Crowdfunding – A Vaquinha da Modernidade
Por Jimmy M. Pitondo
Entre as muitas válvulas de escape em relação aos meios tradicionais que o uso da internet proporciona, podemos enxergar no Crowdfunding um dos fenômenos que mais crescem com as transformações de mercado engendradas por esse uso. O financiamento coletivo funciona como uma rota alternativa para todos que possuem ideias criativas e elaboram projetos artísticos, tecnológicos, acadêmicos, enfim, projetos para os quais seus criadores não têm dinheiro necessário para colocar em prática, ou seja, é uma forma interessante de driblar o empréstimo bancário ou o patrocínio das grandes produtoras, ainda que esse financiamento também passe pela mediação de organizações como: Catarse, Kickstarter, Ulule, KissKissBankBank, entre inúmeras outras. Assim, as famosas ‘‘vaquinhas’’ tão próximas ao nosso cotidiano, organizadas por grupos a fim de levantar fundos para qualquer objetivo, ganham uma nova roupagem no mundo virtual e um valor cívico real.
É o pesquisador estadunidense Clay Shirky (2011) quem nos mostra como as relações de mercado, entre outras formas possíveis, são um tipo de norma cultural que auxiliam as trocas de coisas ou informações entre os indivíduos. Dentro dessa arquitetura descentralizada da internet, essas normas culturais são modificadas ao longo do desenvolvimento de novas formas de relações mercadológicas. Agora nos cabe levantar algumas questões sobre o funcionamento dessas trocas nesse novo caminho, suas principais vantagens e, naturalmente, problemas em relação ao seu uso.
Primeiramente o financiamento coletivo esteve ligado ao cinema. Se lançarmos um olhar retrospectivo no tempo, especificamente em 1959, vamos encontrar John Cassavetes buscando o apoio dos nova-iorquinos para financiar seu filme Shadows, já nessa primeira tentativa a vaquinha obteve êxito. Mas há 50 anos quais eram os meios que John possuía? Eles estavam no rádio, nos jornais e no boca-a-boca. Já hoje, além dessa prática encontrar-se mais ligada ao campo da música e da tecnologia, nossos contemporâneos Cassavetes atuam principalmente nas redes sociais online, como Twitter ou FaceBook, onde em tempo real é possível estimular a curiosidade e o altruísmo dos internautas, dos seus amigos e amigos dos amigos em uma escala global. Essa dinâmica se afirma nessa nova cultura de comunicação, compartilhamento e difusão rápida de ideias. Os movimentos surgem e espalham-se por contágio através de redes de comunicação, seu impacto se evidencia quando olhamos a forma pela qual o poder se exerce na comunicação e na alternância entre várias redes, vemos então como esses movimentos carregam a dynamis necessária para transformações sociais, pois abrem novos espaços onde há transformação e superação de interesses e valores hegemônicos.
Manuel Castells (2013) explora essa questão de transformação social através dos movimentos sociais conectados em rede. Mesmo não sendo um movimento social propriamente dito, a prática do Crowdfunding surge como uma forma de contrapoder multimodal, por isso se torna possível aproveitar suas ideias sobre como essa organização em redes poder se tornar responsável por significativas mudanças sociais. Através da ampliação do alcance da comunicação que a internet proporciona, o surgimento de formas de financiamento coletivo pode então ser interpretado como um contrapoder em relação as grandes gravadoras ou aos órgãos de financiamento de pesquisa. Seu crescimento é exponencial, uma vez que ‘‘A constituição de redes é operada pelo ato da comunicação. Comunicação é o processo de compartilhar significado pela troca de informações’’ (CASTELLS. 2013:11)
Dentro desse universo de trocas, o idealizador do projeto é obrigado a ir além de sua função original, pois, para que obtenha sucesso em sua busca por investimentos é necessário saber interagir nas redes sociais online e ter capacidade de manter uma relação entre a rede que está inserido e as inúmeras outras adjacentes, função essa para a qual nem todos têm habilidades. Assim, por exemplo, ao invés do artista se limitar a fazer sua arte, deve encarnar o papel de empresário e demonstrar habilidade na comunicação alternativa, o que muitas vezes faz com que o mais habilidoso em marketing viral obtenha maior espaço de visibilidade, não necessariamente sendo o mais talentoso. Compreender o pensamento de Dênis Moraes (2007) acerca da comunicação alternativa é de suma importância para desenvolver essas habilidades necessárias:
A idéia de alternatividade fundamenta-se numa dupla inserção ideológica do projeto comunicacional: alinhamento com processos de mudança social: e o combate sistemático ao sistema hegemônico. Pressupõe assumir visões transformadoras na relação com os leitores e a sociedade em geral, nos métodos de gestão, nas formas de financiamento e, sobretudo, na interpretação dos fatos social. (MORAES. 2007:4)
Vejamos alguns dados para materializar o impacto no sistema hegemônico. O kickstarter fez um levantamento em 2013, seus dados indicam um investimento de mais de 400 milhões de dólares entre 3 milhões de internautas do mundo todo. Sendo quase 20 mil projetos bem sucedidos, entre eles, o Oculos Rift recentemente comprado pelo FaceBook por 2 bilhões de dólares. O que nos leva a inúmeras questões. André Senna, pesquisador do Atos – Comunicação e consumo: estudos de recepção e ética da ESPM, nos diz: ‘‘É interessante olharmos o caso do Oculus Rift. Ele foi financiado no Kickstarter, e deu tão certo que o FaceBook comprou há algumas semanas. Os apoiadores ficaram indignados e pediram reembolso! Mas e aí, Crowdfunding é doação ou investimento?’’ Assim como Clay Shirky mostra, quando criamos uma relação de mercado em cima de algo previamente fora dessa lógica, podemos modificar profundamente essas relações, nessa perspectiva os internautas deixam de ser somente apoiadores e podem se tornar co-produtores dos projetos, dessa forma essa relação passa de uma empresa compartilhada para uma transação de mercado
Muitas empresas tentam deixar clara essa linha entre doações e investimentos, assim como é feito pela empresa My Major Company que chega a oferecer um retorno financeiro em certos casos. Mas ainda assim enfrentou diversas críticas no âmbito da transparência em relação ao que é feito com o dinheiro e a chance de retorno do investimento. Organizações como Ulule e KissKissBankBank deixam claro que no caso do projeto não avançar, ou seja, não conseguir a quantia necessária, toda a operação é cancelada e o investimento devolvido aos financiadores. Com isso vemos nesse universo de financiamento coletivo uma pluralidade de situações e formas, com o surgimento de novas startups e os avanços da legislação sobre o tema, veremos um desenvolvimento profundo nesse tipo de ação. Agora, onde está o Brasil nesse universo?
Aqui em Pindorama é interessante notar a diferença do perfil dos apoiadores em relação ao exterior. Apesar de estarmos ainda engatinhando na compreensão da internet como uma ferramenta para além do trivial entretenimento, é possível enxergar um interesse maior em projetos culturais e sociais, enquanto no exterior o que prevalece são os projetos ligados a tecnologia e aos games, como no caso envolvendo o próprio criador do MegaMen em 2013, onde foram arrecadados via kickstarter quase 4 milhões de dólares para reviver o veterano jogo de ação. Já aqui também temos algumas organizações voltadas ao auxílio ao financiamento coletivo, entre elas, Catarse, Arrekade e a Vakinha Online. Em 2013 a banda Raimundos lançou seu último CD, Cantigas de Roda, com a ajuda de 1699 apoiadores e 123, 278 reais em contribuições, 68, 278 reais a mais do que o valor necessário para o desenvolvimento do projeto. Além de uma interessante vantagem relativa ao valor da contribuição, com 10 reais ou mais o apoiador ganhou o download antecipado e seu nome escrito na galeria dos apoiadores, 35 reais ou mais, todos os prêmios anteriores e mais o CD físico em casa; essa relação entre o valor doado e suas vantagens chegam até o patamar de 5 mil reais, no qual o indivíduo ganhou além dos prêmios já mencionados, um CD autografado, camiseta, Vinil, ingresso com backstage e camarim para qualquer show no ano seguinte com direito a acompanhante,entre inúmeros outros prêmios.
Dessa forma, esse é um universo cheio de possibilidades para ambos os lados, assim como Senna nos fala: ‘‘Cara, o Crowdfunding é uma ferramenta muito legal, senão a melhor, para tirar do papel ideias legais e desafiadoras que jamais iriam ao mercado por conta própria naquele momento. É uma forma de fazer arte e tecnologia que vai além do lucro por si só, pois, acaba engajando a comunidade. É um processo em amadurecimento: o surgimento do Kickstarter e Catarse mostram que o Crowdfunding pode ser mais que uma simples vaquinha virtual, e quando o processo se torna uma relação de troca, os resultados são bem melhores. Mas muitos ainda estão aprendendo a usar a ferramenta. Vejo o ceticismo aumentando nos próximos tempos, mas também vejo esse amadurecimento rolando. ’’ Naturalmente ainda há outras questões em aberto para discussões, o objetivo desse texto foi apenas ilustrar os principais pontos desse fenômeno em crescimento e, principalmente, evidenciar como o uso da internet através das redes acaba transformando por diversas formas determinadas relações sociais previamente asseguradas em contextos socioculturais e mercadológicos.
Contudo, qualquer tipo de conhecimento apenas ganha vida ao lado de mentes capazes de compreendê-lo, o uso desse conhecimento pelos brasileiros ainda em fase rudimentar, mostra como ainda é grande o caminho para melhorar o uso desse meio como uma ferramenta para reprogramar a organização econômica e cultural através de transformações sociais mais diretas e dinâmicas, condizentes com esse novo tempo de contrastes entre o velho e o novo na Modernidade, potencializado pela espontaneidade permitida pelos novos meios que possuem essa forma mais descentralizada e espontânea.
Bibliografia
CASTELLS, Manoel. Redes de Comunicação e Esperança: Movimentos Sociais na Era da Internet. Rio de Janeiro: Ed. Zahar, 2013.
DENIS, Jacques. Crowdfunding, a Corrente da Amizade In Le Monde Diplomatique Brasil. São Paulo: Ano 7, nº 81, 2014.
MORAES, Dênis de. Comunicação Alternativa, Redes Virtuais e Ativismo: Avanços e Dilemas In Revista de Economía Política de Economia Política de las Tecnologías de la nformación y Comunicación www.eptic.com.br, vol. IX, Nº 2, mayo-ago. 2007.
SHIRKY, Clay. A Cultura da Participação: Criatividade e Generosidade no Mundo Conectado. Rio de Janeiro: Ed. Zahar, 2011.
E-Links:
http://pesquisa.catarse.me/?ref=newsletter_pesquisa
https://www.kickstarter.com/year/2013/?ref=footer
http://catarse.me/pt/raimundos
https://www.kickstarter.com/projects/mightyno9/mighty-no-9
http://www.kotaku.com.br/oculus-rift-kickstarter-reembolso/
http://www.kotaku.com.br/kickstarter-nao-entregam-prometem/