KID’S ONLINE
A internet nasce e se desenvolve a partir de uma cultura do compartilhamento de dados e conhecimento, e cada vez mais vem sendo apropriada por maior número de pessoas de diferentes faixas etárias, classes sociais e cultura. Movimento este que trouxe diversas mudanças sociais nas formas de interações dos indivíduos com o mundo a sua volta. O interessante disto é perceber o quanto estas características estão presentes inclusive no cotidiano das crianças, principalmente a última geração que já nasce inserida nestas tecnologias de informação e comunicação. É cada vez mais comum notar crianças que possuem celulares com acesso à Internet e que navegam com maior facilidade e frequência na rede em comparação aos seus pais.
Uma pesquisa realizada em 2012 no Brasil¹ aborda os diferentes tipos de usos e hábitos dessas Tecnologias de Informação e Comunicação entre usuários na faixa etária de 09 a 16 anos, a pesquisa teve como foco de análise às oportunidades e riscos que o seu uso podem trazer. Dentre várias informações que a pesquisa traz, é impressionante a frequência nas quais crianças e adolescentes frequentam um perfil ou página de uma rede social – 53% utilizam quase ou todos os dias -, sendo que a maior parte é perfil próprio e em alguns casos possuem até mais de um perfil, desse modo essas atividades fazem parte e ao mesmo tempo são uma extensão das suas vidas off-line.
No livro A cultura da participação – Clay Shirky (2011), no seu capítulo Meios, descreve um caso interessante desta apropriação; meninas sul-coreanas se mobilizam contra a reabertura da importação de carne bovina americana no seu país, neste período, tinha-se o medo da contaminação da vaca-louca, doença descoberta há pouco tempo. O que chama atenção nesse fato foi que elas ficaram sabendo da liberação através de um post no quadro de avisos do site de uma banda do momento, que tinha grande importância para essas meninas. Entretanto a banda em questão não tinha a intenção de promover nada, foram elas que utilizaram essa informação e partir disso se organizaram e impediram esta liberação. Isso ocorreu por que houve por parte dessas meninas uma apropriação (MARTÍN-BARBERO, 2004) da tecnologia de comunicação, pois elas poderiam ter visto a notícia e não terem feito nada sobre o assunto, muito pelo contrário; pegaram essa informação e redistribuíram e utilizaram o site em questão como um canal de aproximação e articulação com as outras pessoas.
O alto índice de acessos e visualizações deste site, em torno de 1 milhão², foi um meio que possibilitou que um montante significativo de pessoas pudessem ver e ter o poder de fazer circular esta informação para uma quantidade ainda maior de pessoas. Esse movimento circular e expansivo é o que atribui valor a uma dada informação e a partir disso tem um potencial transformador. Assim, pode-se notar que “os usuários têm a chance de atuar, simultaneamente, como produtores, emissores e receptores”³, portanto no exemplo das meninas sul-coreanas, ocorrem alguns movimentos entre a recepção e a produção de algo.
A princípio as meninas estão em uma condição apenas de receptoras de informação, em um segundo possuem um papel de difundir esta informação, que ao ser repassado, pode ganhar um novo sentido e significado e por fim após a informação ser transmitida e transformada em uma ação, neste caso as meninas ocuparam uma praça e lá permaneceram durante um mês todos os dias, sem esmorecer e crescendo ao passar dos dias, até o governo sul-coreano retroceder na sua decisão. Ou seja, a internet é um espaço que possui um potencial de transformação no sentido em que é um meio de fornecer e compartilhar informações possibilitando uma infinidade de usos.
Por outro lado, transformações sociais nem sempre são 100% positivas, um dado importante que é apresentado na pesquisa Kid’s Online, que serve de atenção no sentido de como as mediações do uso destas tecnologias tem sido feitas pelos pais, servindo de alerta quanto à segurança da navegação dessas crianças na rede. Os resultados demonstram que enquanto boa parte dos pais considera-se bem informados quanto ao assunto e acreditam que seus filhos estão seguros, do outro mostra a fragilidade desta percepção, ao indicar que muitas crianças e adolescentes disponibilizam informações pessoais, tais como endereço, escola, celular entre outros, e até mesmo entram em contato com desconhecidos. Apesar destes pontos negativos, isso não tira a importância e influência da internet no meio em que vivemos, servindo apenas de um alerta quanto aos riscos que podem ocorrer no mundo virtual, pois o que vai impactar no resultado é no processo de como se dá esse uso, se é consciente ou não frente às consequências que podem afetar tanto negativo ou positivamente no mundo real, como foi o caso das meninas sul-coreanas.
Notas:
1 – TIC KIDS ONLINE BRASIL 2012 – Disponível em: cetic.br
2 – Importante ressaltar que a Coreia do Sul é um país que faz um uso intensivo da Internet, sendo que 78% da população são usuários, e destes, 99% (TIC KIDS ONLINE BRASIL 2012) fazem a sua utilização diariamente. Diferentemente do que ocorre no Brasil, onde o acesso ainda não está disponível em todos os lugares e mesmo nos locais aonde se tem acesso, nem sempre isso é garantia de qualidade na conexão. Por outro lado, na Coreia do Sul essa alta conectividade é altamente controlada e restritiva.
3 – Dênis de Moraes – Difusão contra-hegemônica em rede.
Referências Bibliográficas
MARTÍN-BARBERO, Jesús – Tecnologia: inovações culturais e usos sociais In.: Ofício de Cartógrafo – Travessias Latino-Americanas da Comunicação na Cultura. São Paulo: Loyola, 2004.
MITCHELL, William John. – A marcha das meganets In.: @-topia: a vida urbana – mas não como a conhecemos. São Paulo : Editora Senac, 2002.
MORAES, Dênis de. Difusão contra-hegemônica em rede In.: Comunicação alternativa, redes virtuais e ativismo: avanços e dilemas. Revista de Economía Política de las Tecnologías de La Información y Comunicación. Disponível em: http://www.observatoriodaimprensa.com.br/download/Comunicacao_alternativa.pdf
SHIRKY, Clay – Meios In.: A cultura da participação: criatividade e generosidade no mundo conectado. Rio de Janeiro : Editora Zahar, 2011.
TIC KIDS ONLINE BRASIL 2012 – Disponível em: http://www.cetic.br/publicacoes/2012/tic-kids-online-2012.pdf