Cultura digital, sociedade e política

26/06/2014

Opiniões e Ódio na Internet

 

Todos sabem que a internet colaborou com a disponibilização rápida da informação, que as redes sociais permitiram que as pessoas se encontrem e se organizem, tanto virtualmente quanto fisicamente, e que também manifestem-se e exponham as suas opiniões diante dos mais diversos assuntos. Entretanto, o que acho que não está claro para todos, é como este progresso também facilitou às pessoas dizerem o que pensam das mais variadas formas, sem pensarem nas conseqüências, ou mais especificamente a agredirem-se.

Fonte: http://outraspalavras.net/brasil/facebook-um-mapa-das-redes-de-odio/

Fonte: http://outraspalavras.net/brasil/facebook-um-mapa-das-redes-de-odio/

Vivemos em um momento em que há mais engajamento político, com manifestações anti-globalização, a crise financeira de 2007, a primavera árabe e todos os protestos ao redor do mundo, questionando ações políticas e econômicas, o Brasil não foi exceção. Busca-se muito mais uma democracia participativa do que uma democracia representativa (Rueda, 2008: 15), e nesse momento expressar-se através das redes sociais, ou fazer comentários em revistas on-line e blogs torna-se quase que mandatório.

Atualmente é muito comum ver no Facebook, por exemplo, diversos posts exaltando uma opinião ou ideologia específica, recriminando as opiniões diferentes e as colocando em posição de antagonismo total. Além disso, os comentários a esses posts muitas vezes vão além dos debates, onde expressam-se opiniões e procura-se um alinhamento, para se chegar a verdadeiros bate-bocas, com agressões, desqualificações e xingamentos. O espaço para comentários, ao invés de permitir que o assunto evolua acaba por reduzi-lo a antagonismos recheados de agressões. Interessante que o tema pode ser variado, mas a situação mais comum a ser encontrada são as acusações de comunista e de neo-liberal, dependendo de quem colocou o assunto em discussão. O primeiro comentário negativo sobre o tema é a acusação de uma opção política. Até mesmo em relação ao uso da tecnologia recai-se nessa discussão. De acordo com William J. Mitchell:

A essa altura, já conhecemos bem os previsíveis subtextos ideológicos dessas duas posições antagônicas. Da direita governamentalista vem a ideia de que, como a tecnologia digital pode melhorar nossa situação, ela certamente o fará – contanto que não se toque no mercado. Da esquerda legalista vem a réplica de que, como os ricos e poderosos são sempre os primeiros a se beneficiar das novas tecnologias e os mercados não são amigos dos marginalizados, precisamos de uma vigorosa intervenção do governo para garantir que os computadores e as telecomunicações não criem um abismo digital intransponível entre os que têm e os que não têm. E é claro que os neoluditas estão totalmente convencidos de que temos mais a perder do que a ganhar, e por isso deveríamos cavar trincheiras e resistir  (MITCHELL, 2002: p30).

Escrever é uma arte, escrever na internet também o é, uma vez que existe a necessidade de se combinar rapidez, precisão e síntese. A meu ver, essa combinação torna-se explosiva, e é um dos elementos que proporciona o extremismo de manifestação.

O ato de escrever requer conhecimento do tema, disponibilidade de tempo, habilidade e treino. A combinação de todas essas características na maioria das vezes não está presente na maioria das pessoas, entretanto o ambiente virtual é totalmente convidativo à manifestação de opiniões, e em geral, de opiniões escritas. Além disso, o ambiente virtual apresenta mais uma complicação, tem como principal característica a velocidade, é necessário se manifestar rapidamente, caso contrário: o assunto deixa de ser importante, outros comentários são escritos e a conversa muda seu rumo. Associado a isso, é necessário ao escrever, ser conciso e sucinto, garantindo assim que as pessoas leiam o que foi escrito, caso contrário perde-se o interesse.

Do ponto de vista do leitor, a leitura permite uma livre interpretação do texto, uma vez que a entonação é dada por ele, e não pelo escritor, então uma vírgula mal empregada, ou sua omissão, ou ainda uma leitura sugestionada já permite a interpretação de uma agressão, que requer um contra-ataque.
A existência de conflito é natural e esperada, faz parte do processo, “a interação social é compreendida como geradora de processos sociais a partir de seus padrões na rede, classificados em competição, cooperação e conflito” (Recuero, 2009: 81). Entretanto o que venho percebendo é um esvaziamento da discussão principal em benefício da troca de agressões, do extremismo.

Ao analisar os comentários da matéria chamada Facebook: um mapa das redes de ódio, de Patrícia Cornils, no blog Outras Palavras, na qual ela conversa com o pesquisador Fábio Malini, do Laboratório de Estudos sobre Imagem e Cibercultura (Labic) na Universidade Federal do Espírito Santo, é possível perceber essa realidade. A matéria trata da pesquisa de Fábio Malini, que mapeou as páginas de facebook “dedicadas a defender o uso da violência contra o que chamam de “bandidos”, “vagabundos”, “assaltantes”, fazer apologia a linchamentos e ao assassinato, defender policiais, publicar fotos de pessoas “justiçadas” ou mortas violentamente, vender equipamentos bélicos e combater os direitos humanos” (Cornils, 2014), a agressividade estava presente, não apenas por conta do tema, mas também nos comentários.

Há um total de 39 comentários, sendo 1 deles uma correção, portanto 38 comentários válidos, dos quais 21 considerei normais e 17 considerei agressivos ou muito agressivos. Por agressividade considerei xingamentos, palavras agressivas, ou irônicas, ou debates bilaterais específicos. Apesar de ter feito a análise para uma única matéria, acredito que essa distribuição repete-se com freqüência, e dependendo da fonte e do assunto tende a inverter-se, tendo mais conteúdo agressivo do que neutro.

Resumindo, a questão do conflito é importante, porque é ela que faz o mundo mover-se, sem o conflito não há pensamento, não há crítica, não há evolução.

Para Simmel (1950 e 1964) os conflitos envolvem, ao mesmo tempo, harmonia e dissonância. Um sistema completamente harmônico não pode existir, pela sua incapacidade de mudança e evolução. O autor explica que o conflito tem aspectos positivos, não sendo por si só um elemento negativo para o sistema social. (RECUERO, 2009: p.85).

Entretanto o que estamos experimentando é um exagero de conflito, o qual acaba por empobrecer a discussão, o objetivo principal em debater não é explorar as idéias, mas sim vencer o oponente, o que transfere o foco da discussão para um objetivo completamente diferente do inicial.
Essa situação também deságua em outros dois dilemas muito em voga na atualidade, até onde vai o direito de expressar-se e a liberdade na internet. O caráter libertário da internet foi o que fomentou e organizou os movimentos sociais que representaram a indignação do público do mundo inteiro contra o 1% mais rico do mundo, durante a crise financeira mundial de 2008. Naquele momento as pessoas esqueceram suas diferenças e uniram-se a fim de manifestar.

Mas foi basicamente a humilhação provocada pelo cinismo e pela arrogância das pessoas no poder, seja ele financeiro, político ou cultural, que uniu aqueles que transformaram o medo em indignação, e indignação em esperança de uma humanidade melhor. Uma humanidade que tinha de ser reconstruída a partir do zero, escapando das múltiplas armadilhas ideológicas e institucionais que tinham levado inúmeras vezes a becos sem saída, forjando um novo caminho, à medida que o percorria.(CASTELLS, 2013: p.8).

Essa indignação toda, que uniu as pessoas, permitiu que superassem medo e constrangimento de se manifestar sobre o que consideravam errado. Será que essa mesma indignação está agora re-agrupando as pessoas, umas contra as outras ? Será que estamos voltando ao ponto de partida, no momento anterior à crise, onde as diferenças é que permitiram que uma crise se instaurasse ? “É possível observar-se em um blog não apenas a interação em um comentário, mas as relações entre várias interações e perceber-se que tipo de relação transpira através daquelas trocas.” (Recuero, 2009: 31).

São esses comentários, carregados de tensão e agressividade que identificam e unem os grupos, criando novas comunidades, as quais irão debater umas contra as outras, nos mesmos moldes, sempre em nome de sua liberdade de expressão. A impressão é de que a liberdade de expressão está acima do que é possível fazer para melhorar a condição de vida dos 99% menos ricos, e que voltamos à época da guerra fria, onde ou se é pró-EUA, ou pró-Rússia, não há nada no meio.

Fonte: http://outraspalavras.net/brasil/facebook-um-mapa-das-redes-de-odio/

Essas questões, que não são novas, tendem cada vez mais a intensificar-se, e a solução distante de ser atingida, especialmente se a condução do debate seguir o padrão atual, onde as pessoas culpam umas às outras pela dificuldade que enfrentam, buscam vencer as discussões, e não trabalham no sentido da melhora.

 

 

BIBLIOGRAFIA:

CORNILS, Patrícia. Facebook: um mapa das redes de ódio. Blog Outras Palavras. São Paulo, Mar.2014. Disponível em: http://outraspalavras.net/brasil/facebook-um-mapa-das-redes-de-odio/. Acesso em 18 Jun.2014.

RUEDA, Rocio. Cibercultura: metáforas, prácticas sociales y colectivos en red. Revista Nomadas (Col.), Num. 28, Abril 2008, PP. 8-20. Universidad Central, Bogotá, Colômbia. Disponível em: http://www.ucentral.edu.co/images/stories/iesco/revista_nomadas/28/nomadas_1_cibercultura.pdf. Acesso em: 18 Jun.2014.

CASTELLS, Manuel. Redes de Indignação e Esperança – Movimentos Sociais na Era da Internet. Rio de Janeiro: Zahar, 2013.

MITCHELL William J. – E-topia A Vida Urbana – mas não como conhecemos. São Paulo: SENAC, 2002.

RECUERO, Raquel. Redes Sociais na Internet. Porto Alegre: Editora Sulina, 2009.

17/06/2014

Persepolis 2.0: Quadrinhos e ciberativismo

Fonte: flickr.com

Fonte: flickr.com

O espaço virtual está se tornando um espaço comum a toda a humanidade, onde as distâncias físicas tornaram-se irrelevantes, propiciando a interação e a troca de informações entre os indivíduos, o que é muito importante para a organização de movimentos de luta política, através de redes como o Twitter, Facebook e o Youtube. Pois, segundo Manoel Castells em Redes de Indignação e Esperança os movimentos sociais se manifestam na internet, tornando-a numa espécie de ágora eletrônica onde através dela é possível denunciar as barbaridades cometidas por governos autoritários, como também convocar mais manifestantes para o embate e a ocupação de espaços públicos, as redes sociais foram muito úteis nas recentes manifestações nos países árabes, na Europa, nos EUA, e também em São Paulo.

Mas o que as histórias em quadrinhos têm haver com manifestações recentes pelo mundo e com a internet? Bem, antes do início da Primavera Árabe em 2010 com o intuito de derrubar os regimes autoritários que governam há décadas, do movimento do Los Indignados na Espanha e do Occupy Wall Street que segundo David Harvey pretendem retomar o controle do poder ao povo tirando das mãos dos magnatas que controlam o governo (Harvey, 2013), a internet já vinha sendo usada como forma de manifestação política no Irã desde 2009, e uma dessas formas foi através da adaptação da série de histórias em quadrinhos Persépolis, onde dois jovens filhos de iranianos exilados adaptaram os balões das histórias para um enredo que denúncia a falta de direitos civis do regime do ex-presidente Mahmoud Ahmadinejad, disponibilizando-as na rede, como por exemplo no site flickr.com.
Segundo Nildo Viana em sua obra Quadrinhos e Crítica Social, O Universo Ficcional de Ferdinando, as HQ são como uma expressão figurativa da realidade, através do processo de criação dos autores que as tratam como manifestação da realidade social em um universo ficcional. Podendo a partir daí retirar elementos sócio-políticos e adaptá-los aos quadrinhos.

Fonte: flickr.com

Fonte: flickr.com

O estilo graphic novel talvez seja o tipo de HQ que mais vem ganhando espaço em meio à discussão política, a HQ Persépolis em sua versão original, a autora retrata a Revolução Islâmica de 1979, a partir de uma personagem feminina que vivência eventos como a queda do regime do Xá, e a guerra entre o Irã e o Iraque. A adaptação atual feita por esses dois jovens que se denominam Payman e Sina, retrata o contexto político de 2009 onde o presidente Mahmoud Ahmadinejad foi reeleito sem que não houvesse fortes protestos de opositores que denunciavam irregularidades nessa eleição, a história mostra as manifestações contra o governo, e termina com a morte da jovem Neda Agha-Soltan durante os protestos, tornando-se um símbolo das manifestações. Ao fim também se encontra um pedido dos autores para que divulguem a HQ por meio do Facebook, Twitter e e-mail. Payman e Sina reeditaram os diálogos trazendo-os para as questões atuais criando a HQ Persépolis 2.0, com o objetivo de torná-la disponível para todo o mundo através da internet, já que o governo iraniano bloqueou uma série de blogs e páginas que lhe faziam oposição, restando às redes sociais que se tornaram o veículo de propagação dessa HQ.
Junto a isso é notável observar a presença da chamada cultura da internet descrita por Castells, em a Galáxia da Internet, que surgiu a partir do encontro dos jovens universitários na época da efervescência da contra-cultura com os aparatos tecnológicos de uso militar, foi desenvolvida para ser um espaço de criação coletiva e internacional, sendo os hackers os precursores do ativismo virtual, mas a consolidação dessa cultura ocorreu quando a internet popularizou-se por voltada década de 1990, abrindo acesso a uma grande parcela de usuários comuns, sem muita instrução sobre ela. A rede possibilitou o surgimento de um novo ambiente onde os indivíduos podem interagir em busca de uma causa social, substituindo os panfletos por e-mails e compartilhamentos como fizeram Payman e Sina e os demais que se solidarizaram.
A autora da versão original Marjane Satrapi que vive na França e é uma forte ativista pelos direitos civis no Irã, não se importou com a alteração feita em sua obra, dando autorização para que continuassem a criar um enredo que denunciava as irregularidades nas eleições de 2009, Payman e Sina que vivem em Xangai e receberam apoio através da internet para a tradução em diversas línguas, fato que lembra o que Castells discorre em Redes de Indignação e Esperança definindo a rede como um espaço que se constitui pela comunicação autônoma e livre possibilitando um contra-poder pelos movimentos sociais, assim como a divulgação de Persépolis 2.0 que ganhou apoio através de várias páginas na rede.
3677230175_9a5cb6c39d

Bibliografia:
CASTELLS, Manoel. Redes de indignação e esperança: movimentos sociais na era da internet. Rio de Janeiro, Zahar, 2013.
___________. A Galáxia da Internet. Rio de Janeiro, Zahar, 2003.
HARVEY, David. Os rebeldes na rua: o partido de Wall Street encontra sua nêmesis. In: Occupy: movimentos de protesto que tomaram as ruas. São Paulo, Boitempo, 2013.
VIANA, Nildo. Quadrinhos e Crítica Social. O Universo Ficcional de Ferdinando. Rio de Janeiro: Azougue, 2013.

Sites:

http://www1.folha.uol.com.br/fsp/ilustrad/fq2707200916.htm

Página acessada em 25 de maio de 2014.

https://www.flickr.com/photos/30950471@N03/sets/72157620466531333/

Página acessada em 25 de maio de 2014.

03/06/2014

MAIS AXÉ PRA SER ODARA!

Filed under: Ralph Sarlo — Tags:, , , , — ralphsarlo @ 19:30

Nas últimas semanas uma notícia causou grande polêmica. Trata-se da afirmação do juiz da 17ª Vara Federal, Eugênio Rosa de Araújo, que excluía do rol das religiões os cultos afro-brasileiros. Segundo o juiz, o candomblé e a umbanda não possuem um texto base (como a Bíblia), uma hierarquia e um Deus a ser venerado, elementos essenciais para que uma prática seja classificada como Religião.
Trazendo à memória a questão abordada pelos autores André Lemos e Pierre Lévy*, de que a ampla intersecção das diversas culturas não tem por consequência homogeneizar o mundo, suprimindo a diversidade. Ao contrário, essa interação, mesmo que modificando algumas características de uma determinada expressão cultural (língua, religião, arte, etc.), serve para reafirmá-la no contexto. E que é papel do Estado (Estado Nação) promover a pluralidade cultural, mas o que se observa é a opressão das minorias em nome do princípio de uniformidade cultural (Lemos e Lévy, s/d: 211).
Mais uma vez pudemos perceber o desrespeito realizado por parte dos detentores do poder, dos que são chamados representantes do povo. Mas a afirmação do excelentíssimo juiz não ficou por isso mesmo: muitas postagens nas redes sociais, especialmente o Facebook, repudiaram tal atitude de um representante do Ministério Público Federal. Muitos grupos e comunidades virtuais de praticantes das religiões de matriz africana, de simpatizantes e até pessoas que não têm vínculo algum com essa cultura, mas se sentiram lesadas pelo pronunciamento de Eugênio, e se manifestaram virtualmente e organizaram (pelas páginas das redes sociais) eventos de protestos contra essa afronta realizada com a expressão cultural que são os cultos afro-brasileiros. Houve protestos na Bahia, no Rio de Janeiro, e São Paulo também organizou uma manifestação no local consagrado pelas diversas manifestações: o vão do MASP.
As religiões de matriz africana têm buscado seu espaço na sociedade, seu reconhecimento e diminuição do preconceito sofrido. As redes sociais são um veículo de grande importância para a divulgação dessa cultura. Há a possibilidade de se criar páginas no Facebook divulgando, não apenas eventos, mas outros elementos que envolvem essas culturas, como por exemplo: contos, cantos, fotos, entre outras coisas. Diretamente relacionada a essa ferramenta está o Youtube, com a veiculação, em grande escala, de informações em vídeo, contendo trechos de seus ritos de culto aos Orixás e Entidades.
Cada vez mais é preciso se apropriar desses espaços virtuais, que abrem portas aos espaços públicos, conquistando seu espaço enquanto expressão cultural que deve ser preservada e propagada, em conjunto das demais expressões, sem que uma suprima a outra. E preciso encher os espaços virtuais de Axé, que na cultura africana é energia boa, pois só com lutas carregadas de Axé é que se pode acreditar num mundo mais Odara, mais Belo.

* “O espaço virtual da cultura”.

Referências Bibliográficas
- LEMOS, André e LÉVY, Pierre. O FUTURO DA INTERNET: em direção a uma ciberdemocracia planetária. Ed. Paulus: s/d.

Powered by WordPress