Cultura digital, sociedade e política

26/06/2014

Food for Thought

 

Faz parte da nossa história retratar comida, desde os primórdios, e mais tarde na transição da Idade Média para a Idade Moderna, o gênero artístico natureza morta fez grande sucesso nos séculos XVI e XVII[1], o pintor Giuseppe Arcimboldo[2] inovou nessa técnica retratando, entre vários, seus mecenas utilizando frutas, legumes, verduras e peixes.

 

Fonte: http://www.giuseppe-arcimboldo.org

Fonte: http://www.giuseppe-arcimboldo.org

 

Posteriormente com a invenção do rádio e da televisão os programas de culinária garantiram seu lugar nas grades horárias das emissoras. E ainda hoje as receitas, de alguma forma, também fazem parte de programas de entretenimento ou diversidade, sem terem perdido seus programas exclusivos.
Recentemente, na era digital, essa idolatria mantém-se presente nas ferramentas digitais, aplicativos para smartphones e tablets, blogs, fotologs, comunidades e redes sociais. Ao olhar o Facebook é possível verificar a grande quantidade de posts relacionados a comida e confraternizações envolvendo comida, os quais parecem aumentar ainda mais, caso seja feriado, ou se alguns dos amigos estão de férias. A comida tem grande importância para nós, e o fato de poder compartilhar imagens de churrascos, almoços, jantares, sobremesas e sorvetes com os amigos parece potencializar a sensação de prazer já associada à comida. Isso não se limita ao rol de comidas de confraternização, as comidas saudáveis, aquelas pós-malhação, ou as pertencentes à dieta de perda de peso, também têm seu lugar.

De acordo com o Jornal da Manhã, de Minas Gerais, em janeiro de 2014, há 1,19 bilhão de usuários no Facebook, os quais clicam no botão de curtir 4,5 bilhões de vezes todos os dias, e compartilham a cada 24 horas, 4,75bilhões atualizações de status, vídeos e fotos de gatos e de comida.[3]

Ao combinarmos a já antiga pré-disposição ao compartilhamento de comida em momentos de celebrações, à portabilidade e agilidade que a tecnologia trouxe através dos smartphones e tablets, e o espírito do compartilhamento presente na internet, que faz parte de sua gênese, o resultado são as grandes quantidades de atualizações de status diárias, relacionadas a refeições, receitas e comida em geral.
http://www.giuseppe-arcimboldo.org

http://www.giuseppe-arcimboldo.org

As tecnologias digitais também revolucionaram as relações sociais criando uma nova dinâmica. As redes sociais são responsáveis pelo desenvolvimento de novas formas de interação e através dela é possível perceber o tipo de relação que se tem com os outros atores e com o objeto em questão (Recuero, 2009: 33). O compartilhamento de fotos ao lado de potes de Nutella, bolinhos de bacalhau, ou até celebrando a conclusão de uma receita de família preparada de forma caseira nos moldes tradicionais ajudam a revelar o estilo de vida e as mensagens que determinada pessoa busca transmitir. Ao associar-se a uma comunidade, ou integrar-se a um grupo, obtém-se acesso a diferentes conteúdos produzidos também por esses atores, e novas relações têm início através disso.

Ao associar-se a uma comunidade no Orkut, por exemplo, ou ao comentar em um novo weblog ou fotolog, um indivíduo pode estar iniciando interações através das quais vai ter acesso a um tipo diferente de capital social, ou ainda, a redes diferentes. (RECUERO, 2009: p.52)

Nesse novo ambiente as relações sociais se desenvolvem sem necessariamente as pessoas se conhecerem, mas o fato de publicarem suas preferências e atividades as une, criando assim novas comunidades, consequentemente novas discussões e posteriormente novos conteúdos, dando início a um novo ciclo que se repetirá por várias vezes.

As fotos também têm papel importantíssimo nesse cenário, uma vez que são elas as responsáveis por aproximar os interlocutores, através das imagens. Benjamin em seu texto “A Obra de Arte na Era de Sua Reprodutibilidade Técnica” menciona exatamente essa propriedade da fotografia, que é “fazer as coisas ficarem mais próximas” (Benjamin, 1985: 170), mas em detrimento do caráter único das obras de arte.

A questão da exclusividade da obra, ou nesse caso da imagem ou foto, ou ainda a propriedade desta não é um problema, o valor desse material está totalmente relacionado ao seu compartilhamento, à quantidade de curtidas que a foto receberá e à quantidade de re-compartilhamentos que ela tiver. Esse é o ponto de convergência com a filosofia da internet, associada à liberdade de criação e a sua função de ser “o maior repositório de informações que a humanidade já viu” (Amadeu; Santana, 2007).

Ao se compartilhar a foto o objetivo é comunicar o estado de espírito, as relações sociais, o estilo de vida. Os mais variados sentimentos e desejos podem ser retratados através da prato que integra a foto: se a pessoa está em um restaurante chique ou não, se está na intimidade de um jantar com pessoas bonitas e famosas, se está comunicando que cultiva o corpo e a mente saindo da academia e “curtindo” um prato saudável, se precisa fazer inveja aos outros, ou se precisa incitá-los a cometer o pecado da gula e comer aquela sobremesa maravilhosa.

A capacidade de comunicação que a comida tem é imensa. Associado a isso há o fato de que “o compartilhamento em si é uma característica humana, não tecnológica” (Shirky, 2011: 142). A evolução da tecnologia em geral e a internet proporcionaram as ferramentas para tornar esse compartilhamento mais rápido, barato, fácil e interessante.

http://www.giuseppe-arcimboldo.org

http://www.giuseppe-arcimboldo.org

Uma agência de propaganda mapeou o que motiva o compartilhamento de fotos de comida: 25% são fotos cotidianas apenas para mostrar aos outros o que se está comendo; 22% estão documentando pratos que foram preparados por elas mesmas, seja como uma comemoração da conquista, ou buscando aprovação da comunidade, ou apenas elogios; 16% estão compartilhando uma ocasião especial, a qual foi comemorada com uma refeição ou prato especial, 12% é pura arte, a mesma coisa que Giuseppe Arcimboldo ou Paul Cézanne faziam séculos atrás, aqui busca-se aliar o alimento à arte com a finalidade de se inspirar os outros, ou transmitir alguma emoção, ou apenas compartilhar uma coisa bonita; e os últimos 10% estão compartilhando um bom momento com a família ou amigos, para o qual utilizam a comida como elemento de socialização, esse grupo de certa forma une-se aos 16% que compartilham a ocasião especial.[4]

Essa imensa capacidade de comunicação que a comida apresenta é por sua vez apreciada e reconhecida pela economia formal tradicional, a qual procurará fazer uso e apropriar-se. É importante frisar que o conceito de apropriação não está relacionado tanto à propriedade, mas sim ao direcionamento do uso da imagem (Amadeu; Santana, 2007). As empresas sabem que monopolizar as imagens não é viável, é melhor pegar carona no compartilhamento e atingir o maior número possível visualizações. Isso é verdade se o que se está compartilhando é positivo para o produto, caso contrário vale a regra tradicional de propriedade e busca-se retirar a imagem de circulação.

http://www.giuseppe-arcimboldo.org

http://www.giuseppe-arcimboldo.org

Quanto mais espontâneo for o compartilhamento da imagem que contém um determinado produto, melhor será para seu fabricante, tanto no que diz respeito à presença da marca na mente dos consumidores, quanto no que diz respeito ao custo, uma vez que será uma propaganda gratuita. Acredito ser possível dizer que um dos objetivos das áreas de marketing atualmente é ter um post de Facebook, Flickr, ou Instagram que torne-se um viral.

 

[1] De acordo com Wikipédia: natureza-morta é um tipo da pintura e da fotografia que retrata seres inanimados: como frutas, louças, instrumentos musicais, flores, livros, taças de vidro, garrafas, jarras de metal, porcelanas, dentre outros objetos. Esse gênero de representação surgiu da Grécia Antiga, e também se fez presente em afrescos encontrados nas ruínas de Pompéia. A denominação Natureza morta, conforme o alemão Norbert Schneider, surgiu na Holanda no século XVII, nos inventários de obras de arte. A expressão competiu durante algum tempo com natureza imóvel e com representação de objetos imóveis no século XVIII

[2] Giuseppe Arcimboldo (Milão, 1527 – 1599) foi um pintor italiano, suas obras principais incluem a série “As quatro estações”, onde usou, pela primeira vez, imagens da natureza, tais como frutas, verduras e flores para compor fisionomias humanas. A partir de 1562 morou em Praga, então capital do reino da Boêmia e hoje da República Tcheca, onde consolidou sua carreira como artista. Serviu na corte de Fernando I e de seus sucessores, Maximiliano II e seu filho Rodolfo II, grandes mecenas. Arcimboldo foi admirado como artista pelos três monarcas, tornou-se pintor da corte e chegou a ser nomeado Conde Palatino.

[3] Jornal da Manhã, 23/01/2014, Disponível em: http://www.jmonline.com.br/novo/?noticias,22,ARTICULISTAS,90235. Acesso em:16 Jun.2014.

[4] Disponível em: www.360i.com/reports/online-food-photo-sharing-trends/. Acesso em: 02 junho.2014.

 

 

BIBLIOGRAFIA

AMADEU, Serio; SANTANA,Bianca. Diversidade Digital e Cultura in Seminário Internacional sobre Diversidade Cultural: práticas e perspectivas, 2007, Brasília. Disponível em http://diversidadedigital.blogspot.com.br. Acesso em 02 junho 2014.

MORAES, Denis. Comunicação Alternativa, Redes Virtuais e Ativismo: Avanços e Dilemas. Revista de Economía Política de las Tecnologías de la Información y Comunicación, Vol. IX, #2, mayo-ago/2007. Disponível em www.eptic.com.br. Acesso em: 02 junho 2014.

BENJAMIN, Walter. A Obra de Arte na Era de Sua Reprodutibilidade Técnica (Primeira Versão). Magia e Técnica, Arte e Política. São Paulo: Editora Brasiliense, 1985.

RECUERO, Raquel. Redes Sociais na Internet. Porto Alegre: Editora Sulina, 2009.

SHIRKY, Clay. A Cultura da Participação – Criatividade e generosidade no mundo conectado. Rio de Janeiro: Zahar, 2011.

Opiniões e Ódio na Internet

 

Todos sabem que a internet colaborou com a disponibilização rápida da informação, que as redes sociais permitiram que as pessoas se encontrem e se organizem, tanto virtualmente quanto fisicamente, e que também manifestem-se e exponham as suas opiniões diante dos mais diversos assuntos. Entretanto, o que acho que não está claro para todos, é como este progresso também facilitou às pessoas dizerem o que pensam das mais variadas formas, sem pensarem nas conseqüências, ou mais especificamente a agredirem-se.

Fonte: http://outraspalavras.net/brasil/facebook-um-mapa-das-redes-de-odio/

Fonte: http://outraspalavras.net/brasil/facebook-um-mapa-das-redes-de-odio/

Vivemos em um momento em que há mais engajamento político, com manifestações anti-globalização, a crise financeira de 2007, a primavera árabe e todos os protestos ao redor do mundo, questionando ações políticas e econômicas, o Brasil não foi exceção. Busca-se muito mais uma democracia participativa do que uma democracia representativa (Rueda, 2008: 15), e nesse momento expressar-se através das redes sociais, ou fazer comentários em revistas on-line e blogs torna-se quase que mandatório.

Atualmente é muito comum ver no Facebook, por exemplo, diversos posts exaltando uma opinião ou ideologia específica, recriminando as opiniões diferentes e as colocando em posição de antagonismo total. Além disso, os comentários a esses posts muitas vezes vão além dos debates, onde expressam-se opiniões e procura-se um alinhamento, para se chegar a verdadeiros bate-bocas, com agressões, desqualificações e xingamentos. O espaço para comentários, ao invés de permitir que o assunto evolua acaba por reduzi-lo a antagonismos recheados de agressões. Interessante que o tema pode ser variado, mas a situação mais comum a ser encontrada são as acusações de comunista e de neo-liberal, dependendo de quem colocou o assunto em discussão. O primeiro comentário negativo sobre o tema é a acusação de uma opção política. Até mesmo em relação ao uso da tecnologia recai-se nessa discussão. De acordo com William J. Mitchell:

A essa altura, já conhecemos bem os previsíveis subtextos ideológicos dessas duas posições antagônicas. Da direita governamentalista vem a ideia de que, como a tecnologia digital pode melhorar nossa situação, ela certamente o fará – contanto que não se toque no mercado. Da esquerda legalista vem a réplica de que, como os ricos e poderosos são sempre os primeiros a se beneficiar das novas tecnologias e os mercados não são amigos dos marginalizados, precisamos de uma vigorosa intervenção do governo para garantir que os computadores e as telecomunicações não criem um abismo digital intransponível entre os que têm e os que não têm. E é claro que os neoluditas estão totalmente convencidos de que temos mais a perder do que a ganhar, e por isso deveríamos cavar trincheiras e resistir  (MITCHELL, 2002: p30).

Escrever é uma arte, escrever na internet também o é, uma vez que existe a necessidade de se combinar rapidez, precisão e síntese. A meu ver, essa combinação torna-se explosiva, e é um dos elementos que proporciona o extremismo de manifestação.

O ato de escrever requer conhecimento do tema, disponibilidade de tempo, habilidade e treino. A combinação de todas essas características na maioria das vezes não está presente na maioria das pessoas, entretanto o ambiente virtual é totalmente convidativo à manifestação de opiniões, e em geral, de opiniões escritas. Além disso, o ambiente virtual apresenta mais uma complicação, tem como principal característica a velocidade, é necessário se manifestar rapidamente, caso contrário: o assunto deixa de ser importante, outros comentários são escritos e a conversa muda seu rumo. Associado a isso, é necessário ao escrever, ser conciso e sucinto, garantindo assim que as pessoas leiam o que foi escrito, caso contrário perde-se o interesse.

Do ponto de vista do leitor, a leitura permite uma livre interpretação do texto, uma vez que a entonação é dada por ele, e não pelo escritor, então uma vírgula mal empregada, ou sua omissão, ou ainda uma leitura sugestionada já permite a interpretação de uma agressão, que requer um contra-ataque.
A existência de conflito é natural e esperada, faz parte do processo, “a interação social é compreendida como geradora de processos sociais a partir de seus padrões na rede, classificados em competição, cooperação e conflito” (Recuero, 2009: 81). Entretanto o que venho percebendo é um esvaziamento da discussão principal em benefício da troca de agressões, do extremismo.

Ao analisar os comentários da matéria chamada Facebook: um mapa das redes de ódio, de Patrícia Cornils, no blog Outras Palavras, na qual ela conversa com o pesquisador Fábio Malini, do Laboratório de Estudos sobre Imagem e Cibercultura (Labic) na Universidade Federal do Espírito Santo, é possível perceber essa realidade. A matéria trata da pesquisa de Fábio Malini, que mapeou as páginas de facebook “dedicadas a defender o uso da violência contra o que chamam de “bandidos”, “vagabundos”, “assaltantes”, fazer apologia a linchamentos e ao assassinato, defender policiais, publicar fotos de pessoas “justiçadas” ou mortas violentamente, vender equipamentos bélicos e combater os direitos humanos” (Cornils, 2014), a agressividade estava presente, não apenas por conta do tema, mas também nos comentários.

Há um total de 39 comentários, sendo 1 deles uma correção, portanto 38 comentários válidos, dos quais 21 considerei normais e 17 considerei agressivos ou muito agressivos. Por agressividade considerei xingamentos, palavras agressivas, ou irônicas, ou debates bilaterais específicos. Apesar de ter feito a análise para uma única matéria, acredito que essa distribuição repete-se com freqüência, e dependendo da fonte e do assunto tende a inverter-se, tendo mais conteúdo agressivo do que neutro.

Resumindo, a questão do conflito é importante, porque é ela que faz o mundo mover-se, sem o conflito não há pensamento, não há crítica, não há evolução.

Para Simmel (1950 e 1964) os conflitos envolvem, ao mesmo tempo, harmonia e dissonância. Um sistema completamente harmônico não pode existir, pela sua incapacidade de mudança e evolução. O autor explica que o conflito tem aspectos positivos, não sendo por si só um elemento negativo para o sistema social. (RECUERO, 2009: p.85).

Entretanto o que estamos experimentando é um exagero de conflito, o qual acaba por empobrecer a discussão, o objetivo principal em debater não é explorar as idéias, mas sim vencer o oponente, o que transfere o foco da discussão para um objetivo completamente diferente do inicial.
Essa situação também deságua em outros dois dilemas muito em voga na atualidade, até onde vai o direito de expressar-se e a liberdade na internet. O caráter libertário da internet foi o que fomentou e organizou os movimentos sociais que representaram a indignação do público do mundo inteiro contra o 1% mais rico do mundo, durante a crise financeira mundial de 2008. Naquele momento as pessoas esqueceram suas diferenças e uniram-se a fim de manifestar.

Mas foi basicamente a humilhação provocada pelo cinismo e pela arrogância das pessoas no poder, seja ele financeiro, político ou cultural, que uniu aqueles que transformaram o medo em indignação, e indignação em esperança de uma humanidade melhor. Uma humanidade que tinha de ser reconstruída a partir do zero, escapando das múltiplas armadilhas ideológicas e institucionais que tinham levado inúmeras vezes a becos sem saída, forjando um novo caminho, à medida que o percorria.(CASTELLS, 2013: p.8).

Essa indignação toda, que uniu as pessoas, permitiu que superassem medo e constrangimento de se manifestar sobre o que consideravam errado. Será que essa mesma indignação está agora re-agrupando as pessoas, umas contra as outras ? Será que estamos voltando ao ponto de partida, no momento anterior à crise, onde as diferenças é que permitiram que uma crise se instaurasse ? “É possível observar-se em um blog não apenas a interação em um comentário, mas as relações entre várias interações e perceber-se que tipo de relação transpira através daquelas trocas.” (Recuero, 2009: 31).

São esses comentários, carregados de tensão e agressividade que identificam e unem os grupos, criando novas comunidades, as quais irão debater umas contra as outras, nos mesmos moldes, sempre em nome de sua liberdade de expressão. A impressão é de que a liberdade de expressão está acima do que é possível fazer para melhorar a condição de vida dos 99% menos ricos, e que voltamos à época da guerra fria, onde ou se é pró-EUA, ou pró-Rússia, não há nada no meio.

Fonte: http://outraspalavras.net/brasil/facebook-um-mapa-das-redes-de-odio/

Essas questões, que não são novas, tendem cada vez mais a intensificar-se, e a solução distante de ser atingida, especialmente se a condução do debate seguir o padrão atual, onde as pessoas culpam umas às outras pela dificuldade que enfrentam, buscam vencer as discussões, e não trabalham no sentido da melhora.

 

 

BIBLIOGRAFIA:

CORNILS, Patrícia. Facebook: um mapa das redes de ódio. Blog Outras Palavras. São Paulo, Mar.2014. Disponível em: http://outraspalavras.net/brasil/facebook-um-mapa-das-redes-de-odio/. Acesso em 18 Jun.2014.

RUEDA, Rocio. Cibercultura: metáforas, prácticas sociales y colectivos en red. Revista Nomadas (Col.), Num. 28, Abril 2008, PP. 8-20. Universidad Central, Bogotá, Colômbia. Disponível em: http://www.ucentral.edu.co/images/stories/iesco/revista_nomadas/28/nomadas_1_cibercultura.pdf. Acesso em: 18 Jun.2014.

CASTELLS, Manuel. Redes de Indignação e Esperança – Movimentos Sociais na Era da Internet. Rio de Janeiro: Zahar, 2013.

MITCHELL William J. – E-topia A Vida Urbana – mas não como conhecemos. São Paulo: SENAC, 2002.

RECUERO, Raquel. Redes Sociais na Internet. Porto Alegre: Editora Sulina, 2009.

09/06/2014

Demissões provocadas por publicações nas redes sociais.

Por Priscila Camazano

Em janeiro de 2011 uma publicação de um fotógrafo do jornal Agora São Paulo no Twitter provocou polêmica. Thiago Vieira estava no CT (Centro de Treinamento) do Palmeiras, em um espaço reservado a imprensa, acompanhando e aguardando o resultado da votação que decidiria o novo presidente do clube. Nesse meio tempo ele resolveu postar na sua conta pessoal do Twitter a seguinte frase: “Enquanto os porcos não se decidem poderiam mandar mais lanchinhos e refrigerante pra imprensa q assiste ao jogo do timão na sala da imprensa”. Quase que imediatamente é “convidado” a se retirar do local. Os responsáveis do clube não gostaram nada da publicação irônica do fotógrafo.

Em março do mesmo ano um outro post no Twitter também causou polêmica. Quando o ex-vice presidente José Alencar faleceu o editor do caderno poder da Folha de S. Paulo publicou em sua página pessoal do Twitter a seguinte frase: “Nunca um obituário esteve tão pronto. É só apertar um botão”, se referindo a uma prática jornalística costumeira que consiste em ter dossiês prontos de personalidades. O post, apesar de não fazer referência direta a Alencar, deu a entender que o jornalista falava do obituário do ex-vice presidente. Não bastava a gafe do editor logo em seguida outra publicação, agora da jornalista Carol Rocha, colega do mesmo veículo de comunicação, piorou ainda mais a situação. Em resposta Rocha faz o seguinte comentário:“@alecduarte mas na Folha.com nada ainda…esqueceram de apertar o botão…rs” se referindo ao fato da notícia do falecimento ainda não ter sido publicada na Folha online. O resultado da “brincadeira” foi o desligamento dos jornalistas da empresa.

Em fevereiro de 2014 uma outra publicação, agora no Facebook, ganhou notoriedade. Rosa Marina Meyer, professora da PUC-RJ, postou em sua conta pessoal uma foto de um passageiro de regata e bermuda no aeroporto Santos Dumont e a frase “Aeroporto ou Rodoviária?” se referindo a forma como o passageiro se vestia como se não fosse apropriada para o local.

Esses são três casos de publicações nas redes sociais que tomaram grandes proporções e tiveram consequências não muito agradáveis para quem às postou. O fotógrafo Thiago Vieira e os jornalistas, Alec Duarte e Carol Rocha, foram desligados da empresa em que trabalhavam. A professora da PUC-RJ foi afastada do cargo que ocupava na universidade. Porém, esses não foram os únicos casos de comentários nas redes sociais que viraram notícia. Artistas e outras pessoas com cargos importantes em grandes empresas também tiveram suas publicações polemizadas.

As redes sociais online possibilitaram com que informações se propagassem em um curto período de tempo e para um número cada vez maior de pessoas. Um ganho incontestável para a comunicação. Porém, também trouxe à tona uma discussão sobre a forma como são usadas as redes sociais online e que tipo de conteúdo pode ser compartilhado.

Raquel Recuero (2009), pesquisadora na área de Ciências Humanas, analisa como se dão as relações sociais contemporâneas através das redes sociais online. A autora trata justamente sobre essa capacidade da difusão da informação nesse meio.

Constituída de atores sociais, tudo o que se publica nas redes online, dirá a autora, está sujeito a forma pela qual as pessoas que te seguem, seus amigos, receberão a informação. E a maneira como aquela informação será interpretada é que definirá se ela é passível de ser compartilhada ou não.

Dirá Recuero (2009) que muitas dessas publicações ganham força e se difundem de forma epidêmica alcançando proporções online e offline. Foi o que aconteceu com os posts descritos acima, ganharam tamanha notoriedade que uma aparentemente inocente frase extrapolou o mundo online e provocou consequências no mundo offline.

As demissões provocadas pelas publicações podem nos remeter a análise feita por Marcuse (1999) com relação ao uso da tecnologia como instrumento de controle e dominação. Segundo o autor a tecnologia além de contribuir para a organização do modo de produção foi também usada como meio de organizar e controlar as relações sociais. Como exemplo o autor cita o aparato tecnológico levada ao extremo no 3° Reich, e que resultou em toda a história da dominação nazista que já conhecemos.

Com base nesse princípio de que a tecnologia pode servir como meio de controle social podemos dizer que a Internet, mais especificamente as redes sociais (produto da tecnologia contemporânea), tendo como base os exemplos citados, foram utilizadas pelas empresas como meio de monitorar os seus funcionários.

Os posts parecem que foram publicadas sem a intencionalidade de causar polêmica, porém, o resultado foi exatamente o contrário. Talvez por seus autores não se darem conta de que apesar de aparentemente estarmos sozinhos em frente ao computador o que se publica nas redes sociais é visto por diversas pessoas, inclusive o seu chefe. Portanto, estamos sempre sendo monitorados e por isso devemos nos ater a que tipo de conteúdo estamos produzindo e compartilhando.

Curioso é imaginar a rapidez com que esses posts se propagaram e se destacaram de milhares de outros conteúdos produzidos diariamente nas redes sociais. Recuero (2009) pode nos ajudar a entender essa lógica do compartilhamento. A autora chama de “meme” toda informação reconhecida que se propaga através de uma replicação. E ao tratar sobre que tipo de informação que se torna um “meme” a autora trabalha com a ideia de que há fatores que são levados em conta para que a informação seja difundida. Fatores que estão relacionados aos próprios atores sociais envolvidos. Ou seja, uma publicação como a da professora da PUC-RJ talvez tenha ganhado as proporções que ganhou pelo fato de seu conteúdo ter sido publicado por um membro da academia.

Para entender esse mecanismo do compartilhamento de informações podemos pensar no conceito de cultura da participação trabalhado por Shirky (2011) e no conceito de cultura da Internet trabalhado por Castells (2003). Shirky (2011) dirá que no mundo conectado há uma certa generosidade ao se produzir e difundir conhecimentos.  Castells (2003) dirá que ao mesmo tempo que somos consumidores das informações disponíveis nas redes sociais online somos produtores de seu conteúdo. Produzimos e disponibilizamos generosamente, por isso a ideia de que há uma cultura da participação, que faz com que os usuários da Internet compartilhem conhecimentos. Para Shriky (2011) as “nossas ferramentas tecnológicas para tornar a informação globalmente disponível e encontrável por amadores, a custo marginal zero, representam, assim, um enorme choque positivo para a combinabilidade do conhecimento”.

Enfim, o que percebemos com esses exemplos é que as redes sociais online refletem as relações sociais estabelecidas offline.  O que talvez os internautas citados não ponderam foi justamente o fato de que o mundo virtual é constituído de atores sociais e que esses refletem a dinâmica do mundo offline, portanto as suas publicações estão sujeitas a interpretações e julgamentos.

 

REFERÊNCIAS

http://g1.globo.com/rio-de-janeiro/noticia/2014/02/professora-que-ironizou-advogado-no-facebook-e-afastada-de-cargo-no-rio.html

http://exame.abril.com.br/carreira/noticias/10-pessoas-que-foram-demitidas-por-causa-do-twitter?p=7

SHIRKY, Clay. “Cultura”. A cultura da participação: criatividade e generosidade no mundo conectado. Rio de Janeiro: Zahar, 2011

RECUERO, Raquel. Redes sociais na Internet. Porto Alegre, Sulina, 2009.

MARCUSE, Herbert. “Algumas implicações sociais da tecnologia moderna”.Tecnologia, Guerra e Fascismo. São Paulo: Editora UNESP, 1999.

CASTELLS, Manuel. “Lições da história da internet” e “A cultura da Internet”. A galáxia da Internet. Rio de Janeiro, Zahar, 2003.

02/06/2014

Da democracia à revolução, como a internet está se tornando um instrumento político

Por Márcio Nascimento Souza

A democracia em seu significado etimológico seria o governo do povo[1], assim como era na Grécia Antiga onde essa palavra teve origem, as decisões eram tomadas pelos homens livres nas ágoras, as opiniões de cada cidadão da polis era expressa a fim de convencer os demais. Porém esse modelo revolucionário desapareceu junto com a soberania ateniense perante o domínio romano no século II A.C. A democracia apenas ressurgiu no século XIX como uma consequência da modernidade que aos poucos incluiu as mulheres e os analfabetos, porém essa não era mais a democracia participativa dos gregos antigos, mas uma democracia representativa que delega ao cidadão apenas o direito ao voto em períodos de eleições, onde os representantes dos cidadãos já se encontram em sua maioria alheios aos problemas deles por serem na verdade representantes de elites econômicas e políticas.  A democracia não se faz mais pela prática da expressão de cada indivíduo. Em partes, podemos entender isso como consequência do impedimento físico de reunir todos os milhões de cidadãos de um Estado moderno em um congresso, onde todos falariam e ouviriam a todos. Deste modo parece que a democracia representativa seria o único modo possível de democracia, não sendo mais ela o governo do povo, mas o governo sobre o povo.

Porém, hoje assim como a mais de 2500 anos na Grécia surgia de forma revolucionária a democracia, a internet está mudando os aspectos da vida social em quase todo planeta, ela está possibilitando aos indivíduos modernos romper com os obstáculos físicos de comunicação e permitindo acesso rápido as informações, dando vida a um novo tipo de democracia, seguindo o exemplo da constituição colaborativa islandesa, onde o povo por meio das redes sociais como o Facebook e o Twitter ou pela página oficial criada para a redação da nova constituição, contribuiu através de opiniões, sugestões e debates[2], Segundo William J. Mitchell (2002) a dinâmica social alcançada após uma revolução tende a ser irreversível, gerando outras transformações que tendem ser profundas:

“Como naqueles fortes abalos que marcaram nosso passado – as revoluções agrícola e urbana que se seguiram à invenção da roda e do arado, e a revolução industrial que emergiu da ciência do Iluminismo -, as dinâmicas sociais pós-revolucionárias parecem já ter atingido um impulso irreversível.” (MITCHELL, p32. 2002.)

A participação do povo na política através da internet segundo Eiríkur Bergmann[3] é fundamental para um nível mais avançado de democracia, porém, é importante lembrar que ela contínua sendo representativa através de eleições, o que leva Bergmann a pensar que não vivemos no limiar de uma nova democracia, mas sim, uma nova etapa onde a web é um instrumento para participação. Pois, a ciberdemocracia possibilita o surgimento mecanismos de discussão entre o cidadão e o Estado, tornando a participação popular mais real nas tomadas de decisões. Bergmann ressalta que logo após a pacífica “Revolução das Panelas” em frente ao parlamento em decorrência da crise econômica de 2008, a população a transferiu para a rede, onde os políticos a acolheram através da criação de uma Comissão Constitucional. Essa participação popular na nova constituição islandesa só foi possível graças ao fato de que 95% da população têm acesso à internet.

Uma rede de comunicações surgiu junto ao ciberespaço, possibilitando a interação entre todos com acesso a rede, assim como Manoel Castells aponta em A Galáxia da Internet, ela está fornecendo a integração de várias redes, como por exemplo, se observarmos a constante troca e cruzamento de informações do mundo todo através do Facebook e o Youtube veremos a possibilidade do surgimento de uma maior diversidade cultural, porque as distâncias e os territórios físicos tornam-se relativizados diante da circulação de informações e o acesso a elas, possibilitando uma maior aproximação entre indivíduos de diversas culturas.

 Assim como William J. Mitchell já parecia prever em E-Topia A vida urbana – mas não como a conhecemos, através de objetos de uso cotidiano, como celulares e relógios que tendem a se tornarem mais inteligentes, teremos as novas interfaces para o mundo digital. Mitchell via a web como uma construção coletiva, ou seja, podemos entender isso como uma oportunidade de criarmos uma nova experiência democrática. De forma otimista esse autor crê que em breve os meios de acesso a rede estarão tão presentes e integrados a vida cotidiana, assim como a eletricidade e a telefonia, podendo surgir redes comunitárias que seriam como as ágoras da Grécia Antiga. Mas o mesmo autor aponta preocupação quanto aos usos da internet, em seu texto de 2002 ele parecia já prever o recente alvoroço causado pela revelação de espionagem da Agência de Segurança Nacional (NSA) norte-americana, ao dizer que achar que as informações fluem livremente pela rede é um mito otimista, pois “sentinelas” vigiam as informações (MITCHELL, 56. 2002).

No Brasil podemos observar algumas iniciativas como forma de aproximação do povo das questões públicas, como por exemplo, o Portal da Transparência que permite a qualquer cidadão com acesso a internet fiscalizar a utilização do dinheiro público, ou a TV Senado e TV Câmara que permitem acompanhar as discussões e decisões do Congresso Nacional, porém não vemos essas iniciativas como um meio de articulação de participação do povo no governo, mas como apenas uma prestação de contas.

Se por um lado as tecnologias da informação estão sendo usadas como ferramentas numa tentativa de participação maior do povo nas decisões políticas em um Estado democrático de direito como é a Islândia, por outro elas desempenham um papel de demolição de regimes pouco democráticos, como no caso da onda revolucionária conhecida como Primavera Árabe, onde o uso de redes sociais consegue driblar a censura e organizar manifestações de forma estratégica. Toda revolução depende de meios de comunicação como o uso de panfletos e jornais. E agora as tecnologias digitais estão desempenhando essa função, porém de uma forma nunca vista antes. Tentar desconectar a rede certamente acarreta num prejuízo econômico muito alto, e para evitar que as revoltas se propagassem mais através da internet alguns governos não tiveram outra escolha a não ser ceder à pressão popular[4].  Segundo Manoel Castells em Redes de Indignação e Esperança – Movimentos Sociais na Era da Internet, o surgimento da rede possibilitou a ocupação de um espaço que é desprovido do controle total dos governos e das empresas, onde os indivíduos se juntam para reivindicar o direito de fazer história. Através da articulação pela rede, indo do norte da África pelas manifestações da Primavera Árabe, ao coração do mundo financeiro no movimento chamado Occupy Wall Street, as comunicações de massas por meio da rede estão fornecendo a possibilidade para a construção da autonomia dos indivíduos diante as instituições (CATELLS, 12. 2013). Para Castells esse é o motivo dos governos temerem a internet.

As mídias digitais podem ser as novas armas da revolução, assim como os instrumentos da construção de uma nova democracia.

facebook-freedom-cartoon-egypt-color-598x791

Fonte: cartoonaday.com

Bibliografia:

CASTELLS, Manoel. A Galáxia da Internet: Reflexões sobre Internet, Negócios e Sociedade. Rio de Janeiro, Zahar, 2003.

_______________. Redes de indignação e esperança: movimentos sociais na era da internet. Rio de Janeiro, Zahar, 2013.

MITCHELL, William J. E-topia: a vida urbana – mas não como a conhecemos. São Paulo, Senac, 2002.

Sites:

http://tecnologia.terra.com.br/internet/constituicao-colaborativa-da-islandia-serve-de-exemplo-ao-brasil,f9f3a0b2993de310VgnVCM3000009acceb0aRCRD.html

http://www.20minutos.es/noticia/967110/0/rey/bahrein/presos/


[1] Dicionário da Língua Portuguesa, Michaelis. Disponível em michaelis.uol.com.br

[2] Para mais informações acesse: http://tecnologia.terra.com.br/internet/constituicao-colaborativa-da-islandia-serve-de-exemplo-ao-brasil,f9f3a0b2993de310VgnVCM3000009acceb0aRCRD.html

[3] Eiríkur Bergmann é professor de Ciências Sociais na Universidade de Bifröst na Islândia.

[4] Para mais informações acesse: http://www.20minutos.es/noticia/967110/0/rey/bahrein/presos/

01/06/2014

Crowdfunding – A Vaquinha da Modernidade

Por Jimmy M. Pitondo

Entre as muitas válvulas de escape em relação aos meios tradicionais que o uso da internet proporciona, podemos enxergar no Crowdfunding um dos fenômenos que mais crescem com as transformações de mercado engendradas por esse uso. O financiamento coletivo funciona como uma rota alternativa para todos que possuem ideias criativas e elaboram projetos artísticos, tecnológicos, acadêmicos, enfim, projetos para os quais seus criadores não têm dinheiro necessário para colocar em prática, ou seja, é uma forma interessante de driblar o empréstimo bancário ou o patrocínio das grandes produtoras, ainda que esse financiamento também passe pela mediação de organizações como: Catarse, Kickstarter, Ulule, KissKissBankBank, entre inúmeras outras. Assim, as famosas ‘‘vaquinhas’’ tão próximas ao nosso cotidiano, organizadas por grupos a fim de levantar fundos para qualquer objetivo, ganham uma nova roupagem no mundo virtual e um valor cívico real.

É o pesquisador estadunidense Clay Shirky (2011) quem nos mostra como as relações de mercado, entre outras formas possíveis, são um tipo de norma cultural que auxiliam as trocas de coisas ou informações entre os indivíduos. Dentro dessa arquitetura descentralizada da internet, essas normas culturais são modificadas ao longo do desenvolvimento de novas formas de relações mercadológicas. Agora nos cabe levantar algumas questões sobre o funcionamento dessas trocas nesse novo caminho, suas principais vantagens e, naturalmente, problemas em relação ao seu uso.

Primeiramente o financiamento coletivo esteve ligado ao cinema. Se lançarmos um olhar retrospectivo no tempo, especificamente em 1959, vamos encontrar John Cassavetes buscando o apoio dos nova-iorquinos para financiar seu filme Shadows, já nessa primeira tentativa a vaquinha obteve êxito. Mas há 50 anos quais eram os meios que John possuía? Eles estavam no rádio, nos jornais e no boca-a-boca. Já hoje, além dessa prática encontrar-se mais ligada ao campo da música e da tecnologia, nossos contemporâneos Cassavetes atuam principalmente nas redes sociais online, como Twitter ou FaceBook, onde em tempo real é possível estimular a curiosidade e o altruísmo dos internautas, dos seus amigos e amigos dos amigos em uma escala global. Essa dinâmica se afirma nessa nova cultura de comunicação, compartilhamento e difusão rápida de ideias. Os movimentos surgem e espalham-se por contágio através de redes de comunicação, seu impacto se evidencia quando olhamos a forma pela qual o poder se exerce na comunicação e na alternância entre várias redes, vemos então como esses movimentos carregam a dynamis necessária para transformações sociais, pois abrem novos espaços onde há transformação e superação de interesses e valores hegemônicos.

Manuel Castells (2013) explora essa questão de transformação social através dos movimentos sociais conectados em rede. Mesmo não sendo um movimento social propriamente dito, a prática do Crowdfunding surge como uma forma de contrapoder multimodal, por isso se torna possível aproveitar suas ideias sobre como essa organização em redes poder se tornar responsável por significativas mudanças sociais. Através da ampliação do alcance da comunicação que a internet proporciona, o surgimento de formas de financiamento coletivo pode então ser interpretado como um contrapoder em relação as grandes gravadoras ou aos órgãos de financiamento de pesquisa. Seu crescimento é exponencial, uma vez que ‘‘A constituição de redes é operada pelo ato da comunicação. Comunicação é o processo de compartilhar significado pela troca de informações’’ (CASTELLS. 2013:11)

Dentro desse universo de trocas, o idealizador do projeto é obrigado a ir além de sua função original, pois, para que obtenha sucesso em sua busca por investimentos é necessário saber interagir nas redes sociais online e ter capacidade de manter uma relação entre a rede que está inserido e as inúmeras outras adjacentes, função essa para a qual nem todos têm habilidades. Assim, por exemplo, ao invés do artista se limitar a fazer sua arte, deve encarnar o papel de empresário e demonstrar habilidade na comunicação alternativa, o que muitas vezes faz com que o mais habilidoso em marketing viral obtenha maior espaço de visibilidade, não necessariamente sendo o mais talentoso. Compreender o pensamento de Dênis Moraes (2007) acerca da comunicação alternativa é de suma importância para desenvolver essas habilidades necessárias:

A idéia de alternatividade fundamenta-se numa dupla inserção ideológica do projeto comunicacional: alinhamento com processos de mudança social: e o combate sistemático ao sistema hegemônico. Pressupõe assumir visões transformadoras na relação com os leitores e a sociedade em geral, nos métodos de gestão, nas formas de financiamento e, sobretudo, na interpretação dos fatos social. (MORAES. 2007:4)

Vejamos alguns dados para materializar o impacto no sistema hegemônico. O kickstarter fez um levantamento em 2013, seus dados indicam um investimento de mais de 400 milhões de dólares entre 3 milhões de internautas do mundo todo. Sendo quase 20 mil projetos bem sucedidos, entre eles, o Oculos Rift recentemente comprado pelo FaceBook por 2 bilhões de dólares. O que nos leva a inúmeras questões. André Senna, pesquisador do Atos – Comunicação e consumo: estudos de recepção e ética da ESPM, nos diz: ‘‘É interessante olharmos o caso do Oculus Rift. Ele foi financiado no Kickstarter, e deu tão certo que o FaceBook comprou há algumas semanas. Os apoiadores ficaram indignados e pediram reembolso! Mas e aí, Crowdfunding é doação ou investimento?’’ Assim como Clay Shirky mostra, quando criamos uma relação de mercado em cima de algo previamente fora dessa lógica, podemos modificar profundamente essas relações, nessa perspectiva os internautas deixam de ser somente apoiadores e podem se tornar co-produtores dos projetos, dessa forma essa relação passa de uma empresa compartilhada para uma transação de mercado

Muitas empresas tentam deixar clara essa linha entre doações e investimentos, assim como é feito pela empresa My Major Company que chega a oferecer um retorno financeiro em certos casos. Mas ainda assim enfrentou diversas críticas no âmbito da transparência em relação ao que é feito com o dinheiro e a chance de retorno do investimento. Organizações como Ulule e KissKissBankBank deixam claro que no caso do projeto não avançar, ou seja, não conseguir a quantia necessária, toda a operação é cancelada e o investimento devolvido aos financiadores. Com isso vemos nesse universo de financiamento coletivo uma pluralidade de situações e formas, com o surgimento de novas startups e os avanços da legislação sobre o tema, veremos um desenvolvimento profundo nesse tipo de ação. Agora, onde está o Brasil nesse universo?

Aqui em Pindorama é interessante notar a diferença do perfil dos apoiadores em relação ao exterior. Apesar de estarmos ainda engatinhando na compreensão da internet como uma ferramenta para além do trivial entretenimento, é possível enxergar um interesse maior em projetos culturais e sociais, enquanto no exterior o que prevalece são os projetos ligados a tecnologia e aos games, como no caso envolvendo o próprio criador do MegaMen em 2013, onde foram arrecadados via kickstarter quase 4 milhões de dólares para reviver o veterano jogo de ação. Já aqui também temos algumas organizações voltadas ao auxílio ao financiamento coletivo, entre elas, Catarse, Arrekade e a Vakinha Online. Em 2013 a banda Raimundos lançou seu último CD, Cantigas de Roda, com a ajuda de 1699 apoiadores e 123, 278 reais em contribuições, 68, 278 reais a mais do que o valor necessário para o desenvolvimento do projeto. Além de uma interessante vantagem relativa ao valor da contribuição, com 10 reais ou mais o apoiador ganhou o download antecipado e seu nome escrito na galeria dos apoiadores, 35 reais ou mais, todos os prêmios anteriores e mais o CD físico em casa; essa relação entre o valor doado e suas vantagens chegam até o patamar de 5 mil reais, no qual o indivíduo ganhou além dos prêmios já mencionados, um CD autografado, camiseta, Vinil, ingresso com backstage e camarim para qualquer show no ano seguinte com direito a acompanhante,entre inúmeros outros prêmios.

Dessa forma, esse é um universo cheio de possibilidades para ambos os lados, assim como Senna nos fala: ‘‘Cara, o Crowdfunding é uma ferramenta muito legal, senão a melhor, para tirar do papel ideias legais e desafiadoras que jamais iriam ao mercado por conta própria naquele momento. É uma forma de fazer arte e tecnologia que vai além do lucro por si só, pois, acaba engajando a comunidade. É um processo em amadurecimento: o surgimento do Kickstarter e Catarse mostram que o Crowdfunding pode ser mais que uma simples vaquinha virtual, e quando o processo se torna uma relação de troca, os resultados são bem melhores. Mas muitos ainda estão aprendendo a usar a ferramenta. Vejo o ceticismo aumentando nos próximos tempos, mas também vejo esse amadurecimento rolando. ’’ Naturalmente ainda há outras questões em aberto para discussões, o objetivo desse texto foi apenas ilustrar os principais pontos desse fenômeno em crescimento e, principalmente, evidenciar como o uso da internet através das redes acaba transformando por diversas formas determinadas relações sociais previamente asseguradas em contextos socioculturais e mercadológicos.

Contudo, qualquer tipo de conhecimento apenas ganha vida ao lado de mentes capazes de compreendê-lo, o uso desse conhecimento pelos brasileiros ainda em fase rudimentar, mostra como ainda é grande o caminho para melhorar o uso desse meio como uma ferramenta para reprogramar a organização econômica e cultural através de transformações sociais mais diretas e dinâmicas, condizentes com esse novo tempo de contrastes entre o velho e o novo na Modernidade, potencializado pela espontaneidade permitida pelos novos meios que possuem essa forma mais descentralizada e espontânea.

Bibliografia
CASTELLS, Manoel. Redes de Comunicação e Esperança: Movimentos Sociais na Era da Internet. Rio de Janeiro: Ed. Zahar, 2013.
DENIS, Jacques. Crowdfunding, a Corrente da Amizade In Le Monde Diplomatique Brasil. São Paulo: Ano 7, nº 81, 2014.
MORAES, Dênis de. Comunicação Alternativa, Redes Virtuais e Ativismo: Avanços e Dilemas In Revista de Economía Política de Economia Política de las Tecnologías de la nformación y Comunicación www.eptic.com.br, vol. IX, Nº 2, mayo-ago. 2007.
SHIRKY, Clay. A Cultura da Participação: Criatividade e Generosidade no Mundo Conectado. Rio de Janeiro: Ed. Zahar, 2011.

E-Links:

http://pesquisa.catarse.me/?ref=newsletter_pesquisa

https://www.kickstarter.com/year/2013/?ref=footer

http://catarse.me/pt/raimundos

https://www.kickstarter.com/projects/mightyno9/mighty-no-9

http://www.kotaku.com.br/oculus-rift-kickstarter-reembolso/

http://www.kotaku.com.br/kickstarter-nao-entregam-prometem/

Powered by WordPress