Cultura digital, sociedade e política

02/07/2014

Então não é pra ir ou é? – Eventos nas Redes sociais e seus objetivos

Filed under: Alessandra Borges dos Santos — Tags:, , , — oliriaribeiro @ 10:56

As redes sociais têm um papel crucial para a comunicação de seus usuários com outras pessoas. É considerado um meio rápido e eficaz de contato. Nela também é encontrada a liberdade de expressão de qualquer indivíduo, seja para divulgação de trabalhos, eventos, críticas e opiniões sobre cultura, comportamento, religião e política, publicação de notícias, compartilhamento de informações.

Sendo assim, as redes sociais são espaços de livre expressão e de usos diversificados diferentemente de outros veículos convencionais de comunicação que mantém uma hegemonia sobre o poder de publicação e divulgação das informações, como televisão e jornais. Pela primeira vez um veículo de comunicação permite que esta ocorra de muitos com muitos. Isso possibilita uma produção de diálogo diferenciada sobre os demais meios de comunicação. Os processos dinâmicos de rede são efeitos colaterais dos processos de interação entre os indivíduos nas redes. As redes por sua vez estão condicionadas a processos de agregação, separação, caos, ordem e ruptura.

Por isso, esses espaços virtuais ficam muitas vezes com uma acumulação de informações pessoais e públicas, opiniões sobre diversos assuntos, dados e notícias compartilhados. Muitas vezes por conseqüência disso, muitas coisas passam sem serem percebidas. É preciso encontrar maneiras de serem vistos nesse emaranhado de informações e de despertar interesse dos usuários.

Foi encontrada uma nova forma de divulgar opiniões e propiciar maior adesão à elas, os eventos criados no facebook são um exemplo disso. A ferramenta de criar evento tradicionalmente usado para marcar reuniões, festas e manifestações começa a ser usado para expor opiniões e também humor.

Para verificar esse novo fenômeno foi feita uma pesquisa rápida na rede, dentro do meu próprio perfil fui convidada para diversos eventos como estes mencionados como, por exemplo: “Festa de fim de carreira do Aécio”. Isso na realidade não é uma festa que vai realmente acontecer e sim uma forma de manifestação de rejeição ao político citado. Existem outros eventos no mesmo perfil que abrangem outros políticos, como a atual presidenta Dilma Rousseff.

Esse tipo de expressão só toma grande repercussão com a declarada presença de vários usuários da rede e com essa confirmação acaba existindo um maior número de divulgação através do compartilhamento e visualização do evento no feed de noticias¹ dos amigos do usuário. Isso é o sistema de cooperação e processo formador de estruturas sociais através de interesses e finalidades do grupo (RECUEDO, 2008).

Assim como eventos com demonstrações de opiniões políticas são facilmente aderidos na rede, os de humor se espalham com a mesma facilidade e rapidez pela internet, divertindo os usuários com trocadilhos e piadas.

Não sabemos pra onde à evolução da internet caminha, porém já sabemos que as redes não ficam em estado de pausa sem mudança nenhuma. As redes são dinâmicas e estão em contínuo processo de mutação. Essas transformações nas redes sociais, são largamente influenciadas pelas interações entre os atores no mundo virtual.

 

NOTAS

1 - Espaço onde todas as publicações relacionadas a você, seus amigos e paginas que são de seu interesse aparecem.

 

BIBLIOGRAFIA

 

CASTELLS, Manuel. A galáxia internet: Reflexões sobre internet, negócios e sociedade. Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 2004

LEMOS, Andre; LEVY, Pierre. O futuro da internet. São Paulo, Paulus, 2010

MORAES, Dênis de. Comunicação Alternativa, Redes Virtuais e Ativismo: Avanços e Dilemas In Revista de Economía Política de Economia Política de las Tecnologías de la información y Comunicación www.eptic.com.br, vol. IX, Nº 2, mayo-ago. 2007.

RECUEDO, Raquel. Redes Sociais na Internet. Porto Alegre. Editora Meridional, 2009

 

26/06/2014

Food for Thought

 

Faz parte da nossa história retratar comida, desde os primórdios, e mais tarde na transição da Idade Média para a Idade Moderna, o gênero artístico natureza morta fez grande sucesso nos séculos XVI e XVII[1], o pintor Giuseppe Arcimboldo[2] inovou nessa técnica retratando, entre vários, seus mecenas utilizando frutas, legumes, verduras e peixes.

 

Fonte: http://www.giuseppe-arcimboldo.org

Fonte: http://www.giuseppe-arcimboldo.org

 

Posteriormente com a invenção do rádio e da televisão os programas de culinária garantiram seu lugar nas grades horárias das emissoras. E ainda hoje as receitas, de alguma forma, também fazem parte de programas de entretenimento ou diversidade, sem terem perdido seus programas exclusivos.
Recentemente, na era digital, essa idolatria mantém-se presente nas ferramentas digitais, aplicativos para smartphones e tablets, blogs, fotologs, comunidades e redes sociais. Ao olhar o Facebook é possível verificar a grande quantidade de posts relacionados a comida e confraternizações envolvendo comida, os quais parecem aumentar ainda mais, caso seja feriado, ou se alguns dos amigos estão de férias. A comida tem grande importância para nós, e o fato de poder compartilhar imagens de churrascos, almoços, jantares, sobremesas e sorvetes com os amigos parece potencializar a sensação de prazer já associada à comida. Isso não se limita ao rol de comidas de confraternização, as comidas saudáveis, aquelas pós-malhação, ou as pertencentes à dieta de perda de peso, também têm seu lugar.

De acordo com o Jornal da Manhã, de Minas Gerais, em janeiro de 2014, há 1,19 bilhão de usuários no Facebook, os quais clicam no botão de curtir 4,5 bilhões de vezes todos os dias, e compartilham a cada 24 horas, 4,75bilhões atualizações de status, vídeos e fotos de gatos e de comida.[3]

Ao combinarmos a já antiga pré-disposição ao compartilhamento de comida em momentos de celebrações, à portabilidade e agilidade que a tecnologia trouxe através dos smartphones e tablets, e o espírito do compartilhamento presente na internet, que faz parte de sua gênese, o resultado são as grandes quantidades de atualizações de status diárias, relacionadas a refeições, receitas e comida em geral.
http://www.giuseppe-arcimboldo.org

http://www.giuseppe-arcimboldo.org

As tecnologias digitais também revolucionaram as relações sociais criando uma nova dinâmica. As redes sociais são responsáveis pelo desenvolvimento de novas formas de interação e através dela é possível perceber o tipo de relação que se tem com os outros atores e com o objeto em questão (Recuero, 2009: 33). O compartilhamento de fotos ao lado de potes de Nutella, bolinhos de bacalhau, ou até celebrando a conclusão de uma receita de família preparada de forma caseira nos moldes tradicionais ajudam a revelar o estilo de vida e as mensagens que determinada pessoa busca transmitir. Ao associar-se a uma comunidade, ou integrar-se a um grupo, obtém-se acesso a diferentes conteúdos produzidos também por esses atores, e novas relações têm início através disso.

Ao associar-se a uma comunidade no Orkut, por exemplo, ou ao comentar em um novo weblog ou fotolog, um indivíduo pode estar iniciando interações através das quais vai ter acesso a um tipo diferente de capital social, ou ainda, a redes diferentes. (RECUERO, 2009: p.52)

Nesse novo ambiente as relações sociais se desenvolvem sem necessariamente as pessoas se conhecerem, mas o fato de publicarem suas preferências e atividades as une, criando assim novas comunidades, consequentemente novas discussões e posteriormente novos conteúdos, dando início a um novo ciclo que se repetirá por várias vezes.

As fotos também têm papel importantíssimo nesse cenário, uma vez que são elas as responsáveis por aproximar os interlocutores, através das imagens. Benjamin em seu texto “A Obra de Arte na Era de Sua Reprodutibilidade Técnica” menciona exatamente essa propriedade da fotografia, que é “fazer as coisas ficarem mais próximas” (Benjamin, 1985: 170), mas em detrimento do caráter único das obras de arte.

A questão da exclusividade da obra, ou nesse caso da imagem ou foto, ou ainda a propriedade desta não é um problema, o valor desse material está totalmente relacionado ao seu compartilhamento, à quantidade de curtidas que a foto receberá e à quantidade de re-compartilhamentos que ela tiver. Esse é o ponto de convergência com a filosofia da internet, associada à liberdade de criação e a sua função de ser “o maior repositório de informações que a humanidade já viu” (Amadeu; Santana, 2007).

Ao se compartilhar a foto o objetivo é comunicar o estado de espírito, as relações sociais, o estilo de vida. Os mais variados sentimentos e desejos podem ser retratados através da prato que integra a foto: se a pessoa está em um restaurante chique ou não, se está na intimidade de um jantar com pessoas bonitas e famosas, se está comunicando que cultiva o corpo e a mente saindo da academia e “curtindo” um prato saudável, se precisa fazer inveja aos outros, ou se precisa incitá-los a cometer o pecado da gula e comer aquela sobremesa maravilhosa.

A capacidade de comunicação que a comida tem é imensa. Associado a isso há o fato de que “o compartilhamento em si é uma característica humana, não tecnológica” (Shirky, 2011: 142). A evolução da tecnologia em geral e a internet proporcionaram as ferramentas para tornar esse compartilhamento mais rápido, barato, fácil e interessante.

http://www.giuseppe-arcimboldo.org

http://www.giuseppe-arcimboldo.org

Uma agência de propaganda mapeou o que motiva o compartilhamento de fotos de comida: 25% são fotos cotidianas apenas para mostrar aos outros o que se está comendo; 22% estão documentando pratos que foram preparados por elas mesmas, seja como uma comemoração da conquista, ou buscando aprovação da comunidade, ou apenas elogios; 16% estão compartilhando uma ocasião especial, a qual foi comemorada com uma refeição ou prato especial, 12% é pura arte, a mesma coisa que Giuseppe Arcimboldo ou Paul Cézanne faziam séculos atrás, aqui busca-se aliar o alimento à arte com a finalidade de se inspirar os outros, ou transmitir alguma emoção, ou apenas compartilhar uma coisa bonita; e os últimos 10% estão compartilhando um bom momento com a família ou amigos, para o qual utilizam a comida como elemento de socialização, esse grupo de certa forma une-se aos 16% que compartilham a ocasião especial.[4]

Essa imensa capacidade de comunicação que a comida apresenta é por sua vez apreciada e reconhecida pela economia formal tradicional, a qual procurará fazer uso e apropriar-se. É importante frisar que o conceito de apropriação não está relacionado tanto à propriedade, mas sim ao direcionamento do uso da imagem (Amadeu; Santana, 2007). As empresas sabem que monopolizar as imagens não é viável, é melhor pegar carona no compartilhamento e atingir o maior número possível visualizações. Isso é verdade se o que se está compartilhando é positivo para o produto, caso contrário vale a regra tradicional de propriedade e busca-se retirar a imagem de circulação.

http://www.giuseppe-arcimboldo.org

http://www.giuseppe-arcimboldo.org

Quanto mais espontâneo for o compartilhamento da imagem que contém um determinado produto, melhor será para seu fabricante, tanto no que diz respeito à presença da marca na mente dos consumidores, quanto no que diz respeito ao custo, uma vez que será uma propaganda gratuita. Acredito ser possível dizer que um dos objetivos das áreas de marketing atualmente é ter um post de Facebook, Flickr, ou Instagram que torne-se um viral.

 

[1] De acordo com Wikipédia: natureza-morta é um tipo da pintura e da fotografia que retrata seres inanimados: como frutas, louças, instrumentos musicais, flores, livros, taças de vidro, garrafas, jarras de metal, porcelanas, dentre outros objetos. Esse gênero de representação surgiu da Grécia Antiga, e também se fez presente em afrescos encontrados nas ruínas de Pompéia. A denominação Natureza morta, conforme o alemão Norbert Schneider, surgiu na Holanda no século XVII, nos inventários de obras de arte. A expressão competiu durante algum tempo com natureza imóvel e com representação de objetos imóveis no século XVIII

[2] Giuseppe Arcimboldo (Milão, 1527 – 1599) foi um pintor italiano, suas obras principais incluem a série “As quatro estações”, onde usou, pela primeira vez, imagens da natureza, tais como frutas, verduras e flores para compor fisionomias humanas. A partir de 1562 morou em Praga, então capital do reino da Boêmia e hoje da República Tcheca, onde consolidou sua carreira como artista. Serviu na corte de Fernando I e de seus sucessores, Maximiliano II e seu filho Rodolfo II, grandes mecenas. Arcimboldo foi admirado como artista pelos três monarcas, tornou-se pintor da corte e chegou a ser nomeado Conde Palatino.

[3] Jornal da Manhã, 23/01/2014, Disponível em: http://www.jmonline.com.br/novo/?noticias,22,ARTICULISTAS,90235. Acesso em:16 Jun.2014.

[4] Disponível em: www.360i.com/reports/online-food-photo-sharing-trends/. Acesso em: 02 junho.2014.

 

 

BIBLIOGRAFIA

AMADEU, Serio; SANTANA,Bianca. Diversidade Digital e Cultura in Seminário Internacional sobre Diversidade Cultural: práticas e perspectivas, 2007, Brasília. Disponível em http://diversidadedigital.blogspot.com.br. Acesso em 02 junho 2014.

MORAES, Denis. Comunicação Alternativa, Redes Virtuais e Ativismo: Avanços e Dilemas. Revista de Economía Política de las Tecnologías de la Información y Comunicación, Vol. IX, #2, mayo-ago/2007. Disponível em www.eptic.com.br. Acesso em: 02 junho 2014.

BENJAMIN, Walter. A Obra de Arte na Era de Sua Reprodutibilidade Técnica (Primeira Versão). Magia e Técnica, Arte e Política. São Paulo: Editora Brasiliense, 1985.

RECUERO, Raquel. Redes Sociais na Internet. Porto Alegre: Editora Sulina, 2009.

SHIRKY, Clay. A Cultura da Participação – Criatividade e generosidade no mundo conectado. Rio de Janeiro: Zahar, 2011.

Opiniões e Ódio na Internet

 

Todos sabem que a internet colaborou com a disponibilização rápida da informação, que as redes sociais permitiram que as pessoas se encontrem e se organizem, tanto virtualmente quanto fisicamente, e que também manifestem-se e exponham as suas opiniões diante dos mais diversos assuntos. Entretanto, o que acho que não está claro para todos, é como este progresso também facilitou às pessoas dizerem o que pensam das mais variadas formas, sem pensarem nas conseqüências, ou mais especificamente a agredirem-se.

Fonte: http://outraspalavras.net/brasil/facebook-um-mapa-das-redes-de-odio/

Fonte: http://outraspalavras.net/brasil/facebook-um-mapa-das-redes-de-odio/

Vivemos em um momento em que há mais engajamento político, com manifestações anti-globalização, a crise financeira de 2007, a primavera árabe e todos os protestos ao redor do mundo, questionando ações políticas e econômicas, o Brasil não foi exceção. Busca-se muito mais uma democracia participativa do que uma democracia representativa (Rueda, 2008: 15), e nesse momento expressar-se através das redes sociais, ou fazer comentários em revistas on-line e blogs torna-se quase que mandatório.

Atualmente é muito comum ver no Facebook, por exemplo, diversos posts exaltando uma opinião ou ideologia específica, recriminando as opiniões diferentes e as colocando em posição de antagonismo total. Além disso, os comentários a esses posts muitas vezes vão além dos debates, onde expressam-se opiniões e procura-se um alinhamento, para se chegar a verdadeiros bate-bocas, com agressões, desqualificações e xingamentos. O espaço para comentários, ao invés de permitir que o assunto evolua acaba por reduzi-lo a antagonismos recheados de agressões. Interessante que o tema pode ser variado, mas a situação mais comum a ser encontrada são as acusações de comunista e de neo-liberal, dependendo de quem colocou o assunto em discussão. O primeiro comentário negativo sobre o tema é a acusação de uma opção política. Até mesmo em relação ao uso da tecnologia recai-se nessa discussão. De acordo com William J. Mitchell:

A essa altura, já conhecemos bem os previsíveis subtextos ideológicos dessas duas posições antagônicas. Da direita governamentalista vem a ideia de que, como a tecnologia digital pode melhorar nossa situação, ela certamente o fará – contanto que não se toque no mercado. Da esquerda legalista vem a réplica de que, como os ricos e poderosos são sempre os primeiros a se beneficiar das novas tecnologias e os mercados não são amigos dos marginalizados, precisamos de uma vigorosa intervenção do governo para garantir que os computadores e as telecomunicações não criem um abismo digital intransponível entre os que têm e os que não têm. E é claro que os neoluditas estão totalmente convencidos de que temos mais a perder do que a ganhar, e por isso deveríamos cavar trincheiras e resistir  (MITCHELL, 2002: p30).

Escrever é uma arte, escrever na internet também o é, uma vez que existe a necessidade de se combinar rapidez, precisão e síntese. A meu ver, essa combinação torna-se explosiva, e é um dos elementos que proporciona o extremismo de manifestação.

O ato de escrever requer conhecimento do tema, disponibilidade de tempo, habilidade e treino. A combinação de todas essas características na maioria das vezes não está presente na maioria das pessoas, entretanto o ambiente virtual é totalmente convidativo à manifestação de opiniões, e em geral, de opiniões escritas. Além disso, o ambiente virtual apresenta mais uma complicação, tem como principal característica a velocidade, é necessário se manifestar rapidamente, caso contrário: o assunto deixa de ser importante, outros comentários são escritos e a conversa muda seu rumo. Associado a isso, é necessário ao escrever, ser conciso e sucinto, garantindo assim que as pessoas leiam o que foi escrito, caso contrário perde-se o interesse.

Do ponto de vista do leitor, a leitura permite uma livre interpretação do texto, uma vez que a entonação é dada por ele, e não pelo escritor, então uma vírgula mal empregada, ou sua omissão, ou ainda uma leitura sugestionada já permite a interpretação de uma agressão, que requer um contra-ataque.
A existência de conflito é natural e esperada, faz parte do processo, “a interação social é compreendida como geradora de processos sociais a partir de seus padrões na rede, classificados em competição, cooperação e conflito” (Recuero, 2009: 81). Entretanto o que venho percebendo é um esvaziamento da discussão principal em benefício da troca de agressões, do extremismo.

Ao analisar os comentários da matéria chamada Facebook: um mapa das redes de ódio, de Patrícia Cornils, no blog Outras Palavras, na qual ela conversa com o pesquisador Fábio Malini, do Laboratório de Estudos sobre Imagem e Cibercultura (Labic) na Universidade Federal do Espírito Santo, é possível perceber essa realidade. A matéria trata da pesquisa de Fábio Malini, que mapeou as páginas de facebook “dedicadas a defender o uso da violência contra o que chamam de “bandidos”, “vagabundos”, “assaltantes”, fazer apologia a linchamentos e ao assassinato, defender policiais, publicar fotos de pessoas “justiçadas” ou mortas violentamente, vender equipamentos bélicos e combater os direitos humanos” (Cornils, 2014), a agressividade estava presente, não apenas por conta do tema, mas também nos comentários.

Há um total de 39 comentários, sendo 1 deles uma correção, portanto 38 comentários válidos, dos quais 21 considerei normais e 17 considerei agressivos ou muito agressivos. Por agressividade considerei xingamentos, palavras agressivas, ou irônicas, ou debates bilaterais específicos. Apesar de ter feito a análise para uma única matéria, acredito que essa distribuição repete-se com freqüência, e dependendo da fonte e do assunto tende a inverter-se, tendo mais conteúdo agressivo do que neutro.

Resumindo, a questão do conflito é importante, porque é ela que faz o mundo mover-se, sem o conflito não há pensamento, não há crítica, não há evolução.

Para Simmel (1950 e 1964) os conflitos envolvem, ao mesmo tempo, harmonia e dissonância. Um sistema completamente harmônico não pode existir, pela sua incapacidade de mudança e evolução. O autor explica que o conflito tem aspectos positivos, não sendo por si só um elemento negativo para o sistema social. (RECUERO, 2009: p.85).

Entretanto o que estamos experimentando é um exagero de conflito, o qual acaba por empobrecer a discussão, o objetivo principal em debater não é explorar as idéias, mas sim vencer o oponente, o que transfere o foco da discussão para um objetivo completamente diferente do inicial.
Essa situação também deságua em outros dois dilemas muito em voga na atualidade, até onde vai o direito de expressar-se e a liberdade na internet. O caráter libertário da internet foi o que fomentou e organizou os movimentos sociais que representaram a indignação do público do mundo inteiro contra o 1% mais rico do mundo, durante a crise financeira mundial de 2008. Naquele momento as pessoas esqueceram suas diferenças e uniram-se a fim de manifestar.

Mas foi basicamente a humilhação provocada pelo cinismo e pela arrogância das pessoas no poder, seja ele financeiro, político ou cultural, que uniu aqueles que transformaram o medo em indignação, e indignação em esperança de uma humanidade melhor. Uma humanidade que tinha de ser reconstruída a partir do zero, escapando das múltiplas armadilhas ideológicas e institucionais que tinham levado inúmeras vezes a becos sem saída, forjando um novo caminho, à medida que o percorria.(CASTELLS, 2013: p.8).

Essa indignação toda, que uniu as pessoas, permitiu que superassem medo e constrangimento de se manifestar sobre o que consideravam errado. Será que essa mesma indignação está agora re-agrupando as pessoas, umas contra as outras ? Será que estamos voltando ao ponto de partida, no momento anterior à crise, onde as diferenças é que permitiram que uma crise se instaurasse ? “É possível observar-se em um blog não apenas a interação em um comentário, mas as relações entre várias interações e perceber-se que tipo de relação transpira através daquelas trocas.” (Recuero, 2009: 31).

São esses comentários, carregados de tensão e agressividade que identificam e unem os grupos, criando novas comunidades, as quais irão debater umas contra as outras, nos mesmos moldes, sempre em nome de sua liberdade de expressão. A impressão é de que a liberdade de expressão está acima do que é possível fazer para melhorar a condição de vida dos 99% menos ricos, e que voltamos à época da guerra fria, onde ou se é pró-EUA, ou pró-Rússia, não há nada no meio.

Fonte: http://outraspalavras.net/brasil/facebook-um-mapa-das-redes-de-odio/

Essas questões, que não são novas, tendem cada vez mais a intensificar-se, e a solução distante de ser atingida, especialmente se a condução do debate seguir o padrão atual, onde as pessoas culpam umas às outras pela dificuldade que enfrentam, buscam vencer as discussões, e não trabalham no sentido da melhora.

 

 

BIBLIOGRAFIA:

CORNILS, Patrícia. Facebook: um mapa das redes de ódio. Blog Outras Palavras. São Paulo, Mar.2014. Disponível em: http://outraspalavras.net/brasil/facebook-um-mapa-das-redes-de-odio/. Acesso em 18 Jun.2014.

RUEDA, Rocio. Cibercultura: metáforas, prácticas sociales y colectivos en red. Revista Nomadas (Col.), Num. 28, Abril 2008, PP. 8-20. Universidad Central, Bogotá, Colômbia. Disponível em: http://www.ucentral.edu.co/images/stories/iesco/revista_nomadas/28/nomadas_1_cibercultura.pdf. Acesso em: 18 Jun.2014.

CASTELLS, Manuel. Redes de Indignação e Esperança – Movimentos Sociais na Era da Internet. Rio de Janeiro: Zahar, 2013.

MITCHELL William J. – E-topia A Vida Urbana – mas não como conhecemos. São Paulo: SENAC, 2002.

RECUERO, Raquel. Redes Sociais na Internet. Porto Alegre: Editora Sulina, 2009.

25/06/2014

A construção de significados nas redes sociais

Filed under: Guilherme Camargo Lima — Tags:, , , , — guilhermecamargo @ 16:04

Em época de campanha eleitoral, um novo componente parece tomar cada vez mais corpo e pode se tornar fator decisivo no pleito que se realizará no próximo mês de outubro para eleger presidente, governadores e deputados Brasil afora. A internet, e principalmente as redes sociais, ganhou lugar de destaque nas manifestações políticas que se desenrolaram pelo mundo nos últimos anos, passando a exercer papel fundamental no que diz respeito à organização de grupos sociais que reivindicam melhores condições de vida, justiça social, maior liberdade ou até mesmo que cansaram de se ver desprezados pelos detentores do poder.

Além de sua capacidade de aglutinar indivíduos com interesses em comum, as redes sociais da internet, como afirma Manuel Castells, são espaços de autonomia, muito além do controle de governos e empresas, que ao longo da história monopolizaram os canais de comunicação como alicerces de seu poder. Desta forma, a rede mundial de computadores, além de amedrontar a classe dirigente, possibilita a produção de uma comunicação alternativa, que serve de resposta à mídia tradicional e hegemônica, mas, obviamente, sem o mesmo alcance dos grupos de comunicação estabelecidos ao longo dos anos. O sociólogo espanhol ainda salienta que aqueles que detêm o poder constroem as instituições seguindo seus valores e interesses e que este poder é exercido por meio da coerção e/ou pela construção de significados na mente das pessoas, mediante mecanismos de manipulação simbólica.

Neste cenário, Dênis de Moraes garante que é preciso conceber a internet como mais uma arena de lutas e conflitos pela hegemonia, de batalhas permanentes pela conquista do consenso social e da liderança cultural-ideológica de uma classe ou bloco de classes sobre as outras.

Aqui, o papel da comunicação alternativa parece bastante claro, apesar de a terminologia utilizada ser considerada paradoxal por alguns autores. Segundo John Downing, “alternativo” afirma que qualquer coisa, em algum ponto, é alternativa a alguma outra. O jornalista canadense costuma utilizar o termo “mídia radical alternativa” e diz que ele é mais completo que os demais, inclusive “comunitária” e “popular”, que para ele podem facilmente ocultar mais que revelar, pois seriam mais firmes naquilo que excluem – a mídia convencional – do que naquilo que significam. Apesar deste significado variado e aparentemente impreciso, a comunicação alternativa deve ser vista, independentemente do termo selecionado, como uma opção às mídias enquanto instrumentos de poder. Para Downing, ela deve expressar oposição direta à estrutura de poder, além de obter apoio e solidariedade a fim de construir uma rede de relações contrária às políticas públicas ou mesmo à própria sobrevivência da estrutura de poder. Na mesma linha de pensamento, Moraes acredita que a mídia alternativa tem o papel de constituir espaços de afirmações de óticas interpretativas críticas e de práticas jornalísticas cooperativas, com a finalidade de defender a diversidade informativa e os valores éticos.

Porém, seria um quanto tanto inocente acreditar que o desenvolvimento de um sistema de comunicação contra hegemônico pudesse se desenvolver sem impedimentos por parte das classes dominantes. Os grandes grupos de mídia, alinhados àqueles que detêm o poder, controlam os maiores portais da internet e, consequentemente, atraem a maioria absoluta dos anunciantes dispostos a investir na web. Esta disposição em manter o domínio sobre a produção de informação se justifica pelo fato de os grupos dominantes compreenderem perfeitamente bem o poder simbólico da construção de significados nas mentes das pessoas. Recorrendo mais uma vez aos conceitos de Manuel Castells, podemos afirmar que a coerção e intimidação, baseadas no monopólio estatal de capacidade de exercer a violência, são mecanismos essenciais de imposição da vontade dos que controlam as instituições da sociedade. Porém, a construção de significados no imaginário dos indivíduos é uma fonte de poder mais decisiva e estável. Castells salienta que poucos sistemas institucionais podem perdurar baseados unicamente na coerção. Torturar corpos, diz ele, é menos eficaz que moldar mentalidades e a principal fonte de produção social de significado é o processo de comunicação socializada.

Este processo de comunicação se alterou significativamente com as tecnologias da era digital e seu alcance passou a atingir todos os domínios da vida social. Assim, assegura Castells, embora cada mente humana construa seu próprio significado interpretando em seus próprios termos as informações comunicadas, esse processamento mental é condicionado pelo ambiente da comunicação. Desta forma, a mudança do ambiente afeta diretamente as normas de construção de significado e, portanto, a produção das relações de poder.

Algumas características deste novo modelo, como a instantaneidade, a descentralização, a rapidez, o barateamento e, principalmente, a autonomia frente às diretivas ideológicas e mercadológicas da mídia hegemônica, são ressaltadas por Moraes como características extremamente positivas da comunicação na web.

Sabedores do poder adquirido pelos sistemas de comunicação na internet, os partidos políticos já estão preparados para a batalha eleitoral e estima-se, de acordo com dados da revista Carta Capital, que os principais candidatos à presidência da república, por exemplo, irão gastar mais de 30 milhões de reais somente com o marketing digital na campanha deste ano.

O principal palco desta batalha política na internet certamente será o Facebook. Em 2010, ano em que ocorreram as últimas eleições presidenciais, existiam cerca de 8,8 milhões de brasileiros cadastrados na rede social criada por Mark Zuckerberg. Este ano, já são mais de 76 milhões de usuários em território nacional, o terceiro maior número em todo o mundo, ficando atrás apenas de Estados Unidos e Índia. Esta expansão impressionante ganha ainda mais importância quando alinhada ao fato de o brasileiro ser um dos frequentadores mais assíduos do Facebook no planeta. Por dia, 47 milhões passam pela plataforma.

De acordo com Dênis de Moraes, as redes de comunicação alternativa muitas vezes se restringem a segmentos politizados e formadores de opinião e os principais motivos seriam a inadequação de linguagens e formatos, excessiva instrumentalização político-ideológica dos discursos informativos, escassa penetração nas zonas populacionais carentes e a ausência de politicas coordenadas de comunicação eletrônica. Assim, a construção de significado ficaria a cargo das redes sociais, com seus personagens celebridades e páginas populares.

Dois casos recentes são emblemáticos. Primeiro, o crescimento da página TV Revolta, que, sob o disfarce da militância política, tem como principal objetivo atacar o PT, partido que está no governo há 12 anos. Entre os meses de abril e maio, a página teve uma ascensão pra lá de misteriosa, alcançando o patamar de 1,5 milhão de novas curtidas. Para compararmos, em março a TV Revolta registrou cerca de cem mil novas entradas. Especialistas garantem que tamanho crescimento dificilmente se daria sem um investimento pesado, mas o responsável pela página afirma que a expansão se deu de maneira “orgânica”.

O segundo caso foi a tentativa de compra do perfil “Dilma Bolada”, que satiriza a atual presidente. Jeferson Monteiro, criador do personagem fictício que é acompanhado por mais de um milhão de pessoas, afirmou que recebeu uma proposta de um marqueteiro digital ligado a Aécio Neves, principal adversário de Dilma Roussef nas próximas eleições, para que se alinhasse aos objetivos do candidato tucano durante a campanha eleitoral.

Seja através das webmídias, seja por meio de páginas de sucesso nas redes sociais, a construção de significados na mente das pessoas acontece também na internet. No entanto, segundo Moraes, seria um erro supor que as aberturas da rede possam sobrepujar o cenário de transnacionalização da comunicação. Para ele, a comunicação virtual, gradativamente, se insere no esforço de construção de uma cultura de solidariedade social baseada numa ética de reciprocidades entre sujeitos comunicantes. Assim, reconhecer novos espaços na arena virtual não significa subordinar as batalhas políticas ao avanço tecnológico, ou ainda aceitar impulsos que subestimam mediações sociais e mecanismos clássicos de representação política.

 

Bibliografia

CASTELLS, Manoel. Redes de Comunicação e Esperança: Movimentos Sociais na Era da Internet. Rio de Janeiro: Ed. Zahar, 2013.

DOWNING, John. Mídia Radical. São Paulo: Editora Senac, 2002.

MORAES, Dênis de. Comunicação Alternativa, Redes Virtuais e Ativismo: Avanços e Dilemas In Revista de Economía Política de Economia Política de las Tecnologías de la nformación y Comunicación www.eptic.com.br, vol. IX, Nº 2, mayo-ago. 2007.

E-Links:

http://www.pragmatismopolitico.com.br/2014/05/segredos-tv-revolta.html

http://www.cartacapital.com.br/revista/801/a-artilharia-politica-no-facebook-4520.html

 

17/06/2014

Persepolis 2.0: Quadrinhos e ciberativismo

Fonte: flickr.com

Fonte: flickr.com

O espaço virtual está se tornando um espaço comum a toda a humanidade, onde as distâncias físicas tornaram-se irrelevantes, propiciando a interação e a troca de informações entre os indivíduos, o que é muito importante para a organização de movimentos de luta política, através de redes como o Twitter, Facebook e o Youtube. Pois, segundo Manoel Castells em Redes de Indignação e Esperança os movimentos sociais se manifestam na internet, tornando-a numa espécie de ágora eletrônica onde através dela é possível denunciar as barbaridades cometidas por governos autoritários, como também convocar mais manifestantes para o embate e a ocupação de espaços públicos, as redes sociais foram muito úteis nas recentes manifestações nos países árabes, na Europa, nos EUA, e também em São Paulo.

Mas o que as histórias em quadrinhos têm haver com manifestações recentes pelo mundo e com a internet? Bem, antes do início da Primavera Árabe em 2010 com o intuito de derrubar os regimes autoritários que governam há décadas, do movimento do Los Indignados na Espanha e do Occupy Wall Street que segundo David Harvey pretendem retomar o controle do poder ao povo tirando das mãos dos magnatas que controlam o governo (Harvey, 2013), a internet já vinha sendo usada como forma de manifestação política no Irã desde 2009, e uma dessas formas foi através da adaptação da série de histórias em quadrinhos Persépolis, onde dois jovens filhos de iranianos exilados adaptaram os balões das histórias para um enredo que denúncia a falta de direitos civis do regime do ex-presidente Mahmoud Ahmadinejad, disponibilizando-as na rede, como por exemplo no site flickr.com.
Segundo Nildo Viana em sua obra Quadrinhos e Crítica Social, O Universo Ficcional de Ferdinando, as HQ são como uma expressão figurativa da realidade, através do processo de criação dos autores que as tratam como manifestação da realidade social em um universo ficcional. Podendo a partir daí retirar elementos sócio-políticos e adaptá-los aos quadrinhos.

Fonte: flickr.com

Fonte: flickr.com

O estilo graphic novel talvez seja o tipo de HQ que mais vem ganhando espaço em meio à discussão política, a HQ Persépolis em sua versão original, a autora retrata a Revolução Islâmica de 1979, a partir de uma personagem feminina que vivência eventos como a queda do regime do Xá, e a guerra entre o Irã e o Iraque. A adaptação atual feita por esses dois jovens que se denominam Payman e Sina, retrata o contexto político de 2009 onde o presidente Mahmoud Ahmadinejad foi reeleito sem que não houvesse fortes protestos de opositores que denunciavam irregularidades nessa eleição, a história mostra as manifestações contra o governo, e termina com a morte da jovem Neda Agha-Soltan durante os protestos, tornando-se um símbolo das manifestações. Ao fim também se encontra um pedido dos autores para que divulguem a HQ por meio do Facebook, Twitter e e-mail. Payman e Sina reeditaram os diálogos trazendo-os para as questões atuais criando a HQ Persépolis 2.0, com o objetivo de torná-la disponível para todo o mundo através da internet, já que o governo iraniano bloqueou uma série de blogs e páginas que lhe faziam oposição, restando às redes sociais que se tornaram o veículo de propagação dessa HQ.
Junto a isso é notável observar a presença da chamada cultura da internet descrita por Castells, em a Galáxia da Internet, que surgiu a partir do encontro dos jovens universitários na época da efervescência da contra-cultura com os aparatos tecnológicos de uso militar, foi desenvolvida para ser um espaço de criação coletiva e internacional, sendo os hackers os precursores do ativismo virtual, mas a consolidação dessa cultura ocorreu quando a internet popularizou-se por voltada década de 1990, abrindo acesso a uma grande parcela de usuários comuns, sem muita instrução sobre ela. A rede possibilitou o surgimento de um novo ambiente onde os indivíduos podem interagir em busca de uma causa social, substituindo os panfletos por e-mails e compartilhamentos como fizeram Payman e Sina e os demais que se solidarizaram.
A autora da versão original Marjane Satrapi que vive na França e é uma forte ativista pelos direitos civis no Irã, não se importou com a alteração feita em sua obra, dando autorização para que continuassem a criar um enredo que denunciava as irregularidades nas eleições de 2009, Payman e Sina que vivem em Xangai e receberam apoio através da internet para a tradução em diversas línguas, fato que lembra o que Castells discorre em Redes de Indignação e Esperança definindo a rede como um espaço que se constitui pela comunicação autônoma e livre possibilitando um contra-poder pelos movimentos sociais, assim como a divulgação de Persépolis 2.0 que ganhou apoio através de várias páginas na rede.
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Bibliografia:
CASTELLS, Manoel. Redes de indignação e esperança: movimentos sociais na era da internet. Rio de Janeiro, Zahar, 2013.
___________. A Galáxia da Internet. Rio de Janeiro, Zahar, 2003.
HARVEY, David. Os rebeldes na rua: o partido de Wall Street encontra sua nêmesis. In: Occupy: movimentos de protesto que tomaram as ruas. São Paulo, Boitempo, 2013.
VIANA, Nildo. Quadrinhos e Crítica Social. O Universo Ficcional de Ferdinando. Rio de Janeiro: Azougue, 2013.

Sites:

http://www1.folha.uol.com.br/fsp/ilustrad/fq2707200916.htm

Página acessada em 25 de maio de 2014.

https://www.flickr.com/photos/30950471@N03/sets/72157620466531333/

Página acessada em 25 de maio de 2014.

15/06/2014

Funk ostentação: as mediações digitais de uma produção cultural popular e independente

Para começar falando de funk ostentação, retomo as palavras de Hermano Vianna: “No funk, o que era “carioca” ganha sotaque paulistano e vira ostentação, gerando milhões de views no YouTube e shows lotados em todo o Brasil, mesmo sem discos ou divulgação nas rádios”.

O funk sempre foi um estilo musical de pioneirismo na produção independente. O funk carioca deu um baile: um baile na indústria cultural mostrando como é possível se divulgar, se promover e acontecer através de meios alternativos. Equipes de som de grande qualidade montadas, bailes de rua, bailes em barracões nas favelas. O Funk carioca ganhou as periferias do país.

O funk criou, desde sua consolidação nos anos 80, um circuito pioneiro de produção, circulação e consumo relativamente autônomo e sustentável em relação ao modelo das grandes gravadoras (SÁ e MIRANDA, 2011).

Ele já tem essa característica de divulgação autônoma, mas hoje, diante do cenário tecnológico que vivemos, é possível alcançar outros níveis de produção e divulgação. SÁ e MIRANDA continuam: trata-se de música para dançar, com graves acentuados pelas caixas de som, cujo valor estético deve ser apreciado nas pistas. O funk ostentação/paulista mudou esse cenário; o valor estético não é mais apreciado primordialmente nas pistas. Konrad Dantas, famoso produtor de videoclipe e criador da estética da ostentação explica no documentário Funk Ostentação – O filme : “Aí surgiu uma nova… um novo segmento pro funk né, a galera começou a entender que se não fizesse videoclipe ia ficar pra trás, o público começou a cobrar. E hoje os MCs do Rio de Janeiro já tão procurando a gente já. A galera tá impressionada, a galera quer saber como é esse lance, como que a galera de São Paulo atingiu toda essa massa”.

Como a maioria já conhece, funk ostentação é uma vertente do funk carioca que tem como temática o que o próprio nome já diz. O foco é ostentar, exaltar o consumo, roupas de marca, carros, motos, bebidas caras, mulheres…

Hoje, o videoclipe, ou melhor, o webclipe tem uma importância que antes não tinha. O público não quer apenas ouvir os MCs falarem de consumo, de mulheres, de ostentação, o público quer ver tudo isso, querem ver os iates, os passeios que são narrados em Angra dos Reis, as festas. A narrativa é acompanhada da imagem em movimento.

Também chamado de funk paulista, por ter sido criado em SP, o funk ostentação já iniciou seu processo de produção através da internet. Gravar uma música de forma caseira tornou-se mais fácil com os programas que existem hoje e após isso, é só postá-la no Youtube (existem outras redes, mas os funkeiros costumam postar suas músicas no Youtube). Agora, as referências não eram mais cariocas apenas, São Paulo também passou a produzir funk.

A mídia utilizada também mudou. O CD não tem mais importância. O que sustenta essa produção atualmente é o arquivo em MP3, MP4 e outros formatos e como disse Vianna, os views no Youtube.

Para compreender melhor esse processo, fiz o que Reguillo classifica como “navegação errante”, método de pesquisa onde não se percorre um caminho já delimitado, uma linha reta e sim percebendo as próprias tramas que são traçadas nessas redes; podemos estar em uma determinada página e por meio desta ir para outras e depois, através das outras, podemos voltar para a mesma em que estávamos no início. Não é um movimento circular, a internet e suas conexões são complexas e diversas demais para reduzi-la a um círculo, ela forma exatamente o que o nome diz: redes.

Em meu Facebook, sigo várias páginas de MCs e de organizadores de rolezinhos como Duda Mel Delambers, MC Chaveirinho, Yasmin Oliveira, Juan Carlos Silvestre (Don Juan).  Eles têm o hábito de postar vídeos de músicas, se auto-divulgando ou divulgando outros artistas, vídeos estes que estão no Youtube e tem seu link postado na página do Facebook. Tornando assim, o Facebook um mediador (REGUILLO, 2012).

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Esses atores tem o chamado capital social, categoria de análise que RUCUERO leva para a cultura digital tendo como referências os estudos de Coleman, Putnam e Bourdieu. Ela explica o capital social como um conjunto de recursos de um determinado grupo que pode ser usufruído por todos os membros do grupo, ainda que individualmente, e que está baseado na reciprocidade e está embutido nas relações sociais. É como se esses atores fossem detentores das referências culturais legítimas e aquilo que é postado por eles, se não tiver concordância (embora a tendência é que aquilo que é compartilhado por eles seja sim legitimado pelo grupo), ao menos terá grande repercussão, visibilidade, pois eles são populares.

Mas não é somente pelo fato de serem populares que eles possuem capital social. Ou melhor, eles são populares por corresponderem aos padrões legitimados pelo grupo: estético, de valores, de gostos.

Isso relaciona-se com a divulgação das músicas pela rede. Cada usuário torna-se um autor de sua trilha sonora, cada um torna-se seu próprio DJ (e influencia os seus seguidores e amigos na rede) e através da opção “compartilhar” um vai de encontro aos outros, alimentando suas trilhas sonoras mutuamente.  As redes sociais, a internet funciona como mediadora e configuradora de novas mediações na produção de sentido para esses indivíduos e divulgando os artistas do funk nesse meio. (REGUILLO, 2012)

Kondzilla com um ano de carreira tinha cinquenta videoclipes e mais de 80 milhões de exibições no Youtube e ele mesmo reforça: “Falando em números, é brutal a aceitação. Não sou eu que to falando, isso é comprovado estatisticamente lá no Youtube”.

Assim como falei no início sobre as equipes de som qualificadas, nesse gênero, o funk paulista é pioneiro em produção audiovisual independente de qualidade. Pensar na cena cultural atual, é pensar em videoclipe, em trabalhar com o imaginário estético do público através das telas, é preciso de recurso e de técnica audiovisual. E essa galera tem. Os recursos tecnológicos atuais, as redes sociais possibilitaram além da divulgação e promoção dessas produções culturais, a prova de que o funk paulista/ostentação é muito popular, que caiu no gosto do público jovem do Brasil inteiro e nem só dos jovens periféricos.

Hoje, vemos MC Guime indo para Hollywood e com música tema de abertura de novela da Rede Globo. Vemos os MCs fazendo show em casas como Credcard Hall. Vemos entrevistas e matérias sobre funk ostentação em vários programas de várias emissoras de TV. O funk ostentação que começou como produção cultural independente está sendo apropriado pela indústria cultural, ganhando mais legitimidade, perdendo autenticidade e sendo conhecido no mundo inteiro.

Não se sabe quais serão as mudanças para seu formato original diante disso, mas se sabe que foi e é um movimento periférico, popular que foi capaz de ganhar muito sucesso por si só, tanto sucesso que hoje até a mídia hegemônica sabe que precisa dele para continuar agradando seu público, embora, contraditoriamente, apesar dessa glamourização toda, o funk ainda não deixou de sofrer discriminação e de ser estigmatizado pela sociedade.

REFERENCIAS

Funk Ostentação – O filme. Direção: Renato Barreiros e Konrad Dantas. Produção: Kondilla. e 3k Produtora. São Paulo – SP. 2012. Disponível em: http://vimeo.com/53679071. Acesso em 15/06/2014

REGUILLO, Rossana.  Navegaciones errantes. De músicas, jóvenes y redes: de Facebook a Youtube y viceversa  in Nueva época, núm. 18, julio-diciembre, 2012. (Departamento de Estudos de la Comunicacion Social. Universidad de Guadalajara).

RUCUERO, Raquel.  Redes sociais na internet.  Porto Alegre:                      Sulina, 2009. (Coleção Cibercultura)

SÁ, Simone Pereira de. e MIRANDA, Gabriela. Aspectos da economia musical popular no Brasil: o circuito do funk carioca. In: HERSCHMAN, Micael (org). Nas bordas e fora do mainstream musical. Novas tendências da música independente no início do século XXI. São Paulo: Estação das Letras e Cores, 2011.

VIANNA, Hermano. Funk paulistano. 11/01/2013. Disponível em: http://hermanovianna.wordpress.com/2013/01/12/funk-paulistano/. Último acesso em: 15/06/2014

09/06/2014

Demissões provocadas por publicações nas redes sociais.

Por Priscila Camazano

Em janeiro de 2011 uma publicação de um fotógrafo do jornal Agora São Paulo no Twitter provocou polêmica. Thiago Vieira estava no CT (Centro de Treinamento) do Palmeiras, em um espaço reservado a imprensa, acompanhando e aguardando o resultado da votação que decidiria o novo presidente do clube. Nesse meio tempo ele resolveu postar na sua conta pessoal do Twitter a seguinte frase: “Enquanto os porcos não se decidem poderiam mandar mais lanchinhos e refrigerante pra imprensa q assiste ao jogo do timão na sala da imprensa”. Quase que imediatamente é “convidado” a se retirar do local. Os responsáveis do clube não gostaram nada da publicação irônica do fotógrafo.

Em março do mesmo ano um outro post no Twitter também causou polêmica. Quando o ex-vice presidente José Alencar faleceu o editor do caderno poder da Folha de S. Paulo publicou em sua página pessoal do Twitter a seguinte frase: “Nunca um obituário esteve tão pronto. É só apertar um botão”, se referindo a uma prática jornalística costumeira que consiste em ter dossiês prontos de personalidades. O post, apesar de não fazer referência direta a Alencar, deu a entender que o jornalista falava do obituário do ex-vice presidente. Não bastava a gafe do editor logo em seguida outra publicação, agora da jornalista Carol Rocha, colega do mesmo veículo de comunicação, piorou ainda mais a situação. Em resposta Rocha faz o seguinte comentário:“@alecduarte mas na Folha.com nada ainda…esqueceram de apertar o botão…rs” se referindo ao fato da notícia do falecimento ainda não ter sido publicada na Folha online. O resultado da “brincadeira” foi o desligamento dos jornalistas da empresa.

Em fevereiro de 2014 uma outra publicação, agora no Facebook, ganhou notoriedade. Rosa Marina Meyer, professora da PUC-RJ, postou em sua conta pessoal uma foto de um passageiro de regata e bermuda no aeroporto Santos Dumont e a frase “Aeroporto ou Rodoviária?” se referindo a forma como o passageiro se vestia como se não fosse apropriada para o local.

Esses são três casos de publicações nas redes sociais que tomaram grandes proporções e tiveram consequências não muito agradáveis para quem às postou. O fotógrafo Thiago Vieira e os jornalistas, Alec Duarte e Carol Rocha, foram desligados da empresa em que trabalhavam. A professora da PUC-RJ foi afastada do cargo que ocupava na universidade. Porém, esses não foram os únicos casos de comentários nas redes sociais que viraram notícia. Artistas e outras pessoas com cargos importantes em grandes empresas também tiveram suas publicações polemizadas.

As redes sociais online possibilitaram com que informações se propagassem em um curto período de tempo e para um número cada vez maior de pessoas. Um ganho incontestável para a comunicação. Porém, também trouxe à tona uma discussão sobre a forma como são usadas as redes sociais online e que tipo de conteúdo pode ser compartilhado.

Raquel Recuero (2009), pesquisadora na área de Ciências Humanas, analisa como se dão as relações sociais contemporâneas através das redes sociais online. A autora trata justamente sobre essa capacidade da difusão da informação nesse meio.

Constituída de atores sociais, tudo o que se publica nas redes online, dirá a autora, está sujeito a forma pela qual as pessoas que te seguem, seus amigos, receberão a informação. E a maneira como aquela informação será interpretada é que definirá se ela é passível de ser compartilhada ou não.

Dirá Recuero (2009) que muitas dessas publicações ganham força e se difundem de forma epidêmica alcançando proporções online e offline. Foi o que aconteceu com os posts descritos acima, ganharam tamanha notoriedade que uma aparentemente inocente frase extrapolou o mundo online e provocou consequências no mundo offline.

As demissões provocadas pelas publicações podem nos remeter a análise feita por Marcuse (1999) com relação ao uso da tecnologia como instrumento de controle e dominação. Segundo o autor a tecnologia além de contribuir para a organização do modo de produção foi também usada como meio de organizar e controlar as relações sociais. Como exemplo o autor cita o aparato tecnológico levada ao extremo no 3° Reich, e que resultou em toda a história da dominação nazista que já conhecemos.

Com base nesse princípio de que a tecnologia pode servir como meio de controle social podemos dizer que a Internet, mais especificamente as redes sociais (produto da tecnologia contemporânea), tendo como base os exemplos citados, foram utilizadas pelas empresas como meio de monitorar os seus funcionários.

Os posts parecem que foram publicadas sem a intencionalidade de causar polêmica, porém, o resultado foi exatamente o contrário. Talvez por seus autores não se darem conta de que apesar de aparentemente estarmos sozinhos em frente ao computador o que se publica nas redes sociais é visto por diversas pessoas, inclusive o seu chefe. Portanto, estamos sempre sendo monitorados e por isso devemos nos ater a que tipo de conteúdo estamos produzindo e compartilhando.

Curioso é imaginar a rapidez com que esses posts se propagaram e se destacaram de milhares de outros conteúdos produzidos diariamente nas redes sociais. Recuero (2009) pode nos ajudar a entender essa lógica do compartilhamento. A autora chama de “meme” toda informação reconhecida que se propaga através de uma replicação. E ao tratar sobre que tipo de informação que se torna um “meme” a autora trabalha com a ideia de que há fatores que são levados em conta para que a informação seja difundida. Fatores que estão relacionados aos próprios atores sociais envolvidos. Ou seja, uma publicação como a da professora da PUC-RJ talvez tenha ganhado as proporções que ganhou pelo fato de seu conteúdo ter sido publicado por um membro da academia.

Para entender esse mecanismo do compartilhamento de informações podemos pensar no conceito de cultura da participação trabalhado por Shirky (2011) e no conceito de cultura da Internet trabalhado por Castells (2003). Shirky (2011) dirá que no mundo conectado há uma certa generosidade ao se produzir e difundir conhecimentos.  Castells (2003) dirá que ao mesmo tempo que somos consumidores das informações disponíveis nas redes sociais online somos produtores de seu conteúdo. Produzimos e disponibilizamos generosamente, por isso a ideia de que há uma cultura da participação, que faz com que os usuários da Internet compartilhem conhecimentos. Para Shriky (2011) as “nossas ferramentas tecnológicas para tornar a informação globalmente disponível e encontrável por amadores, a custo marginal zero, representam, assim, um enorme choque positivo para a combinabilidade do conhecimento”.

Enfim, o que percebemos com esses exemplos é que as redes sociais online refletem as relações sociais estabelecidas offline.  O que talvez os internautas citados não ponderam foi justamente o fato de que o mundo virtual é constituído de atores sociais e que esses refletem a dinâmica do mundo offline, portanto as suas publicações estão sujeitas a interpretações e julgamentos.

 

REFERÊNCIAS

http://g1.globo.com/rio-de-janeiro/noticia/2014/02/professora-que-ironizou-advogado-no-facebook-e-afastada-de-cargo-no-rio.html

http://exame.abril.com.br/carreira/noticias/10-pessoas-que-foram-demitidas-por-causa-do-twitter?p=7

SHIRKY, Clay. “Cultura”. A cultura da participação: criatividade e generosidade no mundo conectado. Rio de Janeiro: Zahar, 2011

RECUERO, Raquel. Redes sociais na Internet. Porto Alegre, Sulina, 2009.

MARCUSE, Herbert. “Algumas implicações sociais da tecnologia moderna”.Tecnologia, Guerra e Fascismo. São Paulo: Editora UNESP, 1999.

CASTELLS, Manuel. “Lições da história da internet” e “A cultura da Internet”. A galáxia da Internet. Rio de Janeiro, Zahar, 2003.

07/06/2014

Rolezinho e cultura digital: formas de expressão e organização social dos funkeiros e seus impactos políticos

No final de 2013 um novo tipo de encontro de jovens ganhou uma grande repercussão midiática no país. Centenas de jovens entre os 12 e 17 anos, moradores de periferias, funkeiros passaram a se reunir em shoppings para fazer o encontro do qual eles denominaram de “rolezinho” e segundo eles próprios os objetivos são tirar um lazer, conhecer gente nova, beijar na boca, curtir e zoar. Os eventos são combinados pela internet, através da rede social Facebook.

Esse movimento todo começa dentro da internet, rede de comunicação que trouxe mudanças fundamentais para a sociedade, uma delas é a possibilidade de expressão e sociabilização através das ferramentas de comunicação mediadas pelo computador (RECUERO, 2009). Se antes esses adolescentes estavam separados cada um na sua região periférica, através do acesso às redes sociais pela internet eles podem se encontrar e conhecer-se virtualmente, independente da distância espacial.

Segundo RECUERO, uma rede social é definida como um conjunto de dois elementos: atores (pessoas, instituições ou grupos; os nós da rede) e suas conexões (interações ou laços sociais)[1]

No espaço virtual, os funkeiros constroem suas identidades expondo aquilo que sentem, gostam, que se identificam, mostram seus nomes, se destacam, são vistos. Cada um deles é um ator que se constrói, interage e comunica com outros atores e é também dentro da rede que serão reconhecidos seus padrões, o que compõe seu gosto, seu estilo, sua rede de amigos mostrando quais são suas conexões, a quais grupos pertencem (RECUERO, 2009).

O que proponho aqui é pensar nos usos e apropriações das tecnologias digitais feitas pelos funkeiros e como estes subvertem a ordem vigente mesmo com seus ideais de ostentação que aparentemente cairia com uma luva na sociedade de consumo.

Eles não vão ao shopping com o objetivo de fazer compras, nem ir ao cinema ou comer na praça de alimentação (alguns até consomem, mas o encontro em si não tem esse foco). Eles não são disciplinados, nem dóceis. Eles não são discretos, nem silenciosos. Eles dançam, cantam, correm, assustam, causam estranheza e até medo.

O uso de computadores, smartphones, tablets para entrar nas redes sociais (Facebook, Instagram, Whatsapp) para organizar o rolezinho, marcar pontos de encontro, se acharem, postar suas fotos e também filmar a violência policial exercida contra o grupo mostra as possibilidades de apropriação e identificação cultural (MARIN-BARBERO, 2004) dessas mercadorias que acredito eu, nem seus criadores imaginavam que poderia acontecer.

 As redes sociais têm na vida desses jovens um papel socializador e de coesão do grupo, é por meio deles que podem ficar mais próximos, criar contatos e conexões através de identificação (RECUERO, 2009), gostos comuns. Cada perfil na rede representa um ator social, eles vão interagir entre si e construir laços através de suas afinidades, pelo gosto compartilhado da cultura funk que envolve todo um estilo estético, musical, padrões de comportamento e claro, envolve o consumo.

Esses atores se tornam visíveis, a redes sociais são espaços de manifestação cultural, entretenimento, de exposição de seus gostos e pensamentos, onde podem se expressar e serão vistos, seguidos por outros atores, ganham popularidade e até mesmo tornam-se “famosinhos”.

O nome “famosinho” também foi criado por eles, refere-se àqueles que ganham grande popularidade na rede através de vídeos e fotos que caem no gosto do grupo, chegando a ter 50 mil seguidores no Facebook, pessoas que tornaram-se fãs destes jovens (FROES DA SILVA e GOMES DA SILVA, 2014). Esses jovens representam a estética que é considerada legítima para o grupo, as marcas que usam, o visual que adotam, o corte de cabelo são símbolos de distinção que representa o que é a estética do funk ostentação e como o grupo constrói sua identidade.

O fenômeno dos famosinhos relaciona-se com o que Síbilia, 2003 chamou de “imperativo da visibilidade”, esse conceito é usado para explicar a necessidade de exposição pessoal que há na sociedade atual. É uma relação mútua entre o público e o privado, o “eu” sente a necessidade de expor-se, de falar, de ser visto e só será visto e reconhecido pelo público. No ciberespaço, é preciso ser visto para existir (RECUERO, 2009), não basta postar um status no Facebook, esse status para ganhar reconhecimento deve ser compartilhado e curtido por um número razoável de amigos. Um status ou uma foto postada sem curtidas ou compartilhamentos é um post invisível, praticamente inexistente. É isso que difere os famosinhos; seus perfis, suas publicações são populares, são elogiadas, compartilhadas, curtidas. Legitimadas pelo grupo.

O rolezinho também acontece com o intuito de reunir esses fãs para conhecer seus ídolos famosinhos, mas não necessariamente todos os encontros ocorrem com esse objetivo. Alguns apenas são organizados como momento de lazer sem foco em um determinado ídolo.

Ao contrário do que muito foi falado pela mídia, os rolezinhos não existe uma centralização na organização ou líderes. São encontros organizados de forma autônoma, horizontal e espontânea. Qualquer funkeiro pode se juntar com seus amigos e organizar um rolezinho e dependendo da sua popularidade entre o grupo e da divulgação, esse encontro pode ter muitos rolezeiros ou poucos.

Se alguns dos costumeiros organizadores do encontro parar de criar eventos, outros rolezeiros podem tomar essa iniciativa, a própria rede facilita essa lógica, as redes sociais da internet são espaços de autonomia, muito além do controle de governos e empresas – que, ao longo da história, haviam monopolizado canais de comunicação como alicerces de seu poder (CASTELLS, 2013). Qualquer um pode ter um perfil ou uma página nas redes sociais, qualquer um poder criar um evento para fazer rolezinho.

Segundo o MC Chaveirinho, os rolezinhos já acontecem desde 2007, mas ganhou repercussão midiática em dezembro de 2013.[2] . A mídia não sabia muito bem como definir o que estava acontecendo, então falava-se em “tumulto no shopping”, “arrastões em shopping”, quebra-quebra: “a multidão aparece na praça de alimentação. Clientes e funcionários se trancam nas lojas para escapar do tumulto. Logo depois, a polícia é chamada e chega ao estabelecimento.”. [3]

Os comerciários estimam que nesse encontro havia 6 mil jovens. Capacidade para reunir tantos adolescentes não haveria se não fosse a organização pela internet, onde é possível atingir milhares de pessoas, a comunicação de massa baseia-se em redes horizontais de comunicação interativa que, geralmente são difíceis de controlar por parte de governos ou empresas (CASTELLS, 2013).

A partir desse dia, o rolezinho dos funkeiros ficou estigmatizado como um encontro de jovens marginais para cometer roubos nos shoppings e a polícia passou a intervir em todos eles com agindo com violência contra esses adolescentes para reprimir o encontro.

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PM detém jovens no Shopping Interlagos (Foto: Joel Silva/Folhapress)

Não há nos rolezinhos, a priori, reivindicações políticas, contestações sociais, militância, consciência ideológica por parte dos rolezeiros, eles são adolescentes à procura de lazer, zuação, beijo na boca e novas amizades.

Mas a disputa é política, pois tais jovens estão transgredindo às regras e desafiando as relações de poder. Existe uma classe dominante que impõe que o shopping não é o lugar apropriado para tal perfil de pessoas e para tal comportamento, e os rolezeiros subvertem essa ordem. Como foi analisado por PEREIRA, 2014 os rolezinhos escancararam três importantes tensões e preconceitos presentes na sociedade brasileira: de classe, de raça/cor e de idade/geração. Eles foram perseguidos e duramente reprimidos em primeiro lugar porque eram jovens pobres e mais, adeptos de um estilo que é estigmatizado e criminalizado na sociedade assim como outras manifestações culturais negras foram e são, seu comportamento não corresponde ao que é esperado e legítimo dentro dos shoppings centers.

Os shoppings conseguem liminar judicial proibindo o rolezinho alegando que os estabelecimentos não comporta tanta gente nem tem segurança o suficiente para isso. Os eventos de rolezinho marcados pelo facebook passam a desparecer misteriosamente. Estão sendo excluídos. Por quem? Pelo próprio Facebook? Pelos criadores dos eventos que estão sofrendo pressão para apagar os eventos? Os representantes do Facebook alegaram que não tinham nada a ver com o fato. Ninguém soube responder quem teria sido o responsável, ou ninguém quis responder.

Segundo CASTELLS, os governos têm medo da internet, e é por isso que as grandes empresas têm com ela uma relação de amor e ódio, tentam obter lucros com ela ao mesmo tempo em que limitam seu potencial de liberdade. Foi o que aconteceu com a organização dos eventos no Facebook.

Nas redes sociais, nos fóruns de comentários de leitores nos sites de jornais como a Folha de SP e Estadão, ficou bem clara a opinião dos consumidores, da maioria das pessoas acerca do rolezinho, as pessoas defendiam a ação da polícia e diziam que os consumidores, ou melhor, a população deve ser protegida de ataques de marginais como os que estavam acontecendo, também defendiam a proibição do rolezinho e deixavam claro o medo que sentiam desses encontros no shopping.

Tal fato, juntamente com a enorme violência policial e a aversão dos consumidores aos rolezeiros, a esquerda, os movimentos sociais e mídias de perspectiva crítica se manifestaram na internet diante da discriminação e segregação que esses jovens estavam sofrendo.

Então a Prefeitura Municipal de São Paulo se pronuncia diante da situação pressionada por todo esse movimento de denúncia e pelo próprio rolezinho. Abre diálogo com os rolezeiros, busca políticas públicas alternativas para esse público e ao mesmo tempo mantém em segurança e estabilidade o comércio e funcionamento dos shoppings, influenciando os rolezinhos a ocorrerem em parques públicos e pensando em expansão de projetos e eventos culturais nas periferias que contemplem o gosto dos funkeiros.

No momento atual, os rolezinhos continuam acontecendo tanto nos shoppings como nos parques. Com bem menos força e menor quantidade de pessoas, tem pouca repercussão midiática e ainda sofre repressão da segurança do shopping (a pouca quantidade de pessoas faz com que a Polícia não veja necessidade em intervir).

O que interessa aqui, não é se o rolezinho será um movimento que ocorrerá durante um longo tempo, se seus adeptos estão fazendo protesto político. O mais importante é que podemos perceber através desses eventos que ainda existe uma discriminação muito forte contra esses jovens. Os rolezinhos escancararam três importantes tensões e preconceitos presentes na sociedade brasileira: de classe, de raça/cor e de idade/geração, eles foram perseguidos e duramente reprimidos em primeiro lugar porque eram jovens pobres, em sua maioria negros e também pelo seu gosto de classe (BARBOSA, 2014), por serem adeptos de um estilo musical que é estigmatizado e criminalizado desde sua criação nos guetos norte-americanos e carrega até hoje esse mesmo estereótipo.

 


[1] RUCUERO, 25. 2009

[2] Profissão Repórter. http://www.youtube.com/watch?v=m-ra8K0Hadc. Acesso em 25/04/2014

[3] http://g1.globo.com/sao-paulo/noticia/2013/12/video-mostra-tumulto-no-shopping-metro-itaquera.html. Acesso em 25/04/2014

 


REFERÊNCIAS

 

CASTELLS, Manoel. Redes de comunicação e esperança: movimentos sociais na era da internet. Rio Janeiro: Zahar, 2013.

FRÓES da SILVA, Darlene e GOMES da SILVA, Carlos. “Rolezinhos”: sociabilidades juvenis, discriminações e segregação urbana. Revista Pensata. Vol 3. N. 2, maio de 2014.

MARTÍN-BARBERO, Jesus. Ofício de Cartógrafo. Travessias latino-americanas da comunicação na cultura. São Paulo: Loyola, 2004

PEREIRA, Alexandre Barbosa. Rolezinho no shopping: aproximação etnográfica e política. Revista Pensata. Vol 3. N. 2, maio de 2014.

Recuero, Raquel.  Redes sociais na internet.  Porto Alegre:                      Sulina, 2009. (Coleção Cibercultura)

02/06/2014

Da democracia à revolução, como a internet está se tornando um instrumento político

Por Márcio Nascimento Souza

A democracia em seu significado etimológico seria o governo do povo[1], assim como era na Grécia Antiga onde essa palavra teve origem, as decisões eram tomadas pelos homens livres nas ágoras, as opiniões de cada cidadão da polis era expressa a fim de convencer os demais. Porém esse modelo revolucionário desapareceu junto com a soberania ateniense perante o domínio romano no século II A.C. A democracia apenas ressurgiu no século XIX como uma consequência da modernidade que aos poucos incluiu as mulheres e os analfabetos, porém essa não era mais a democracia participativa dos gregos antigos, mas uma democracia representativa que delega ao cidadão apenas o direito ao voto em períodos de eleições, onde os representantes dos cidadãos já se encontram em sua maioria alheios aos problemas deles por serem na verdade representantes de elites econômicas e políticas.  A democracia não se faz mais pela prática da expressão de cada indivíduo. Em partes, podemos entender isso como consequência do impedimento físico de reunir todos os milhões de cidadãos de um Estado moderno em um congresso, onde todos falariam e ouviriam a todos. Deste modo parece que a democracia representativa seria o único modo possível de democracia, não sendo mais ela o governo do povo, mas o governo sobre o povo.

Porém, hoje assim como a mais de 2500 anos na Grécia surgia de forma revolucionária a democracia, a internet está mudando os aspectos da vida social em quase todo planeta, ela está possibilitando aos indivíduos modernos romper com os obstáculos físicos de comunicação e permitindo acesso rápido as informações, dando vida a um novo tipo de democracia, seguindo o exemplo da constituição colaborativa islandesa, onde o povo por meio das redes sociais como o Facebook e o Twitter ou pela página oficial criada para a redação da nova constituição, contribuiu através de opiniões, sugestões e debates[2], Segundo William J. Mitchell (2002) a dinâmica social alcançada após uma revolução tende a ser irreversível, gerando outras transformações que tendem ser profundas:

“Como naqueles fortes abalos que marcaram nosso passado – as revoluções agrícola e urbana que se seguiram à invenção da roda e do arado, e a revolução industrial que emergiu da ciência do Iluminismo -, as dinâmicas sociais pós-revolucionárias parecem já ter atingido um impulso irreversível.” (MITCHELL, p32. 2002.)

A participação do povo na política através da internet segundo Eiríkur Bergmann[3] é fundamental para um nível mais avançado de democracia, porém, é importante lembrar que ela contínua sendo representativa através de eleições, o que leva Bergmann a pensar que não vivemos no limiar de uma nova democracia, mas sim, uma nova etapa onde a web é um instrumento para participação. Pois, a ciberdemocracia possibilita o surgimento mecanismos de discussão entre o cidadão e o Estado, tornando a participação popular mais real nas tomadas de decisões. Bergmann ressalta que logo após a pacífica “Revolução das Panelas” em frente ao parlamento em decorrência da crise econômica de 2008, a população a transferiu para a rede, onde os políticos a acolheram através da criação de uma Comissão Constitucional. Essa participação popular na nova constituição islandesa só foi possível graças ao fato de que 95% da população têm acesso à internet.

Uma rede de comunicações surgiu junto ao ciberespaço, possibilitando a interação entre todos com acesso a rede, assim como Manoel Castells aponta em A Galáxia da Internet, ela está fornecendo a integração de várias redes, como por exemplo, se observarmos a constante troca e cruzamento de informações do mundo todo através do Facebook e o Youtube veremos a possibilidade do surgimento de uma maior diversidade cultural, porque as distâncias e os territórios físicos tornam-se relativizados diante da circulação de informações e o acesso a elas, possibilitando uma maior aproximação entre indivíduos de diversas culturas.

 Assim como William J. Mitchell já parecia prever em E-Topia A vida urbana – mas não como a conhecemos, através de objetos de uso cotidiano, como celulares e relógios que tendem a se tornarem mais inteligentes, teremos as novas interfaces para o mundo digital. Mitchell via a web como uma construção coletiva, ou seja, podemos entender isso como uma oportunidade de criarmos uma nova experiência democrática. De forma otimista esse autor crê que em breve os meios de acesso a rede estarão tão presentes e integrados a vida cotidiana, assim como a eletricidade e a telefonia, podendo surgir redes comunitárias que seriam como as ágoras da Grécia Antiga. Mas o mesmo autor aponta preocupação quanto aos usos da internet, em seu texto de 2002 ele parecia já prever o recente alvoroço causado pela revelação de espionagem da Agência de Segurança Nacional (NSA) norte-americana, ao dizer que achar que as informações fluem livremente pela rede é um mito otimista, pois “sentinelas” vigiam as informações (MITCHELL, 56. 2002).

No Brasil podemos observar algumas iniciativas como forma de aproximação do povo das questões públicas, como por exemplo, o Portal da Transparência que permite a qualquer cidadão com acesso a internet fiscalizar a utilização do dinheiro público, ou a TV Senado e TV Câmara que permitem acompanhar as discussões e decisões do Congresso Nacional, porém não vemos essas iniciativas como um meio de articulação de participação do povo no governo, mas como apenas uma prestação de contas.

Se por um lado as tecnologias da informação estão sendo usadas como ferramentas numa tentativa de participação maior do povo nas decisões políticas em um Estado democrático de direito como é a Islândia, por outro elas desempenham um papel de demolição de regimes pouco democráticos, como no caso da onda revolucionária conhecida como Primavera Árabe, onde o uso de redes sociais consegue driblar a censura e organizar manifestações de forma estratégica. Toda revolução depende de meios de comunicação como o uso de panfletos e jornais. E agora as tecnologias digitais estão desempenhando essa função, porém de uma forma nunca vista antes. Tentar desconectar a rede certamente acarreta num prejuízo econômico muito alto, e para evitar que as revoltas se propagassem mais através da internet alguns governos não tiveram outra escolha a não ser ceder à pressão popular[4].  Segundo Manoel Castells em Redes de Indignação e Esperança – Movimentos Sociais na Era da Internet, o surgimento da rede possibilitou a ocupação de um espaço que é desprovido do controle total dos governos e das empresas, onde os indivíduos se juntam para reivindicar o direito de fazer história. Através da articulação pela rede, indo do norte da África pelas manifestações da Primavera Árabe, ao coração do mundo financeiro no movimento chamado Occupy Wall Street, as comunicações de massas por meio da rede estão fornecendo a possibilidade para a construção da autonomia dos indivíduos diante as instituições (CATELLS, 12. 2013). Para Castells esse é o motivo dos governos temerem a internet.

As mídias digitais podem ser as novas armas da revolução, assim como os instrumentos da construção de uma nova democracia.

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Fonte: cartoonaday.com

Bibliografia:

CASTELLS, Manoel. A Galáxia da Internet: Reflexões sobre Internet, Negócios e Sociedade. Rio de Janeiro, Zahar, 2003.

_______________. Redes de indignação e esperança: movimentos sociais na era da internet. Rio de Janeiro, Zahar, 2013.

MITCHELL, William J. E-topia: a vida urbana – mas não como a conhecemos. São Paulo, Senac, 2002.

Sites:

http://tecnologia.terra.com.br/internet/constituicao-colaborativa-da-islandia-serve-de-exemplo-ao-brasil,f9f3a0b2993de310VgnVCM3000009acceb0aRCRD.html

http://www.20minutos.es/noticia/967110/0/rey/bahrein/presos/


[1] Dicionário da Língua Portuguesa, Michaelis. Disponível em michaelis.uol.com.br

[2] Para mais informações acesse: http://tecnologia.terra.com.br/internet/constituicao-colaborativa-da-islandia-serve-de-exemplo-ao-brasil,f9f3a0b2993de310VgnVCM3000009acceb0aRCRD.html

[3] Eiríkur Bergmann é professor de Ciências Sociais na Universidade de Bifröst na Islândia.

[4] Para mais informações acesse: http://www.20minutos.es/noticia/967110/0/rey/bahrein/presos/

01/06/2014

Crowdfunding – A Vaquinha da Modernidade

Por Jimmy M. Pitondo

Entre as muitas válvulas de escape em relação aos meios tradicionais que o uso da internet proporciona, podemos enxergar no Crowdfunding um dos fenômenos que mais crescem com as transformações de mercado engendradas por esse uso. O financiamento coletivo funciona como uma rota alternativa para todos que possuem ideias criativas e elaboram projetos artísticos, tecnológicos, acadêmicos, enfim, projetos para os quais seus criadores não têm dinheiro necessário para colocar em prática, ou seja, é uma forma interessante de driblar o empréstimo bancário ou o patrocínio das grandes produtoras, ainda que esse financiamento também passe pela mediação de organizações como: Catarse, Kickstarter, Ulule, KissKissBankBank, entre inúmeras outras. Assim, as famosas ‘‘vaquinhas’’ tão próximas ao nosso cotidiano, organizadas por grupos a fim de levantar fundos para qualquer objetivo, ganham uma nova roupagem no mundo virtual e um valor cívico real.

É o pesquisador estadunidense Clay Shirky (2011) quem nos mostra como as relações de mercado, entre outras formas possíveis, são um tipo de norma cultural que auxiliam as trocas de coisas ou informações entre os indivíduos. Dentro dessa arquitetura descentralizada da internet, essas normas culturais são modificadas ao longo do desenvolvimento de novas formas de relações mercadológicas. Agora nos cabe levantar algumas questões sobre o funcionamento dessas trocas nesse novo caminho, suas principais vantagens e, naturalmente, problemas em relação ao seu uso.

Primeiramente o financiamento coletivo esteve ligado ao cinema. Se lançarmos um olhar retrospectivo no tempo, especificamente em 1959, vamos encontrar John Cassavetes buscando o apoio dos nova-iorquinos para financiar seu filme Shadows, já nessa primeira tentativa a vaquinha obteve êxito. Mas há 50 anos quais eram os meios que John possuía? Eles estavam no rádio, nos jornais e no boca-a-boca. Já hoje, além dessa prática encontrar-se mais ligada ao campo da música e da tecnologia, nossos contemporâneos Cassavetes atuam principalmente nas redes sociais online, como Twitter ou FaceBook, onde em tempo real é possível estimular a curiosidade e o altruísmo dos internautas, dos seus amigos e amigos dos amigos em uma escala global. Essa dinâmica se afirma nessa nova cultura de comunicação, compartilhamento e difusão rápida de ideias. Os movimentos surgem e espalham-se por contágio através de redes de comunicação, seu impacto se evidencia quando olhamos a forma pela qual o poder se exerce na comunicação e na alternância entre várias redes, vemos então como esses movimentos carregam a dynamis necessária para transformações sociais, pois abrem novos espaços onde há transformação e superação de interesses e valores hegemônicos.

Manuel Castells (2013) explora essa questão de transformação social através dos movimentos sociais conectados em rede. Mesmo não sendo um movimento social propriamente dito, a prática do Crowdfunding surge como uma forma de contrapoder multimodal, por isso se torna possível aproveitar suas ideias sobre como essa organização em redes poder se tornar responsável por significativas mudanças sociais. Através da ampliação do alcance da comunicação que a internet proporciona, o surgimento de formas de financiamento coletivo pode então ser interpretado como um contrapoder em relação as grandes gravadoras ou aos órgãos de financiamento de pesquisa. Seu crescimento é exponencial, uma vez que ‘‘A constituição de redes é operada pelo ato da comunicação. Comunicação é o processo de compartilhar significado pela troca de informações’’ (CASTELLS. 2013:11)

Dentro desse universo de trocas, o idealizador do projeto é obrigado a ir além de sua função original, pois, para que obtenha sucesso em sua busca por investimentos é necessário saber interagir nas redes sociais online e ter capacidade de manter uma relação entre a rede que está inserido e as inúmeras outras adjacentes, função essa para a qual nem todos têm habilidades. Assim, por exemplo, ao invés do artista se limitar a fazer sua arte, deve encarnar o papel de empresário e demonstrar habilidade na comunicação alternativa, o que muitas vezes faz com que o mais habilidoso em marketing viral obtenha maior espaço de visibilidade, não necessariamente sendo o mais talentoso. Compreender o pensamento de Dênis Moraes (2007) acerca da comunicação alternativa é de suma importância para desenvolver essas habilidades necessárias:

A idéia de alternatividade fundamenta-se numa dupla inserção ideológica do projeto comunicacional: alinhamento com processos de mudança social: e o combate sistemático ao sistema hegemônico. Pressupõe assumir visões transformadoras na relação com os leitores e a sociedade em geral, nos métodos de gestão, nas formas de financiamento e, sobretudo, na interpretação dos fatos social. (MORAES. 2007:4)

Vejamos alguns dados para materializar o impacto no sistema hegemônico. O kickstarter fez um levantamento em 2013, seus dados indicam um investimento de mais de 400 milhões de dólares entre 3 milhões de internautas do mundo todo. Sendo quase 20 mil projetos bem sucedidos, entre eles, o Oculos Rift recentemente comprado pelo FaceBook por 2 bilhões de dólares. O que nos leva a inúmeras questões. André Senna, pesquisador do Atos – Comunicação e consumo: estudos de recepção e ética da ESPM, nos diz: ‘‘É interessante olharmos o caso do Oculus Rift. Ele foi financiado no Kickstarter, e deu tão certo que o FaceBook comprou há algumas semanas. Os apoiadores ficaram indignados e pediram reembolso! Mas e aí, Crowdfunding é doação ou investimento?’’ Assim como Clay Shirky mostra, quando criamos uma relação de mercado em cima de algo previamente fora dessa lógica, podemos modificar profundamente essas relações, nessa perspectiva os internautas deixam de ser somente apoiadores e podem se tornar co-produtores dos projetos, dessa forma essa relação passa de uma empresa compartilhada para uma transação de mercado

Muitas empresas tentam deixar clara essa linha entre doações e investimentos, assim como é feito pela empresa My Major Company que chega a oferecer um retorno financeiro em certos casos. Mas ainda assim enfrentou diversas críticas no âmbito da transparência em relação ao que é feito com o dinheiro e a chance de retorno do investimento. Organizações como Ulule e KissKissBankBank deixam claro que no caso do projeto não avançar, ou seja, não conseguir a quantia necessária, toda a operação é cancelada e o investimento devolvido aos financiadores. Com isso vemos nesse universo de financiamento coletivo uma pluralidade de situações e formas, com o surgimento de novas startups e os avanços da legislação sobre o tema, veremos um desenvolvimento profundo nesse tipo de ação. Agora, onde está o Brasil nesse universo?

Aqui em Pindorama é interessante notar a diferença do perfil dos apoiadores em relação ao exterior. Apesar de estarmos ainda engatinhando na compreensão da internet como uma ferramenta para além do trivial entretenimento, é possível enxergar um interesse maior em projetos culturais e sociais, enquanto no exterior o que prevalece são os projetos ligados a tecnologia e aos games, como no caso envolvendo o próprio criador do MegaMen em 2013, onde foram arrecadados via kickstarter quase 4 milhões de dólares para reviver o veterano jogo de ação. Já aqui também temos algumas organizações voltadas ao auxílio ao financiamento coletivo, entre elas, Catarse, Arrekade e a Vakinha Online. Em 2013 a banda Raimundos lançou seu último CD, Cantigas de Roda, com a ajuda de 1699 apoiadores e 123, 278 reais em contribuições, 68, 278 reais a mais do que o valor necessário para o desenvolvimento do projeto. Além de uma interessante vantagem relativa ao valor da contribuição, com 10 reais ou mais o apoiador ganhou o download antecipado e seu nome escrito na galeria dos apoiadores, 35 reais ou mais, todos os prêmios anteriores e mais o CD físico em casa; essa relação entre o valor doado e suas vantagens chegam até o patamar de 5 mil reais, no qual o indivíduo ganhou além dos prêmios já mencionados, um CD autografado, camiseta, Vinil, ingresso com backstage e camarim para qualquer show no ano seguinte com direito a acompanhante,entre inúmeros outros prêmios.

Dessa forma, esse é um universo cheio de possibilidades para ambos os lados, assim como Senna nos fala: ‘‘Cara, o Crowdfunding é uma ferramenta muito legal, senão a melhor, para tirar do papel ideias legais e desafiadoras que jamais iriam ao mercado por conta própria naquele momento. É uma forma de fazer arte e tecnologia que vai além do lucro por si só, pois, acaba engajando a comunidade. É um processo em amadurecimento: o surgimento do Kickstarter e Catarse mostram que o Crowdfunding pode ser mais que uma simples vaquinha virtual, e quando o processo se torna uma relação de troca, os resultados são bem melhores. Mas muitos ainda estão aprendendo a usar a ferramenta. Vejo o ceticismo aumentando nos próximos tempos, mas também vejo esse amadurecimento rolando. ’’ Naturalmente ainda há outras questões em aberto para discussões, o objetivo desse texto foi apenas ilustrar os principais pontos desse fenômeno em crescimento e, principalmente, evidenciar como o uso da internet através das redes acaba transformando por diversas formas determinadas relações sociais previamente asseguradas em contextos socioculturais e mercadológicos.

Contudo, qualquer tipo de conhecimento apenas ganha vida ao lado de mentes capazes de compreendê-lo, o uso desse conhecimento pelos brasileiros ainda em fase rudimentar, mostra como ainda é grande o caminho para melhorar o uso desse meio como uma ferramenta para reprogramar a organização econômica e cultural através de transformações sociais mais diretas e dinâmicas, condizentes com esse novo tempo de contrastes entre o velho e o novo na Modernidade, potencializado pela espontaneidade permitida pelos novos meios que possuem essa forma mais descentralizada e espontânea.

Bibliografia
CASTELLS, Manoel. Redes de Comunicação e Esperança: Movimentos Sociais na Era da Internet. Rio de Janeiro: Ed. Zahar, 2013.
DENIS, Jacques. Crowdfunding, a Corrente da Amizade In Le Monde Diplomatique Brasil. São Paulo: Ano 7, nº 81, 2014.
MORAES, Dênis de. Comunicação Alternativa, Redes Virtuais e Ativismo: Avanços e Dilemas In Revista de Economía Política de Economia Política de las Tecnologías de la nformación y Comunicación www.eptic.com.br, vol. IX, Nº 2, mayo-ago. 2007.
SHIRKY, Clay. A Cultura da Participação: Criatividade e Generosidade no Mundo Conectado. Rio de Janeiro: Ed. Zahar, 2011.

E-Links:

http://pesquisa.catarse.me/?ref=newsletter_pesquisa

https://www.kickstarter.com/year/2013/?ref=footer

http://catarse.me/pt/raimundos

https://www.kickstarter.com/projects/mightyno9/mighty-no-9

http://www.kotaku.com.br/oculus-rift-kickstarter-reembolso/

http://www.kotaku.com.br/kickstarter-nao-entregam-prometem/

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