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Eleições de Obama e Marina Silva e a mudança de atitude em relação à rede.

DEBORA LEÃO

Em 2001, Castells escrevia que “seria surpreendente se a Internet, por meio de sua tecnologia, invertesse a desconfiança política profundamente arraigada” com a qual grande parte dos cidadãos encara o governo e a política em seus países. Para o autor, trata-se de uma crise à nível mundial da própria democracia, para a qual a Internet não poderia oferecer uma cura tecnológica.

Menos de uma década depois, em meados de 2008, o cientista político americano Michael Cornfield declarava que “sem Internet, não haveria Obama”. Como bem apontam os pesquisadores de “Politics 2.0”, o aforismo do professor da Universidade George Washington vem à tona não por se considerar uma verdade incontestável, e sim para ilustrar a impressão que o sucesso da campanha de Obama nos meios digitais causou logo de cara em estudiosos tanto da política quanto da cibercultura (1). A primeira campanha do atual presidente norte americano chamou atenção não por ser a primeira a utilizar as plataformas digitais e outros meios considerados alternativos na época, mas por ser a primeira a explorar esses canais de maneira integrada, vendo-os como prioritários e estratégicos.

À essa altura, já surgiram centenas de pesquisas sobre o caso Obama e uso de marketing online nas eleições dos Estados Unidos em 2008, e mais uma dezena de estudos sobre a evolução do uso das plataformas online na sua reeleição. Agora já não há novidade na campanha política online; ela é tão necessária quanto a campanha por meios de comunicação em massa tradicionais. Os marqueteiros já começam a buscar as lições que podem ser tiradas das eleições dos EUA em 2012, e a mesma lógica das “boas práticas” levou os maiores políticos brasileiros à rede em 2010. Com diferentes níveis de destreza, as campanhas online dos principais candidatos à presidência adotaram táticas como busca por doações online, incentivo à militância digital de seus apoiadores, uso marcante de redes sociais –em especial o Twitter –,  combate à boatos através da Internet.

my.barackobama.com

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Não é nenhuma surpresa, tendo em vista as diferenças estruturais entre os dois países (2) – tanto do ponto de vista do acesso à Internet quanto do ponto de vista dos processos, instituições e cultura políticas – que o impacto dos meios digitais tenha sido menor no caso brasileiro. As realidades profundamente distintas tornam a comparação dos resultados bastante difícil. E no entanto, as eleições de 2010 no Brasil não deixaram de ter seu quê de surpreendente.

No Brasil, ações que passaram por fora das campanhas oficiais muitas vezes conseguiram entender e utilizar melhor a internet do que o marketing eleitoral. Projetos como o Ficha Limpa e Voto Consciente trabalharam muito mais no espírito da ideia de democracia participativa do que as plataformas destinadas à interação criadas nos sites dos candidatos. Ao mesmo tempo, se destacou o perfil irreverente dos cidadãos e mais habilidosos usuários brasileiros conectados à rede, que produziram vídeos, perfis e hashtags com humor irônico e paródico, criando virais espontâneos.

Embora não tenha alcançado a presidência e nem ao menos o segundo lugar em número de votos, Marina Silva foi a candidata que de maneira mais exitosa se aproximou à esse modelo. Mesmo com pouco tempo de campanha nos meios tradicionais, a candidata conseguiu nada menos do que 20 milhões de votos com um partido considerado pequeno e novo.  O segundo turno aconteceu, em parte, por que houve a ascensão de uma “terceira candidata” em oposição aos projetos dos dois maiores partidos na disputa.

Os movimentos sociais contemporâneos, aponta Rueda Ortíz, resgatam o espaço público, o espaço do debate, da ocupação, da discussão. Ele se promove por meio de redes eletrônicas porém também por ações off-line, mais precisamente há uma continuidade entre as relações na rede e fora dela. As campanhas eleitorais que melhor souberam entender esse processo foram as que se destacaram no caso brasileiro e americano. Obama encorajou a participação política, o debate, buscou incentivar que os próprios eleitores se organizassem para espalhar sua mensagem online e off-line, ativando sua conexões e grupos de interesse. Foi criada uma plataforma de rede social (my.barackobama.com, que continua no ar e atualizado) para que os seus eleitores se organizassem, interagissem, mostrassem uns para os outros suas ações e eventos.

“O uso da Internet tende a aprofundar a crise da legitimidade política ao fornecer uma plataforma de lançamento mais ampla para a política do escândalo,” escreveu Castells em 2001. A tecnologia não é a questão central, e sim o “tipo de política que nossas sociedades estão gerando” esclareceu o autor. No entanto, o que se vê em iniciativas locais de governança das cidades, de portais de transparência e até mesmo de campanhas eleitorais não é somente a política transviada em entretenimento das massas. Vemos, em vez disso, cidadãos que podem ter e buscam se tornar cada vez mais informados e ao mesmo tempo, informantes. A mudança de atitude em relação ao uso da tecnologia, tanto por parte dos cidadãos quanto por parte dos governos e atores políticos, também tem o seu papel na mudança da política que é gerada pelas sociedades.

As tecnologias possibilitam maior transparência das informações governamentais, novas formas de compartilhamento e cooperação e maior interação entre sociedade civil e governo. Para chegar à ciberdemocracia, assim caracterizada, ainda há sem dúvida muito para caminhar. E no entanto, numa época em que o desinteresse político se considerava reinante, sem dúvida novas práticas – como a de eleições que cada vez mais contam com o engajamento dos cidadãos –  têm trazido essas características à tona. Segundo André Lemos, entre as máximas da cibercultura está a possibilidade de reconfiguração de práticas e espaços a partir do uso de recursos tecnológicos. Nada garante que essa reconfiguração de fato aconteça, e que seja estrutural e duradoura. E mesmo assim, podemos considerar que há bons sinais de que pouco a pouco a relação dos cidadãos com a política, com o espaço público se transforma.

(1)   Entendido a partir da definição de Rueda Ortíz, a cibercultura como um campo de estudo que busca compreender as transformações culturais que estão relacionadas e condicionadas pela introdução de tecnologias digitais nas sociedades contemporâneas.

(2) Para ler mais sobre essas diferenças, recomendo o ebook Mídias Sociais e Eleições 2010, disponível em http://issuu.com/papercliq/docs/ebook-midias-sociaise-eleicoes-2010

CASTELLS, Manuel (2003). A galáxia da Internet. Rio de Janeiro, Zahar.

GOMES, Wilson. Politics 2.0: A campanha de Barack Obama em 2008. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/rsocp/v17n34/a04v17n34.pdf (acessado em 21 de junho 2013)

RUEDA ORTIZ, Rocio. Cibercultura: metáforas, prácticas sociales e colectivos en red. Nómadas (Col), num 28, abril, 2008, pp. 8-20. Universidad Central, Bogotá, Colombia. Disponível em http://www.ucentral.edu.co/movil/index.php?option=com_content&view=article&id=557&Itemid=2456

LEMOS, André; LEVY, Pierre (2010). O futuro da internet. São Paulo, Paulus.

LOPES, Nayla Fernanda Andrade Lopes. Política na rede: Papel das redes sociais da internet na campanha eleitoral para a Presidência da República no Brasil em 2010. IV Congresso Latino Americano de Opinião Pública da WAPOR, Belo Horizonte. Disponível em: http://www.waporlatinoamerica.org/descargas/documentos/nayla_fernanda_andrade_lopes.pdf (acessado em 21 de junho de 2013)

AZEVEDO, Dilvan Passos de. Retórica e prática da democracia eletrônica: Comentários acerca do gap entre o discurso e a prática da ciberdemocracia. I Congresso Anual da Associação Brasileira de Pesquisadores de Comunicação e Política. Disponível em: http://www.compolitica.org/home/wp-content/uploads/2010/11/Azevedo_2006.pdf (acessado 21 de junho 2013)

Outras fontes: The Guardian Mashable

A Revolução de Jasmim e a criação de uma cultura digital na Tunísia.

DEBORA LEÃO

Cada um de nós pode contar sua própria história. Talvez isso fosse verdade desde sempre, porém a internet oferece a chance de que essas histórias sejam contadas sem cortes, sem edições, a partir do ponto de vista de quem viveu os eventos em primeira mão e dá a esses relatos o potencial de um público imenso. “A Internet realmente abriu espaços a vozes que agora encontram possibilidades de difusão incríveis,” resume Eduardo Galeano. Na chamada Primavera Árabe, o sistema caótico da internet gerou pequenas lideranças, personagens inspiradores, imagens indignantes, e ao mesmo tempo permitiu que as atividades revolucionárias ocorressem sem uma organização central. Não há um Che Guevara ou um Nelson Mandela do norte da África, há milhares de pessoas, ativistas, anônimos, jornalistas, civis.

Na caso da Tunísia, há uma figura que se destaca: Mohammed Bouazizi, o jovem que vendia vegetais na rua na cidade de Sidi Bouzid. Depois de um desencontro com a polícia, que lhe forçou a fechar o seu estande de venda, e ao perceber a indiferença do governo, Bouazizi ateou fogo a si mesmo em um ato público de protesto e desespero. O jovem virou um mártir e a faísca que levou milhares de pessoas às ruas de seu país. A história dele se parecia com a dos milhares de jovens tunisianos que, tendo completado a educação superior, não conseguiam emprego e se viam sem perspectivas e oportunidades. Sua imagem circulou o mundo através da rede e produziu o signo que levou uma população revoltada às ruas.

A frustração na Tunísia vinha se construindo muito antes desse episódio, é claro. Seu governo autoritário se baseava principalmente na troca de liberdades políticas por um crescimento econômico que se provou frágil, com políticas que não se sustentaram em um panorama global desfavorável. Uma massa de jovens com graduação universitária e sem perspectiva de emprego, corrupção descarada por parte do governo que usava táticas repressoras que  se tornavam cada vez mais óbvias.As causas para a instabilidade social se encontravam na realidade do país.

To match Analysis TUNISIA-REVOLUTION/

No entanto, a rapidez com  que as coisas aconteceram sem dúvida foi propiciada pelo uso da internet – e especialmente das redes sociais. No dia 3 de janeiro de 2011, o jornalista Christopher Alexander escreveu para a revista Foreign Policy que ainda era “cedo para saber se esses protestos assinalam o início do fim para Ben Ali”. Menos de duas semanas mais tarde, o ditador Ben Ali fugiria da Tunísia.

A cidade de Sidi Bouzid, onde no dia 19 de dezembro Bouazizi cometeu seu ato de martírio, não é um centro econômico ou político do país. E mesmo assim, sua imagem foi forte o suficiente para inspirar uma onda de protestos na região. Naquele momento, apenas 2 milhões dos 10 milhões de cidadãos da Tunísia usava o Facebook enquanto o Twitter contava com apenas algo em torno de 500 usuários ativos no país (1). Contudo, explica a ativista tunisiana Rim Nour, é mais importante observar eram estes usuários e como se apropriavam das tecnologias, do que notar sua quantidade. Entre esses poucos usuários estavam ciberativistas já experientes, que usaram as ferramentas de mídia para tornar os acontecimentos públicos para a população do país. Estes ativistas trabalharam da maneira que Silvia Lago Martínez identifica como própria dos movimentos sociais no contexto da cultura digital, se apropriando do “espaço dos fluxos” e se organizando de maneira descentralizada e em redes horizontais.

Principalmente através de vídeos no Facebook e do Twitter, esses ciberativistas espalhavam as imagens da brutalidade policial em resposta aos primeiros protestos inspirados em Bouzazizi. Em pouco tempo, cidadãos ao redor do país subiam suas próprias fotos, vídeos gravados por celulares e relatos de manifestações – ao alcançar as regiões mais urbanas e prósperas, os protestos começaram a atrair um público mais amplo. O que Luciano Alzaga cita como princípios seguidos por projetos de webmídia alternativa (2) parece ser verdade para o uso tanto redes sociais de grande porte quanto de mídias alternativas nas insurreições na Tunísia: foram “espaços de denúncia das injustiças, de difusão de informação antagônica, de coordenação entre organizações de cidades ou bairros,” propiciaram o debate dentro da Internet e a ação fora dela.

Em seu pesquisa Opening Closed Regimes, estudiosos da universidade de Washington se perguntam qual foi o papel das mídias sociais em moldar os debates políticos na Primavera Árabe. Sua investigação se foca na Tunísia e no Egito, e demonstra que essas ferramentas eram usadas por um público com um perfil particular (jovem, urbano, bem educado) para conduzir as discussões, pressionar seus governos. O estudo também chega à conclusão de que as conversas online sobre tópicos como democracia e liberdade muitas vezes precediam grandes protestos. Muito distante da dicotomia real/virtual e da ideia de isolamento propiciado pela internet, os protestantes na Tunísia agiram resgatando os espaços públicos e como coloca Rueda Ortíz, com uma espécie de “continuidade de relações virtuais e cara a cara que mantem e projetam ações políticas”.

Outro uso importante das ferramentas de comunicação digitais na revolução de Jasmim foi de alívio de desinformação. No terreno da informação, Dênis de Moraes propõe que Internet é “mais uma arena de lutas e conflitos pela hegemonia”, na qual se busca conquistar o consenso e a liderança cultural e ideológica em uma sociedade. Nesse sentido, quando o próprio governo respondia, publicando por exemplo informações falsas que a polícia havia cessado com o uso de fogo contra os manifestantes, os opositores utilizavam a internet para minar a propaganda. Quando a situação ameaçava chegar ao caos, o uso de mídias sociais foi essencial para resistir à boatos que poderiam ser desestabilizadores, utilizada para proteger e organizar seus bairros.

Apesar do sucesso no uso das ferramentas digitais para catalisar protestos e empoderar a população, as dificuldades para organizar um país na transição para a democracia mais efetiva se provaram muito mais árduas. Quase dois anos depois a figura já não é tão esperançosa, as imagens de cidadãos orgulhosos com dedos pintados durante as eleições em outubro de 2011 são uma realidade distante. A notícia do assassinato (3) de um proeminente líder da oposição lembrou estrangeiros e locais da incerteza que ainda paira sobre o sucesso da democracia no país. Relatórios de abusos cometidos pelo governo, uso de violência e até mesmo retrocessos são frequentes.

No Twitter, a repercussão do assassinato de Chokri Belaid.

No Twitter, a repercussão do assassinato de Chokri Belaid.

Porém fica claro que a cultura de utilização dos meios de comunicação digitais que se estabeleceu durante a revolução deixou a sua marca. Estas continuam sendo meios de denúncia e resistência. “Uma coisa resta da nossa revolução: a liberdade de expressão,” diz a escritora Souhir Stephenson no jornal New York Times, “se há algo que vai nos salvar, será a nossa recusa a voltar a se calar”. Desse ponto de vista, a transformação social e cultural na Tunísia não deixa de ser marcante, a sua população um exemplo de cibercultura como posicionada por autores como Manuel Medina, Pierre Lévy e Rueda Ortíz.

(2) Um exemplo das webmídias alternativas criadas na Tunísia é a KasbaTV e o independente Nawaat (nawaat.org)

RUEDA ORTIZ, Rocio. Cibercultura: metáforas, prácticas sociales e colectivos en red. Nómadas (Col), num 28, abril, 2008, pp. 8-20. Universidad Central, Bogotá, Colombia. Disponível em http://www.ucentral.edu.co/movil/index.php?option=com_content&view=article&id=557&Itemid=2456

LEMOS, André; LEVY, Pierre (2010). O futuro da internet. São Paulo, Paulus.

DE MORAES, DÊNIS. Comunicação alternativa, redes virtuais e ativismo: avanços e dilemas. Revista de Economía Política de las Tecnologías de la Información y Comunicación, vol. IX, n. 2, mayo – ago. / 2007.

HOWARD, Philip. Opening Closed Regimes. Project on Information Technology & Political Islam (PITPI). University of Washington, 2011.

MARTÍNEZ, Silvia Lago. Internet y cultura digital: La intervención política y militante. Nómadas (Col), num 28, abril, 2008, pp. 8-20. Universidad Central, Bogotá, Colombia. Disponível em http://www.ucentral.edu.co/movil/index.php?option=com_content&view=article&id=557&Itemid=2456 (maio/2013)

 Outras fontes de informação: epolitics; The Atlantic; Time; Guardian Interactive Timeline