Cultura digital, sociedade e política

09/06/2014

Demissões provocadas por publicações nas redes sociais.

Por Priscila Camazano

Em janeiro de 2011 uma publicação de um fotógrafo do jornal Agora São Paulo no Twitter provocou polêmica. Thiago Vieira estava no CT (Centro de Treinamento) do Palmeiras, em um espaço reservado a imprensa, acompanhando e aguardando o resultado da votação que decidiria o novo presidente do clube. Nesse meio tempo ele resolveu postar na sua conta pessoal do Twitter a seguinte frase: “Enquanto os porcos não se decidem poderiam mandar mais lanchinhos e refrigerante pra imprensa q assiste ao jogo do timão na sala da imprensa”. Quase que imediatamente é “convidado” a se retirar do local. Os responsáveis do clube não gostaram nada da publicação irônica do fotógrafo.

Em março do mesmo ano um outro post no Twitter também causou polêmica. Quando o ex-vice presidente José Alencar faleceu o editor do caderno poder da Folha de S. Paulo publicou em sua página pessoal do Twitter a seguinte frase: “Nunca um obituário esteve tão pronto. É só apertar um botão”, se referindo a uma prática jornalística costumeira que consiste em ter dossiês prontos de personalidades. O post, apesar de não fazer referência direta a Alencar, deu a entender que o jornalista falava do obituário do ex-vice presidente. Não bastava a gafe do editor logo em seguida outra publicação, agora da jornalista Carol Rocha, colega do mesmo veículo de comunicação, piorou ainda mais a situação. Em resposta Rocha faz o seguinte comentário:“@alecduarte mas na Folha.com nada ainda…esqueceram de apertar o botão…rs” se referindo ao fato da notícia do falecimento ainda não ter sido publicada na Folha online. O resultado da “brincadeira” foi o desligamento dos jornalistas da empresa.

Em fevereiro de 2014 uma outra publicação, agora no Facebook, ganhou notoriedade. Rosa Marina Meyer, professora da PUC-RJ, postou em sua conta pessoal uma foto de um passageiro de regata e bermuda no aeroporto Santos Dumont e a frase “Aeroporto ou Rodoviária?” se referindo a forma como o passageiro se vestia como se não fosse apropriada para o local.

Esses são três casos de publicações nas redes sociais que tomaram grandes proporções e tiveram consequências não muito agradáveis para quem às postou. O fotógrafo Thiago Vieira e os jornalistas, Alec Duarte e Carol Rocha, foram desligados da empresa em que trabalhavam. A professora da PUC-RJ foi afastada do cargo que ocupava na universidade. Porém, esses não foram os únicos casos de comentários nas redes sociais que viraram notícia. Artistas e outras pessoas com cargos importantes em grandes empresas também tiveram suas publicações polemizadas.

As redes sociais online possibilitaram com que informações se propagassem em um curto período de tempo e para um número cada vez maior de pessoas. Um ganho incontestável para a comunicação. Porém, também trouxe à tona uma discussão sobre a forma como são usadas as redes sociais online e que tipo de conteúdo pode ser compartilhado.

Raquel Recuero (2009), pesquisadora na área de Ciências Humanas, analisa como se dão as relações sociais contemporâneas através das redes sociais online. A autora trata justamente sobre essa capacidade da difusão da informação nesse meio.

Constituída de atores sociais, tudo o que se publica nas redes online, dirá a autora, está sujeito a forma pela qual as pessoas que te seguem, seus amigos, receberão a informação. E a maneira como aquela informação será interpretada é que definirá se ela é passível de ser compartilhada ou não.

Dirá Recuero (2009) que muitas dessas publicações ganham força e se difundem de forma epidêmica alcançando proporções online e offline. Foi o que aconteceu com os posts descritos acima, ganharam tamanha notoriedade que uma aparentemente inocente frase extrapolou o mundo online e provocou consequências no mundo offline.

As demissões provocadas pelas publicações podem nos remeter a análise feita por Marcuse (1999) com relação ao uso da tecnologia como instrumento de controle e dominação. Segundo o autor a tecnologia além de contribuir para a organização do modo de produção foi também usada como meio de organizar e controlar as relações sociais. Como exemplo o autor cita o aparato tecnológico levada ao extremo no 3° Reich, e que resultou em toda a história da dominação nazista que já conhecemos.

Com base nesse princípio de que a tecnologia pode servir como meio de controle social podemos dizer que a Internet, mais especificamente as redes sociais (produto da tecnologia contemporânea), tendo como base os exemplos citados, foram utilizadas pelas empresas como meio de monitorar os seus funcionários.

Os posts parecem que foram publicadas sem a intencionalidade de causar polêmica, porém, o resultado foi exatamente o contrário. Talvez por seus autores não se darem conta de que apesar de aparentemente estarmos sozinhos em frente ao computador o que se publica nas redes sociais é visto por diversas pessoas, inclusive o seu chefe. Portanto, estamos sempre sendo monitorados e por isso devemos nos ater a que tipo de conteúdo estamos produzindo e compartilhando.

Curioso é imaginar a rapidez com que esses posts se propagaram e se destacaram de milhares de outros conteúdos produzidos diariamente nas redes sociais. Recuero (2009) pode nos ajudar a entender essa lógica do compartilhamento. A autora chama de “meme” toda informação reconhecida que se propaga através de uma replicação. E ao tratar sobre que tipo de informação que se torna um “meme” a autora trabalha com a ideia de que há fatores que são levados em conta para que a informação seja difundida. Fatores que estão relacionados aos próprios atores sociais envolvidos. Ou seja, uma publicação como a da professora da PUC-RJ talvez tenha ganhado as proporções que ganhou pelo fato de seu conteúdo ter sido publicado por um membro da academia.

Para entender esse mecanismo do compartilhamento de informações podemos pensar no conceito de cultura da participação trabalhado por Shirky (2011) e no conceito de cultura da Internet trabalhado por Castells (2003). Shirky (2011) dirá que no mundo conectado há uma certa generosidade ao se produzir e difundir conhecimentos.  Castells (2003) dirá que ao mesmo tempo que somos consumidores das informações disponíveis nas redes sociais online somos produtores de seu conteúdo. Produzimos e disponibilizamos generosamente, por isso a ideia de que há uma cultura da participação, que faz com que os usuários da Internet compartilhem conhecimentos. Para Shriky (2011) as “nossas ferramentas tecnológicas para tornar a informação globalmente disponível e encontrável por amadores, a custo marginal zero, representam, assim, um enorme choque positivo para a combinabilidade do conhecimento”.

Enfim, o que percebemos com esses exemplos é que as redes sociais online refletem as relações sociais estabelecidas offline.  O que talvez os internautas citados não ponderam foi justamente o fato de que o mundo virtual é constituído de atores sociais e que esses refletem a dinâmica do mundo offline, portanto as suas publicações estão sujeitas a interpretações e julgamentos.

 

REFERÊNCIAS

http://g1.globo.com/rio-de-janeiro/noticia/2014/02/professora-que-ironizou-advogado-no-facebook-e-afastada-de-cargo-no-rio.html

http://exame.abril.com.br/carreira/noticias/10-pessoas-que-foram-demitidas-por-causa-do-twitter?p=7

SHIRKY, Clay. “Cultura”. A cultura da participação: criatividade e generosidade no mundo conectado. Rio de Janeiro: Zahar, 2011

RECUERO, Raquel. Redes sociais na Internet. Porto Alegre, Sulina, 2009.

MARCUSE, Herbert. “Algumas implicações sociais da tecnologia moderna”.Tecnologia, Guerra e Fascismo. São Paulo: Editora UNESP, 1999.

CASTELLS, Manuel. “Lições da história da internet” e “A cultura da Internet”. A galáxia da Internet. Rio de Janeiro, Zahar, 2003.

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