Cultura digital, sociedade e política

06/07/2014

O ativismo mediático pelos herdeiros Mayas

Filed under: Juliane Duarte — Tags:, , , , — Juliane Duarte Prado @ 23:29

Ativismo midiático pelos herdeiros Mayas

zapatista

 

Em 1994 não só a política como o que ainda se construía como ciberativismo presenciou um marco. Um movimento social desconhecido pelo mundo e posto as cegas durante anos pelo governo mexicano, se levanta e marcha das florestas de Lacandona rumo a uma visibilidade internacional à desigualdade e descaso governamental sofrido pela população indígena desfavorecida socialmente do México.

Articulados em comitês representativos de diferentes comunidades indígenas, o Ejército Zapatista de Liberación Nacional (EZLN) se opunha à política de abertura ao capital estrangeiro norteamericano, ao neoliberalismo econômico e ao Acordo de Livre Comércio da América do Norte (NAFTA), em busca de melhores condições de moradia, educação, saúde, alimentação, igualdade e justiça.

Sobrevivendo em condições de extremo abandono e sem nenhuma assistência do Estado mexicano, e através de uma forma de governo que não primava pela participação popular e democrática de todos os cidadãos, mas antes privilegiava setores ricos e de forte poder aquisitivo, comunidades, em sua maioria descendentes da civilização maia, se organizaram política e militarmente frente ao Estado mexicano propondo uma revolução armada.

Sem uma participação efetiva na tomada de decisões governamentais, o movimento zapatista, movido por inúmeras tentativas de tomada do poder e implementação de um modelo de sociedade que contemplasse à diversidade existente na população e território mexicano, toma posse de várias sedes municipais da esfera política e militar almejando mudanças drásticas na política do país.
No entanto e, vitoriosa sobretudo por essa característica, o movimento zapatista estava sobretudo disposto a denunciar e pautar suas ações por uma mobilização nacional e mundial que revelasse as mazelas sociais e díspares como o governo vinha tratando seus cidadãos. Por meio de acusações e pelo diálogo estabelecido através dos veículos de comunicação dos mais diversos (panfletos, e-mail, fax, obras plásticas e teatrais etc), o movimento rompe com o discurso hegemônico dos grandes monopólios da comunicação mexicana.

Pela primeira vez na história de luta das populações indígenas e mestiça, e tomados por um ativismo que primava pelo que seria tratado como uma arena discursiva radical, a fala que se propagava pelo território mexicano e posteriormente mundial, era marcado por um grupo de opinião discursiva não governamental (Downing, 2002: 295).

Tal fato abriu espaço para novas alternativas de discussão, ação e até mesmo análise do movimento. A proposta do movimento se pautava mais em criar redes de comunicação alternativas que se defrontassem com os discursos e informações difundidas pelas mídias dominantes. Ação que se propagou pelo mundo todo e que chamava a atenção aos acontecimentos ocorridos em Chiapas (Estado onde o movimento zapatista concentrou suas ações de guerrilha).

Congregando grupos minoritários enxergados pelo movimento como também oprimidos como mulheres, homossexuais, agricultores, ou negros remanescentes do processo civilizatório espanhol, tiveram uma atenção específica e direcionada pelo movimento zapatista, que traçava redes de interação discursiva ao cenário de dominação posto pelo governo mexicano.

Com uma estruturação organizacional nova e pensada de forma a se emponderar radicalmente das tecnologias universais, os zapatistas atraíram a esse arena de interação discursiva, membros da elite política e intelectual a construir um pensamento intercultural que pensasse as múltiplas identidades étnicas e culturais existentes não só no México, mas em qualquer nível local, nacional e/ou mundial.

Advindos de um legado de lutas pelo reconhecimento e valorização da cultura indígena maia, o movimento zapatista se inspira até hoje em Emiliano Zapata, que liderou uma luta pela reforma agrária culminando na Revolução Mexicana em 1910. No entanto sua forma e estratégia de transformação social se dá a partir de 1994, por uma organização que não reconhece líderes, hierarquias ou mesmo um centro diretor. Muitas dessas características que não são puramente teóricas mas também empíricas, dão início ao vislumbramento por diversos movimentos sociais espalhados pelo mundo de um modo de luta e ação revolucionária pela comunicação alternativa e participação política, característica nunca antes concebida antes do ocorrido em Chiapas.

Mesmo com a falta de infra estrutura e heterogeneidade dos idiomas falados pelos zapatistas, a forma de articulação através de mídias alternativas que denunciassem e comunicassem a omissão, violência e descaso praticados pelo exército e governo mexicano ultrapassou o monopólio do discurso existente e promoveu novas estratégias de enfrentamento e adesão da sociedade civil à causa zapatista. Fazendo com que, o movimento de resistência ganhasse prestígio e atenção mundialmente. Decorrente dessa ação, mesmo após a derrubada do EZLN pelos militares do governo, os líderes políticos mexicanos se viram pressionados pela comunidade internacional.

Como marco do ciberativismo, o uso das tecnologias na comunicação alternativa pelo movimento zapatista, mostrando o cotidiano das comunidades indígenas em busca da valorização de sua cultura e luta por suas terras remanescentes da civilização pré colombiana, frente aos interesses estrangeiros e de grandes latifundiários, revelando à sociedade os malefícios decorrentes de uma política imperialista norte americana no território mexicano, defrontado com as desigualdades sociais sofridas pela população pobre e afins, suscitou nos movimentos sociais de todo o mundo um novo prisma de aproximação de discursos ideológicos e políticos para com a esfera pública, criando um novo espaço de troca e percepções.

Nesse sentido e dado o caráter de resistência do movimento zapatista, a comunicação rompeu com estruturas dominantes de poder no âmbito do acesso à informação que ocultam e, consequentemente, não condizem à realidade social da maioria da população. Por meio dessa iniciativa foi possível gerar estratégias de diálogo em um campo virtual que se desenvolvem até hoje como forma de transformação social.

“Território Zapatista. Aqui manda o povo, e o governo obedece!”

 

ezln

 

 

 

 

 

 

Bibliografia: Downing, John D. H. “Mídia Radical”. A internet radical. São Paulo: Editora SENAC, 2002.

http://www.oolhodahistoria.ufba.br/03leon.html

02/07/2014

Radio e Internet: Parceria ou rivalidade?

O radio é um dos sistemas de comunicação mais antigo e uns dos meios de comunicação que mais se adaptou ao longo das evoluções tecnológicas no meio das mídias de informação e entretenimento.

Com a expansão da internet tudo poderia ter ido por água abaixo, notícias sendo vistas instantaneamente ou apenas alguns segundos após seu acontecimento; a possibilidade de visualizar matérias quantas vezes se quisesse, são atrativos que antes do advento da internet e da interligação entre os veículos de comunicação, não eram possíveis. Antes os sucessos musicais se davam, nas paradas de rádio, agora vídeos caseiros pululam na internet, e fazem sucesso pelo seu número de compartilhamento e/ou visualizações em espaços como o youtube, sites como estes, dão acesso a uma infinidade de vídeos, que podem ser tanto lançamentos musicais de bandas ou cantores consagrados como de amadores, há vídeos de entretenimento, tutorais entre outros. Vendo a partir desta perspectiva, poderia se supor que as rádios estariam vivendo uma era de decadência, como um barco se aproximando da praia, mas verifica-se que isso não ocorre. Portanto, fica a questão: com tantas formas de entretenimento e informação proporcionados pelo meio digitais como preferir a rádio?

O interessante da questão é que essa nova Tecnologia de Informação e Comunicação advindas pelo uso da internet, se destacam hoje, justamente por não excluírem outros veículos de informação, com isso se enriquecem ainda mais ao agregar os seus elementos dentro de sua rede. Assim verifica-e que o radio adaptou-se a internet, e ambos tornam-se extensões um do outro. Criaram-se aplicativos nos celulares para ouvir estações de radio; perfis nas redes sociais onde as emissoras podem trabalham com outros recursos como, utilização: de imagens; notícias e matérias vinculadas conforme o perfil e interesse do ouvinte, conteúdos estes que podem ser acessados somente pela sua paginas na internet. Além destes recursos, os programas das emissoras são disponibilizados para serem retransmitidos nos seus sites, para quem perdeu ou deseja rever alguma matéria e por fim a própria rádio é transmitida ao vivo via internet. Esse novo modelo pode ser chamado de modelo multimediático, onde as emissoras de rádio usam a internet como um suporte adicional para a sua programação. Portanto verifica se que, assim como a internet possui um potencial de revitalizar os espaços urbanos (PÉREZ TAPIAS), ela atua da mesma forma em outros veículos de informação, modificando as experiências vívidas pelos seus ouvintes, telespectadores ou internautas.

Essas plataformas são uma estratégia de conquista e adesão de audiência para as rádios, seja na sua versão on-line ou off-line, ao propor aos seus ouvintes e internautas promoções, notícias sobre bandas e artistas que tocam na emissora, perfil dos locutores e a disponibilização de playlists, Tudo isso proporciona uma nova vida as rádios, que ao se unir à internet, transforma à rádio.

Todas essas mudanças tem aceitação do público e podemos dizer que até conquista um novo público, que mesmo não tendo o hábito de ouvir rádio, vem a conhecê-la, já que ela está dentro da internet. Podemos citar como exemplo a emissora 89 – A Rádio Rock, na sua volta em 2012 (operou por alguns anos com programação pop) além de uma programação especifica de um gênero, ela tomou todas as providências de adequação ao meio digital.

Para comprovar a eficiência de divulgação e interação dos ouvintes com os novos canais de comunição da rádio, podemos verificar numa breve pesquisa alguns números da radio 89; Facebook – 831.718 seguidores; twitter – 29 mil seguidores: Aplicativo da radio: entre 100 mil e 500 mil downloads.

Sendo assim, com a internet à rádio reúne música, informação, publicidade, e, paralelamente utiliza de outros componentes como animações e vídeos. Criando-se assim um novo jeito de se pensar o conceito de rádio e para onde caminha a sua evolução.

 

BIBLIOGRAFIA

CASTELLS, Manuel. A galáxia internet: Reflexões sobre internet, negócios e sociedade. Lisboa. Fundação Calouste Gulbenkian, 2004

_________, Manuel. Redes de indignação e esperança: movimentos sociais na era da internet. Rio de Janeiro, Zahar, 2013

LEMOS, Andre; LEVY, Pierre. O futuro da internet. São Paulo. Paulus, 2010

PÉREZ TAPIAS, José Antonio. Possibilidades de humanização e risco do “sem-sentido” no mundo digital. In.: Internautas e náufragos: a busca do sentido na cultura digital. São Paulo. Loyola, 2006

SHIRKY, Clay. A cultura da participação: Criatividade e generosidade no mundo conectado. Rio de Janeiro, Zahar, 2011

26/06/2014

A esfera pública e a participação política na internet

Filed under: Guilherme Camargo Lima — Tags:, , , — guilhermecamargo @ 16:28

Hoje em dia, o conceito de democracia conta com uma gama enorme de conotações, que serve para definir os mais variados arranjos políticos. Ernesto Laclau (2005) chega a afirmar que o conceito em si se converteu em um significante vazio, ou seja, em um significante sem significado, algo possuidor de tantos significados que se encontra esvaziado de significação efetiva.

O debate sobre o fortalecimento da democracia gira em torno do uso massificado das novas tecnologias, principalmente da internet.

No que se refere ao viés participativo ou deliberativo deste sistema político, encontramos algumas ações que conseguem fomentar a complementaridade entre democracia, participação e internet; um bom exemplo é o Orçamento Participativo, conhecido instrumento de participação popular em que os cidadãos podem decidir como se dará a aplicação de uma determinada parcela do orçamento municipal. Hoje, já existem versões digitais do Orçamento Participativo em todo mundo e também em algumas cidades do Brasil, como Belo Horizonte, Recife e Ipatinga. No entanto, uma questão se coloca: até que ponto a esfera pública na internet pode ser considerada real?

Neste ponto, existem duas frentes ideológicas em que se dividem os teóricos que se propuseram a estudar o assunto. Grosso modo, eles podem ser separados em otimistas e cautelosos.

O espanhol Manuel Castells (2001), que enxerga com bons olhos o papel da internet na sociedade contemporânea, acredita que o ciberespaço se tornou uma “ágora eletrônica global”, de onde a diversidade do descontentamento humano explode em uma cacofonia de acentos. Para ele, a internet não é simplesmente uma tecnologia, é um meio de comunicação e constitui a infraestrutura material de uma forma organizativa concreta, caracterizada como “a rede”. A internet se converte, desta forma, em um componente indispensável para os vários movimentos sociais, com suas inúmeras reivindicações, que estão surgindo na sociedade atual.

Na mesma linha, Rocio Rueda Ortiz (2008) afirma que as novas tecnologias de informação e comunicação (TICs), além de democratizar o uso da internet, a divulgação cultural e oferecer informação para todos, tem a capacidade de adormecer e mobilizar grupos sociais por meio da comunicação de massas, onde se encontram as mais variadas correntes de opinião.

Por outro lado, existem autores mais receosos em relação à função desempenhada pela internet dentro do sistema político vigente em nossa sociedade. Uma das principais críticas se refere ao fato de a internet ter uma suposta dificuldade em territorializar os fluxos discursivos. Sendo assim, o discurso se tornaria mais comprometido com projetos de atores primordialmente locais. Mesmo com uma interação menos filtrada pelos detentores do controle dos recursos midiáticos tradicionais, o caos da web, onde geralmente são travados os debates, fragilizaria seu status de esfera pública.

Segundo o sociólogo Dominique Wolton (2001), não existem meios de comunicação social sem a representação a priori de um público. Para ele, no essencial, a internet não é um meio de comunicação social, é um formidável sistema de transmissão e acesso a um número incalculável de informações.

A cautela de Wolton pode ser justificada pela exclusão digital, pela forma lúdica que a internet é utilizada por muitos, pela preponderância de determinadas faixas etárias na rede e até mesmo pela dúvida constante de a internet poder ser realmente um espaço de debates civilizados e frutíferos.

O fortalecimento da democracia por meio do uso da internet, pelo menos no Brasil, parece esbarrar em questões fundamentais, como o tamanho do acesso aos meios eletrônicos. Em países em que a inclusão digital atingiu um patamar satisfatório, como o Japão, por exemplo, o principal problema é a falta de desejo dos próprios cidadãos em envolverem-se nos assuntos públicos, considerados irrelevantes por muitos.

Portanto, antes de uma mudança técnica, necessária ao Brasil, se torna fundamental uma mudança cultural, crucial não somente ao nosso país. Pois, como afirma Clay Shirky (2011), a cultura não é apenas um aglomerado de comportamentos individuais e sim um conjunto de normas e comportamentos aceitos coletivamente num grupo.

Porém os impeditivos parecem se enfileirar quando tentamos encontrar uma posição política ideal para a internet. A massificação e a acriticidade, típicas dos conteúdos que circulam na web, colocam em dúvida a capacidade de abertura de espaços realmente vigorosos para o debate.

Claro está que a falta de conhecimento, seja ele político ou mesmo comunicacional, trabalha contra o fortalecimento democrático na sociedade moderna, que poderia ser suscitado pelo enorme alcance da internet. Neste ponto, recorremos mais uma vez a Shirky, que diz que aumentar o número de coisas que você tem pode ser útil, mas aumentar sua quantidade de conhecimento pode ser transformador. Para ele, o conhecimento, ao contrário da informação, é uma característica humana; pode haver informação que ninguém saiba, mas não pode haver conhecimento sem que alguém o saiba.

Sendo assim, podemos enxergar a internet como uma ferramenta capaz de fomentar a transformação política, uma vez que, como afirma Ortiz, a web é capaz de influenciar a opinião pública por meio de todo conteúdo que se move massivamente por ela, nos mais variados meios temáticos. No entanto, faltam atores realmente capacitados para levar esta mudança adiante.

Qual seria o caminho ideal? As interações virtuais ainda geram mais dúvidas do que oferecem respostas. A liberdade da rede abre espaço para os mais variados tipos de discursos, mas também impede que tais discursos adquiram um caráter, supostamente, profissional. Caráter este que, segundo Sharky, ainda funciona como objeção à difusão do conhecimento.

Pelo menos no Brasil, a inclusão digital se mostra fundamental, antes que qualquer discussão de conteúdo seja proposta. Nos moldes atuais, trabalhar pelo fortalecimento da democracia por meio da internet poderia significar diminuir ainda mais a representatividade dos grupos economicamente e, por que não, politicamente desfavorecidos.  Esta óbvia segmentação em nossa sociedade pode causar um efeito inverso ao pensado por qualquer um que planeje abrir espaço para um maior número de pessoas no debate público.

Quando o déficit técnico for coisa do passado, estará aberto o debate em torno do conteúdo das reivindicações e de sua viabilidade ou mesmo veracidade. Superado o obstáculo inicial, nos confrontaremos com o verdadeiro problema, de ver até que ponto as pessoas estão realmente dispostas a participar do debate político.

Os usos da internet precisarão ser modificados para que tenhamos uma discussão prolífica e o questionamento feito por Clay Shirky poderá, finalmente, ser posto à prova: quão capazes seremos de tirar proveito do excedente cognitivo para produzir valor cívico real?

Bibliografia

CASTELLS, Manuel. A galáxia da Internet. Rio de Janeiro, Zahar, 2003, PP. 13-55.

LACLAU, Ernesto. La razón populista. Buenos Aires: Fondo de Cultura Económica, 2005.

RUEDA ORTIZ, Rocio. Cibercultura: metáforas, prácticas sociales e colectivos en red. Nómadas (Col), num 28, abril, 2008, pp. 8-20. Universidad Central, Bogotá, Colombia. Disponível em http://www.ucentral.edu.co/movil/index.php?option=com_content&view=article&id=557&Itemid=2456

SHIRKY, Clay. “Cultura”. A cultura da participação: criatividade e generosidade no mundo conectado. Rio de Janeiro: Zahar, 2011, pp. 119-143.

WOLTON, Dominique. E depois da internet? Para uma teoria crítica dos novos medias. Portugal: Difel, 2001.

 

 

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