaram essa informação e redistribuíram e utilizaram o site em questão como um canal de aproximação e articulação com as outras pessoas.

O alto índice de acessos e visualizações deste site, em torno de 1 milhão², foi um meio que possibilitou que um montante significativo de pessoas pudessem ver e ter o poder de fazer circular esta informação para uma quantidade ainda maior de pessoas. Esse movimento circular e expansivo é o que atribui valor a uma dada informação e a partir disso tem um potencial transformador. Assim, pode-se notar que “os usuários têm a chance de atuar, simultaneamente, como produtores, emissores e receptores”³, portanto no exemplo das meninas sul-coreanas, ocorrem alguns movimentos entre a recepção e a produção de algo.

A princípio as meninas estão em uma condição apenas de receptoras de informação, em um segundo possuem um papel de difundir esta informação, que ao ser repassado, pode ganhar um novo sentido e significado e por fim após a informação ser transmitida e transformada em uma ação, neste caso as meninas ocuparam uma praça e lá permaneceram durante um mês todos os dias, sem esmorecer e crescendo ao passar dos dias, até o governo sul-coreano retroceder na sua decisão. Ou seja, a internet é um espaço que possui um potencial de transformação no sentido em que é um meio de fornecer e compartilhar informações possibilitando uma infinidade de usos.

Por outro lado, transformações sociais nem sempre são 100% positivas, um dado importante que é apresentado na pesquisa Kid’s Online, que serve de atenção no sentido de como as mediações do uso destas tecnologias tem sido feitas pelos pais, servindo de alerta quanto à segurança da navegação dessas crianças na rede. Os resultados demonstram que enquanto boa parte dos pais considera-se bem informados quanto ao assunto e acreditam que seus filhos estão seguros, do outro mostra a fragilidade desta percepção, ao indicar que muitas crianças e adolescentes disponibilizam informações pessoais, tais como endereço, escola, celular entre outros, e até mesmo entram em contato com desconhecidos. Apesar destes pontos negativos, isso não tira a importância e influência da internet no meio em que vivemos, servindo apenas de um alerta quanto aos riscos que podem ocorrer no mundo virtual, pois o que vai impactar no resultado é no processo de como se dá esse uso, se é consciente ou não frente às consequências que podem afetar tanto negativo ou positivamente no mundo real, como foi o caso das meninas sul-coreanas.

 

Notas:

1 – TIC KIDS ONLINE BRASIL 2012 – Disponível em: cetic.br

2 – Importante ressaltar que a Coreia do Sul é um país que faz um uso intensivo da Internet, sendo que 78% da população são usuários, e destes, 99% (TIC KIDS ONLINE BRASIL 2012) fazem a sua utilização diariamente. Diferentemente do que ocorre no Brasil, onde o acesso ainda não está disponível em todos os lugares e mesmo nos locais aonde se tem acesso, nem sempre isso é garantia de qualidade na conexão. Por outro lado, na Coreia do Sul essa alta conectividade é altamente controlada e restritiva.

3 – Dênis de Moraes – Difusão contra-hegemônica em rede.

 

Referências Bibliográficas

MARTÍN-BARBERO, Jesús – Tecnologia: inovações culturais e usos sociais In.: Ofício de Cartógrafo – Travessias Latino-Americanas da Comunicação na Cultura. São Paulo: Loyola, 2004.

MITCHELL, William John. – A marcha das meganets In.: @-topia: a vida urbana – mas não como a conhecemos. São Paulo : Editora Senac, 2002.

MORAES, Dênis de. Difusão contra-hegemônica em rede In.: Comunicação alternativa, redes virtuais e ativismo: avanços e dilemas. Revista de Economía Política de las Tecnologías de La Información y Comunicación. Disponível em: http://www.observatoriodaimprensa.com.br/download/Comunicacao_alternativa.pdf

SHIRKY, Clay – Meios In.: A cultura da participação: criatividade e generosidade no mundo conectado. Rio de Janeiro : Editora Zahar, 2011.

TIC KIDS ONLINE BRASIL 2012 – Disponível em: http://www.cetic.br/publicacoes/2012/tic-kids-online-2012.pdf

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