Cultura digital, sociedade e política

06/07/2014

O ativismo mediático pelos herdeiros Mayas

Filed under: Juliane Duarte — Tags:, , , , — Juliane Duarte Prado @ 23:29

Ativismo midiático pelos herdeiros Mayas

zapatista

 

Em 1994 não só a política como o que ainda se construía como ciberativismo presenciou um marco. Um movimento social desconhecido pelo mundo e posto as cegas durante anos pelo governo mexicano, se levanta e marcha das florestas de Lacandona rumo a uma visibilidade internacional à desigualdade e descaso governamental sofrido pela população indígena desfavorecida socialmente do México.

Articulados em comitês representativos de diferentes comunidades indígenas, o Ejército Zapatista de Liberación Nacional (EZLN) se opunha à política de abertura ao capital estrangeiro norteamericano, ao neoliberalismo econômico e ao Acordo de Livre Comércio da América do Norte (NAFTA), em busca de melhores condições de moradia, educação, saúde, alimentação, igualdade e justiça.

Sobrevivendo em condições de extremo abandono e sem nenhuma assistência do Estado mexicano, e através de uma forma de governo que não primava pela participação popular e democrática de todos os cidadãos, mas antes privilegiava setores ricos e de forte poder aquisitivo, comunidades, em sua maioria descendentes da civilização maia, se organizaram política e militarmente frente ao Estado mexicano propondo uma revolução armada.

Sem uma participação efetiva na tomada de decisões governamentais, o movimento zapatista, movido por inúmeras tentativas de tomada do poder e implementação de um modelo de sociedade que contemplasse à diversidade existente na população e território mexicano, toma posse de várias sedes municipais da esfera política e militar almejando mudanças drásticas na política do país.
No entanto e, vitoriosa sobretudo por essa característica, o movimento zapatista estava sobretudo disposto a denunciar e pautar suas ações por uma mobilização nacional e mundial que revelasse as mazelas sociais e díspares como o governo vinha tratando seus cidadãos. Por meio de acusações e pelo diálogo estabelecido através dos veículos de comunicação dos mais diversos (panfletos, e-mail, fax, obras plásticas e teatrais etc), o movimento rompe com o discurso hegemônico dos grandes monopólios da comunicação mexicana.

Pela primeira vez na história de luta das populações indígenas e mestiça, e tomados por um ativismo que primava pelo que seria tratado como uma arena discursiva radical, a fala que se propagava pelo território mexicano e posteriormente mundial, era marcado por um grupo de opinião discursiva não governamental (Downing, 2002: 295).

Tal fato abriu espaço para novas alternativas de discussão, ação e até mesmo análise do movimento. A proposta do movimento se pautava mais em criar redes de comunicação alternativas que se defrontassem com os discursos e informações difundidas pelas mídias dominantes. Ação que se propagou pelo mundo todo e que chamava a atenção aos acontecimentos ocorridos em Chiapas (Estado onde o movimento zapatista concentrou suas ações de guerrilha).

Congregando grupos minoritários enxergados pelo movimento como também oprimidos como mulheres, homossexuais, agricultores, ou negros remanescentes do processo civilizatório espanhol, tiveram uma atenção específica e direcionada pelo movimento zapatista, que traçava redes de interação discursiva ao cenário de dominação posto pelo governo mexicano.

Com uma estruturação organizacional nova e pensada de forma a se emponderar radicalmente das tecnologias universais, os zapatistas atraíram a esse arena de interação discursiva, membros da elite política e intelectual a construir um pensamento intercultural que pensasse as múltiplas identidades étnicas e culturais existentes não só no México, mas em qualquer nível local, nacional e/ou mundial.

Advindos de um legado de lutas pelo reconhecimento e valorização da cultura indígena maia, o movimento zapatista se inspira até hoje em Emiliano Zapata, que liderou uma luta pela reforma agrária culminando na Revolução Mexicana em 1910. No entanto sua forma e estratégia de transformação social se dá a partir de 1994, por uma organização que não reconhece líderes, hierarquias ou mesmo um centro diretor. Muitas dessas características que não são puramente teóricas mas também empíricas, dão início ao vislumbramento por diversos movimentos sociais espalhados pelo mundo de um modo de luta e ação revolucionária pela comunicação alternativa e participação política, característica nunca antes concebida antes do ocorrido em Chiapas.

Mesmo com a falta de infra estrutura e heterogeneidade dos idiomas falados pelos zapatistas, a forma de articulação através de mídias alternativas que denunciassem e comunicassem a omissão, violência e descaso praticados pelo exército e governo mexicano ultrapassou o monopólio do discurso existente e promoveu novas estratégias de enfrentamento e adesão da sociedade civil à causa zapatista. Fazendo com que, o movimento de resistência ganhasse prestígio e atenção mundialmente. Decorrente dessa ação, mesmo após a derrubada do EZLN pelos militares do governo, os líderes políticos mexicanos se viram pressionados pela comunidade internacional.

Como marco do ciberativismo, o uso das tecnologias na comunicação alternativa pelo movimento zapatista, mostrando o cotidiano das comunidades indígenas em busca da valorização de sua cultura e luta por suas terras remanescentes da civilização pré colombiana, frente aos interesses estrangeiros e de grandes latifundiários, revelando à sociedade os malefícios decorrentes de uma política imperialista norte americana no território mexicano, defrontado com as desigualdades sociais sofridas pela população pobre e afins, suscitou nos movimentos sociais de todo o mundo um novo prisma de aproximação de discursos ideológicos e políticos para com a esfera pública, criando um novo espaço de troca e percepções.

Nesse sentido e dado o caráter de resistência do movimento zapatista, a comunicação rompeu com estruturas dominantes de poder no âmbito do acesso à informação que ocultam e, consequentemente, não condizem à realidade social da maioria da população. Por meio dessa iniciativa foi possível gerar estratégias de diálogo em um campo virtual que se desenvolvem até hoje como forma de transformação social.

“Território Zapatista. Aqui manda o povo, e o governo obedece!”

 

ezln

 

 

 

 

 

 

Bibliografia: Downing, John D. H. “Mídia Radical”. A internet radical. São Paulo: Editora SENAC, 2002.

http://www.oolhodahistoria.ufba.br/03leon.html

26/06/2014

Food for Thought

 

Faz parte da nossa história retratar comida, desde os primórdios, e mais tarde na transição da Idade Média para a Idade Moderna, o gênero artístico natureza morta fez grande sucesso nos séculos XVI e XVII[1], o pintor Giuseppe Arcimboldo[2] inovou nessa técnica retratando, entre vários, seus mecenas utilizando frutas, legumes, verduras e peixes.

 

Fonte: http://www.giuseppe-arcimboldo.org

Fonte: http://www.giuseppe-arcimboldo.org

 

Posteriormente com a invenção do rádio e da televisão os programas de culinária garantiram seu lugar nas grades horárias das emissoras. E ainda hoje as receitas, de alguma forma, também fazem parte de programas de entretenimento ou diversidade, sem terem perdido seus programas exclusivos.
Recentemente, na era digital, essa idolatria mantém-se presente nas ferramentas digitais, aplicativos para smartphones e tablets, blogs, fotologs, comunidades e redes sociais. Ao olhar o Facebook é possível verificar a grande quantidade de posts relacionados a comida e confraternizações envolvendo comida, os quais parecem aumentar ainda mais, caso seja feriado, ou se alguns dos amigos estão de férias. A comida tem grande importância para nós, e o fato de poder compartilhar imagens de churrascos, almoços, jantares, sobremesas e sorvetes com os amigos parece potencializar a sensação de prazer já associada à comida. Isso não se limita ao rol de comidas de confraternização, as comidas saudáveis, aquelas pós-malhação, ou as pertencentes à dieta de perda de peso, também têm seu lugar.

De acordo com o Jornal da Manhã, de Minas Gerais, em janeiro de 2014, há 1,19 bilhão de usuários no Facebook, os quais clicam no botão de curtir 4,5 bilhões de vezes todos os dias, e compartilham a cada 24 horas, 4,75bilhões atualizações de status, vídeos e fotos de gatos e de comida.[3]

Ao combinarmos a já antiga pré-disposição ao compartilhamento de comida em momentos de celebrações, à portabilidade e agilidade que a tecnologia trouxe através dos smartphones e tablets, e o espírito do compartilhamento presente na internet, que faz parte de sua gênese, o resultado são as grandes quantidades de atualizações de status diárias, relacionadas a refeições, receitas e comida em geral.
http://www.giuseppe-arcimboldo.org

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As tecnologias digitais também revolucionaram as relações sociais criando uma nova dinâmica. As redes sociais são responsáveis pelo desenvolvimento de novas formas de interação e através dela é possível perceber o tipo de relação que se tem com os outros atores e com o objeto em questão (Recuero, 2009: 33). O compartilhamento de fotos ao lado de potes de Nutella, bolinhos de bacalhau, ou até celebrando a conclusão de uma receita de família preparada de forma caseira nos moldes tradicionais ajudam a revelar o estilo de vida e as mensagens que determinada pessoa busca transmitir. Ao associar-se a uma comunidade, ou integrar-se a um grupo, obtém-se acesso a diferentes conteúdos produzidos também por esses atores, e novas relações têm início através disso.

Ao associar-se a uma comunidade no Orkut, por exemplo, ou ao comentar em um novo weblog ou fotolog, um indivíduo pode estar iniciando interações através das quais vai ter acesso a um tipo diferente de capital social, ou ainda, a redes diferentes. (RECUERO, 2009: p.52)

Nesse novo ambiente as relações sociais se desenvolvem sem necessariamente as pessoas se conhecerem, mas o fato de publicarem suas preferências e atividades as une, criando assim novas comunidades, consequentemente novas discussões e posteriormente novos conteúdos, dando início a um novo ciclo que se repetirá por várias vezes.

As fotos também têm papel importantíssimo nesse cenário, uma vez que são elas as responsáveis por aproximar os interlocutores, através das imagens. Benjamin em seu texto “A Obra de Arte na Era de Sua Reprodutibilidade Técnica” menciona exatamente essa propriedade da fotografia, que é “fazer as coisas ficarem mais próximas” (Benjamin, 1985: 170), mas em detrimento do caráter único das obras de arte.

A questão da exclusividade da obra, ou nesse caso da imagem ou foto, ou ainda a propriedade desta não é um problema, o valor desse material está totalmente relacionado ao seu compartilhamento, à quantidade de curtidas que a foto receberá e à quantidade de re-compartilhamentos que ela tiver. Esse é o ponto de convergência com a filosofia da internet, associada à liberdade de criação e a sua função de ser “o maior repositório de informações que a humanidade já viu” (Amadeu; Santana, 2007).

Ao se compartilhar a foto o objetivo é comunicar o estado de espírito, as relações sociais, o estilo de vida. Os mais variados sentimentos e desejos podem ser retratados através da prato que integra a foto: se a pessoa está em um restaurante chique ou não, se está na intimidade de um jantar com pessoas bonitas e famosas, se está comunicando que cultiva o corpo e a mente saindo da academia e “curtindo” um prato saudável, se precisa fazer inveja aos outros, ou se precisa incitá-los a cometer o pecado da gula e comer aquela sobremesa maravilhosa.

A capacidade de comunicação que a comida tem é imensa. Associado a isso há o fato de que “o compartilhamento em si é uma característica humana, não tecnológica” (Shirky, 2011: 142). A evolução da tecnologia em geral e a internet proporcionaram as ferramentas para tornar esse compartilhamento mais rápido, barato, fácil e interessante.

http://www.giuseppe-arcimboldo.org

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Uma agência de propaganda mapeou o que motiva o compartilhamento de fotos de comida: 25% são fotos cotidianas apenas para mostrar aos outros o que se está comendo; 22% estão documentando pratos que foram preparados por elas mesmas, seja como uma comemoração da conquista, ou buscando aprovação da comunidade, ou apenas elogios; 16% estão compartilhando uma ocasião especial, a qual foi comemorada com uma refeição ou prato especial, 12% é pura arte, a mesma coisa que Giuseppe Arcimboldo ou Paul Cézanne faziam séculos atrás, aqui busca-se aliar o alimento à arte com a finalidade de se inspirar os outros, ou transmitir alguma emoção, ou apenas compartilhar uma coisa bonita; e os últimos 10% estão compartilhando um bom momento com a família ou amigos, para o qual utilizam a comida como elemento de socialização, esse grupo de certa forma une-se aos 16% que compartilham a ocasião especial.[4]

Essa imensa capacidade de comunicação que a comida apresenta é por sua vez apreciada e reconhecida pela economia formal tradicional, a qual procurará fazer uso e apropriar-se. É importante frisar que o conceito de apropriação não está relacionado tanto à propriedade, mas sim ao direcionamento do uso da imagem (Amadeu; Santana, 2007). As empresas sabem que monopolizar as imagens não é viável, é melhor pegar carona no compartilhamento e atingir o maior número possível visualizações. Isso é verdade se o que se está compartilhando é positivo para o produto, caso contrário vale a regra tradicional de propriedade e busca-se retirar a imagem de circulação.

http://www.giuseppe-arcimboldo.org

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Quanto mais espontâneo for o compartilhamento da imagem que contém um determinado produto, melhor será para seu fabricante, tanto no que diz respeito à presença da marca na mente dos consumidores, quanto no que diz respeito ao custo, uma vez que será uma propaganda gratuita. Acredito ser possível dizer que um dos objetivos das áreas de marketing atualmente é ter um post de Facebook, Flickr, ou Instagram que torne-se um viral.

 

[1] De acordo com Wikipédia: natureza-morta é um tipo da pintura e da fotografia que retrata seres inanimados: como frutas, louças, instrumentos musicais, flores, livros, taças de vidro, garrafas, jarras de metal, porcelanas, dentre outros objetos. Esse gênero de representação surgiu da Grécia Antiga, e também se fez presente em afrescos encontrados nas ruínas de Pompéia. A denominação Natureza morta, conforme o alemão Norbert Schneider, surgiu na Holanda no século XVII, nos inventários de obras de arte. A expressão competiu durante algum tempo com natureza imóvel e com representação de objetos imóveis no século XVIII

[2] Giuseppe Arcimboldo (Milão, 1527 – 1599) foi um pintor italiano, suas obras principais incluem a série “As quatro estações”, onde usou, pela primeira vez, imagens da natureza, tais como frutas, verduras e flores para compor fisionomias humanas. A partir de 1562 morou em Praga, então capital do reino da Boêmia e hoje da República Tcheca, onde consolidou sua carreira como artista. Serviu na corte de Fernando I e de seus sucessores, Maximiliano II e seu filho Rodolfo II, grandes mecenas. Arcimboldo foi admirado como artista pelos três monarcas, tornou-se pintor da corte e chegou a ser nomeado Conde Palatino.

[3] Jornal da Manhã, 23/01/2014, Disponível em: http://www.jmonline.com.br/novo/?noticias,22,ARTICULISTAS,90235. Acesso em:16 Jun.2014.

[4] Disponível em: www.360i.com/reports/online-food-photo-sharing-trends/. Acesso em: 02 junho.2014.

 

 

BIBLIOGRAFIA

AMADEU, Serio; SANTANA,Bianca. Diversidade Digital e Cultura in Seminário Internacional sobre Diversidade Cultural: práticas e perspectivas, 2007, Brasília. Disponível em http://diversidadedigital.blogspot.com.br. Acesso em 02 junho 2014.

MORAES, Denis. Comunicação Alternativa, Redes Virtuais e Ativismo: Avanços e Dilemas. Revista de Economía Política de las Tecnologías de la Información y Comunicación, Vol. IX, #2, mayo-ago/2007. Disponível em www.eptic.com.br. Acesso em: 02 junho 2014.

BENJAMIN, Walter. A Obra de Arte na Era de Sua Reprodutibilidade Técnica (Primeira Versão). Magia e Técnica, Arte e Política. São Paulo: Editora Brasiliense, 1985.

RECUERO, Raquel. Redes Sociais na Internet. Porto Alegre: Editora Sulina, 2009.

SHIRKY, Clay. A Cultura da Participação – Criatividade e generosidade no mundo conectado. Rio de Janeiro: Zahar, 2011.

25/06/2014

A construção de significados nas redes sociais

Filed under: Guilherme Camargo Lima — Tags:, , , , — guilhermecamargo @ 16:04

Em época de campanha eleitoral, um novo componente parece tomar cada vez mais corpo e pode se tornar fator decisivo no pleito que se realizará no próximo mês de outubro para eleger presidente, governadores e deputados Brasil afora. A internet, e principalmente as redes sociais, ganhou lugar de destaque nas manifestações políticas que se desenrolaram pelo mundo nos últimos anos, passando a exercer papel fundamental no que diz respeito à organização de grupos sociais que reivindicam melhores condições de vida, justiça social, maior liberdade ou até mesmo que cansaram de se ver desprezados pelos detentores do poder.

Além de sua capacidade de aglutinar indivíduos com interesses em comum, as redes sociais da internet, como afirma Manuel Castells, são espaços de autonomia, muito além do controle de governos e empresas, que ao longo da história monopolizaram os canais de comunicação como alicerces de seu poder. Desta forma, a rede mundial de computadores, além de amedrontar a classe dirigente, possibilita a produção de uma comunicação alternativa, que serve de resposta à mídia tradicional e hegemônica, mas, obviamente, sem o mesmo alcance dos grupos de comunicação estabelecidos ao longo dos anos. O sociólogo espanhol ainda salienta que aqueles que detêm o poder constroem as instituições seguindo seus valores e interesses e que este poder é exercido por meio da coerção e/ou pela construção de significados na mente das pessoas, mediante mecanismos de manipulação simbólica.

Neste cenário, Dênis de Moraes garante que é preciso conceber a internet como mais uma arena de lutas e conflitos pela hegemonia, de batalhas permanentes pela conquista do consenso social e da liderança cultural-ideológica de uma classe ou bloco de classes sobre as outras.

Aqui, o papel da comunicação alternativa parece bastante claro, apesar de a terminologia utilizada ser considerada paradoxal por alguns autores. Segundo John Downing, “alternativo” afirma que qualquer coisa, em algum ponto, é alternativa a alguma outra. O jornalista canadense costuma utilizar o termo “mídia radical alternativa” e diz que ele é mais completo que os demais, inclusive “comunitária” e “popular”, que para ele podem facilmente ocultar mais que revelar, pois seriam mais firmes naquilo que excluem – a mídia convencional – do que naquilo que significam. Apesar deste significado variado e aparentemente impreciso, a comunicação alternativa deve ser vista, independentemente do termo selecionado, como uma opção às mídias enquanto instrumentos de poder. Para Downing, ela deve expressar oposição direta à estrutura de poder, além de obter apoio e solidariedade a fim de construir uma rede de relações contrária às políticas públicas ou mesmo à própria sobrevivência da estrutura de poder. Na mesma linha de pensamento, Moraes acredita que a mídia alternativa tem o papel de constituir espaços de afirmações de óticas interpretativas críticas e de práticas jornalísticas cooperativas, com a finalidade de defender a diversidade informativa e os valores éticos.

Porém, seria um quanto tanto inocente acreditar que o desenvolvimento de um sistema de comunicação contra hegemônico pudesse se desenvolver sem impedimentos por parte das classes dominantes. Os grandes grupos de mídia, alinhados àqueles que detêm o poder, controlam os maiores portais da internet e, consequentemente, atraem a maioria absoluta dos anunciantes dispostos a investir na web. Esta disposição em manter o domínio sobre a produção de informação se justifica pelo fato de os grupos dominantes compreenderem perfeitamente bem o poder simbólico da construção de significados nas mentes das pessoas. Recorrendo mais uma vez aos conceitos de Manuel Castells, podemos afirmar que a coerção e intimidação, baseadas no monopólio estatal de capacidade de exercer a violência, são mecanismos essenciais de imposição da vontade dos que controlam as instituições da sociedade. Porém, a construção de significados no imaginário dos indivíduos é uma fonte de poder mais decisiva e estável. Castells salienta que poucos sistemas institucionais podem perdurar baseados unicamente na coerção. Torturar corpos, diz ele, é menos eficaz que moldar mentalidades e a principal fonte de produção social de significado é o processo de comunicação socializada.

Este processo de comunicação se alterou significativamente com as tecnologias da era digital e seu alcance passou a atingir todos os domínios da vida social. Assim, assegura Castells, embora cada mente humana construa seu próprio significado interpretando em seus próprios termos as informações comunicadas, esse processamento mental é condicionado pelo ambiente da comunicação. Desta forma, a mudança do ambiente afeta diretamente as normas de construção de significado e, portanto, a produção das relações de poder.

Algumas características deste novo modelo, como a instantaneidade, a descentralização, a rapidez, o barateamento e, principalmente, a autonomia frente às diretivas ideológicas e mercadológicas da mídia hegemônica, são ressaltadas por Moraes como características extremamente positivas da comunicação na web.

Sabedores do poder adquirido pelos sistemas de comunicação na internet, os partidos políticos já estão preparados para a batalha eleitoral e estima-se, de acordo com dados da revista Carta Capital, que os principais candidatos à presidência da república, por exemplo, irão gastar mais de 30 milhões de reais somente com o marketing digital na campanha deste ano.

O principal palco desta batalha política na internet certamente será o Facebook. Em 2010, ano em que ocorreram as últimas eleições presidenciais, existiam cerca de 8,8 milhões de brasileiros cadastrados na rede social criada por Mark Zuckerberg. Este ano, já são mais de 76 milhões de usuários em território nacional, o terceiro maior número em todo o mundo, ficando atrás apenas de Estados Unidos e Índia. Esta expansão impressionante ganha ainda mais importância quando alinhada ao fato de o brasileiro ser um dos frequentadores mais assíduos do Facebook no planeta. Por dia, 47 milhões passam pela plataforma.

De acordo com Dênis de Moraes, as redes de comunicação alternativa muitas vezes se restringem a segmentos politizados e formadores de opinião e os principais motivos seriam a inadequação de linguagens e formatos, excessiva instrumentalização político-ideológica dos discursos informativos, escassa penetração nas zonas populacionais carentes e a ausência de politicas coordenadas de comunicação eletrônica. Assim, a construção de significado ficaria a cargo das redes sociais, com seus personagens celebridades e páginas populares.

Dois casos recentes são emblemáticos. Primeiro, o crescimento da página TV Revolta, que, sob o disfarce da militância política, tem como principal objetivo atacar o PT, partido que está no governo há 12 anos. Entre os meses de abril e maio, a página teve uma ascensão pra lá de misteriosa, alcançando o patamar de 1,5 milhão de novas curtidas. Para compararmos, em março a TV Revolta registrou cerca de cem mil novas entradas. Especialistas garantem que tamanho crescimento dificilmente se daria sem um investimento pesado, mas o responsável pela página afirma que a expansão se deu de maneira “orgânica”.

O segundo caso foi a tentativa de compra do perfil “Dilma Bolada”, que satiriza a atual presidente. Jeferson Monteiro, criador do personagem fictício que é acompanhado por mais de um milhão de pessoas, afirmou que recebeu uma proposta de um marqueteiro digital ligado a Aécio Neves, principal adversário de Dilma Roussef nas próximas eleições, para que se alinhasse aos objetivos do candidato tucano durante a campanha eleitoral.

Seja através das webmídias, seja por meio de páginas de sucesso nas redes sociais, a construção de significados na mente das pessoas acontece também na internet. No entanto, segundo Moraes, seria um erro supor que as aberturas da rede possam sobrepujar o cenário de transnacionalização da comunicação. Para ele, a comunicação virtual, gradativamente, se insere no esforço de construção de uma cultura de solidariedade social baseada numa ética de reciprocidades entre sujeitos comunicantes. Assim, reconhecer novos espaços na arena virtual não significa subordinar as batalhas políticas ao avanço tecnológico, ou ainda aceitar impulsos que subestimam mediações sociais e mecanismos clássicos de representação política.

 

Bibliografia

CASTELLS, Manoel. Redes de Comunicação e Esperança: Movimentos Sociais na Era da Internet. Rio de Janeiro: Ed. Zahar, 2013.

DOWNING, John. Mídia Radical. São Paulo: Editora Senac, 2002.

MORAES, Dênis de. Comunicação Alternativa, Redes Virtuais e Ativismo: Avanços e Dilemas In Revista de Economía Política de Economia Política de las Tecnologías de la nformación y Comunicación www.eptic.com.br, vol. IX, Nº 2, mayo-ago. 2007.

E-Links:

http://www.pragmatismopolitico.com.br/2014/05/segredos-tv-revolta.html

http://www.cartacapital.com.br/revista/801/a-artilharia-politica-no-facebook-4520.html

 

01/06/2014

Crowdfunding – A Vaquinha da Modernidade

Por Jimmy M. Pitondo

Entre as muitas válvulas de escape em relação aos meios tradicionais que o uso da internet proporciona, podemos enxergar no Crowdfunding um dos fenômenos que mais crescem com as transformações de mercado engendradas por esse uso. O financiamento coletivo funciona como uma rota alternativa para todos que possuem ideias criativas e elaboram projetos artísticos, tecnológicos, acadêmicos, enfim, projetos para os quais seus criadores não têm dinheiro necessário para colocar em prática, ou seja, é uma forma interessante de driblar o empréstimo bancário ou o patrocínio das grandes produtoras, ainda que esse financiamento também passe pela mediação de organizações como: Catarse, Kickstarter, Ulule, KissKissBankBank, entre inúmeras outras. Assim, as famosas ‘‘vaquinhas’’ tão próximas ao nosso cotidiano, organizadas por grupos a fim de levantar fundos para qualquer objetivo, ganham uma nova roupagem no mundo virtual e um valor cívico real.

É o pesquisador estadunidense Clay Shirky (2011) quem nos mostra como as relações de mercado, entre outras formas possíveis, são um tipo de norma cultural que auxiliam as trocas de coisas ou informações entre os indivíduos. Dentro dessa arquitetura descentralizada da internet, essas normas culturais são modificadas ao longo do desenvolvimento de novas formas de relações mercadológicas. Agora nos cabe levantar algumas questões sobre o funcionamento dessas trocas nesse novo caminho, suas principais vantagens e, naturalmente, problemas em relação ao seu uso.

Primeiramente o financiamento coletivo esteve ligado ao cinema. Se lançarmos um olhar retrospectivo no tempo, especificamente em 1959, vamos encontrar John Cassavetes buscando o apoio dos nova-iorquinos para financiar seu filme Shadows, já nessa primeira tentativa a vaquinha obteve êxito. Mas há 50 anos quais eram os meios que John possuía? Eles estavam no rádio, nos jornais e no boca-a-boca. Já hoje, além dessa prática encontrar-se mais ligada ao campo da música e da tecnologia, nossos contemporâneos Cassavetes atuam principalmente nas redes sociais online, como Twitter ou FaceBook, onde em tempo real é possível estimular a curiosidade e o altruísmo dos internautas, dos seus amigos e amigos dos amigos em uma escala global. Essa dinâmica se afirma nessa nova cultura de comunicação, compartilhamento e difusão rápida de ideias. Os movimentos surgem e espalham-se por contágio através de redes de comunicação, seu impacto se evidencia quando olhamos a forma pela qual o poder se exerce na comunicação e na alternância entre várias redes, vemos então como esses movimentos carregam a dynamis necessária para transformações sociais, pois abrem novos espaços onde há transformação e superação de interesses e valores hegemônicos.

Manuel Castells (2013) explora essa questão de transformação social através dos movimentos sociais conectados em rede. Mesmo não sendo um movimento social propriamente dito, a prática do Crowdfunding surge como uma forma de contrapoder multimodal, por isso se torna possível aproveitar suas ideias sobre como essa organização em redes poder se tornar responsável por significativas mudanças sociais. Através da ampliação do alcance da comunicação que a internet proporciona, o surgimento de formas de financiamento coletivo pode então ser interpretado como um contrapoder em relação as grandes gravadoras ou aos órgãos de financiamento de pesquisa. Seu crescimento é exponencial, uma vez que ‘‘A constituição de redes é operada pelo ato da comunicação. Comunicação é o processo de compartilhar significado pela troca de informações’’ (CASTELLS. 2013:11)

Dentro desse universo de trocas, o idealizador do projeto é obrigado a ir além de sua função original, pois, para que obtenha sucesso em sua busca por investimentos é necessário saber interagir nas redes sociais online e ter capacidade de manter uma relação entre a rede que está inserido e as inúmeras outras adjacentes, função essa para a qual nem todos têm habilidades. Assim, por exemplo, ao invés do artista se limitar a fazer sua arte, deve encarnar o papel de empresário e demonstrar habilidade na comunicação alternativa, o que muitas vezes faz com que o mais habilidoso em marketing viral obtenha maior espaço de visibilidade, não necessariamente sendo o mais talentoso. Compreender o pensamento de Dênis Moraes (2007) acerca da comunicação alternativa é de suma importância para desenvolver essas habilidades necessárias:

A idéia de alternatividade fundamenta-se numa dupla inserção ideológica do projeto comunicacional: alinhamento com processos de mudança social: e o combate sistemático ao sistema hegemônico. Pressupõe assumir visões transformadoras na relação com os leitores e a sociedade em geral, nos métodos de gestão, nas formas de financiamento e, sobretudo, na interpretação dos fatos social. (MORAES. 2007:4)

Vejamos alguns dados para materializar o impacto no sistema hegemônico. O kickstarter fez um levantamento em 2013, seus dados indicam um investimento de mais de 400 milhões de dólares entre 3 milhões de internautas do mundo todo. Sendo quase 20 mil projetos bem sucedidos, entre eles, o Oculos Rift recentemente comprado pelo FaceBook por 2 bilhões de dólares. O que nos leva a inúmeras questões. André Senna, pesquisador do Atos – Comunicação e consumo: estudos de recepção e ética da ESPM, nos diz: ‘‘É interessante olharmos o caso do Oculus Rift. Ele foi financiado no Kickstarter, e deu tão certo que o FaceBook comprou há algumas semanas. Os apoiadores ficaram indignados e pediram reembolso! Mas e aí, Crowdfunding é doação ou investimento?’’ Assim como Clay Shirky mostra, quando criamos uma relação de mercado em cima de algo previamente fora dessa lógica, podemos modificar profundamente essas relações, nessa perspectiva os internautas deixam de ser somente apoiadores e podem se tornar co-produtores dos projetos, dessa forma essa relação passa de uma empresa compartilhada para uma transação de mercado

Muitas empresas tentam deixar clara essa linha entre doações e investimentos, assim como é feito pela empresa My Major Company que chega a oferecer um retorno financeiro em certos casos. Mas ainda assim enfrentou diversas críticas no âmbito da transparência em relação ao que é feito com o dinheiro e a chance de retorno do investimento. Organizações como Ulule e KissKissBankBank deixam claro que no caso do projeto não avançar, ou seja, não conseguir a quantia necessária, toda a operação é cancelada e o investimento devolvido aos financiadores. Com isso vemos nesse universo de financiamento coletivo uma pluralidade de situações e formas, com o surgimento de novas startups e os avanços da legislação sobre o tema, veremos um desenvolvimento profundo nesse tipo de ação. Agora, onde está o Brasil nesse universo?

Aqui em Pindorama é interessante notar a diferença do perfil dos apoiadores em relação ao exterior. Apesar de estarmos ainda engatinhando na compreensão da internet como uma ferramenta para além do trivial entretenimento, é possível enxergar um interesse maior em projetos culturais e sociais, enquanto no exterior o que prevalece são os projetos ligados a tecnologia e aos games, como no caso envolvendo o próprio criador do MegaMen em 2013, onde foram arrecadados via kickstarter quase 4 milhões de dólares para reviver o veterano jogo de ação. Já aqui também temos algumas organizações voltadas ao auxílio ao financiamento coletivo, entre elas, Catarse, Arrekade e a Vakinha Online. Em 2013 a banda Raimundos lançou seu último CD, Cantigas de Roda, com a ajuda de 1699 apoiadores e 123, 278 reais em contribuições, 68, 278 reais a mais do que o valor necessário para o desenvolvimento do projeto. Além de uma interessante vantagem relativa ao valor da contribuição, com 10 reais ou mais o apoiador ganhou o download antecipado e seu nome escrito na galeria dos apoiadores, 35 reais ou mais, todos os prêmios anteriores e mais o CD físico em casa; essa relação entre o valor doado e suas vantagens chegam até o patamar de 5 mil reais, no qual o indivíduo ganhou além dos prêmios já mencionados, um CD autografado, camiseta, Vinil, ingresso com backstage e camarim para qualquer show no ano seguinte com direito a acompanhante,entre inúmeros outros prêmios.

Dessa forma, esse é um universo cheio de possibilidades para ambos os lados, assim como Senna nos fala: ‘‘Cara, o Crowdfunding é uma ferramenta muito legal, senão a melhor, para tirar do papel ideias legais e desafiadoras que jamais iriam ao mercado por conta própria naquele momento. É uma forma de fazer arte e tecnologia que vai além do lucro por si só, pois, acaba engajando a comunidade. É um processo em amadurecimento: o surgimento do Kickstarter e Catarse mostram que o Crowdfunding pode ser mais que uma simples vaquinha virtual, e quando o processo se torna uma relação de troca, os resultados são bem melhores. Mas muitos ainda estão aprendendo a usar a ferramenta. Vejo o ceticismo aumentando nos próximos tempos, mas também vejo esse amadurecimento rolando. ’’ Naturalmente ainda há outras questões em aberto para discussões, o objetivo desse texto foi apenas ilustrar os principais pontos desse fenômeno em crescimento e, principalmente, evidenciar como o uso da internet através das redes acaba transformando por diversas formas determinadas relações sociais previamente asseguradas em contextos socioculturais e mercadológicos.

Contudo, qualquer tipo de conhecimento apenas ganha vida ao lado de mentes capazes de compreendê-lo, o uso desse conhecimento pelos brasileiros ainda em fase rudimentar, mostra como ainda é grande o caminho para melhorar o uso desse meio como uma ferramenta para reprogramar a organização econômica e cultural através de transformações sociais mais diretas e dinâmicas, condizentes com esse novo tempo de contrastes entre o velho e o novo na Modernidade, potencializado pela espontaneidade permitida pelos novos meios que possuem essa forma mais descentralizada e espontânea.

Bibliografia
CASTELLS, Manoel. Redes de Comunicação e Esperança: Movimentos Sociais na Era da Internet. Rio de Janeiro: Ed. Zahar, 2013.
DENIS, Jacques. Crowdfunding, a Corrente da Amizade In Le Monde Diplomatique Brasil. São Paulo: Ano 7, nº 81, 2014.
MORAES, Dênis de. Comunicação Alternativa, Redes Virtuais e Ativismo: Avanços e Dilemas In Revista de Economía Política de Economia Política de las Tecnologías de la nformación y Comunicación www.eptic.com.br, vol. IX, Nº 2, mayo-ago. 2007.
SHIRKY, Clay. A Cultura da Participação: Criatividade e Generosidade no Mundo Conectado. Rio de Janeiro: Ed. Zahar, 2011.

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