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“Remember, remember the fifth of November…” A luta do grupo Anonymous contra a repressão virtual e a liberdade de expressão

LUIZ BORGES

Em 1605, houve uma tentativa de assassinato do rei da Inglaterra, Jaime I, que ficou conhecida como a Conspiração da Pólvora. O intuito de tal conspiração era a de substituir o rei por uma de suas filhas, Elizabete, e assim tornar o catolicismo romano religião oficial. O que levou à conspiração de fato foi a perseguição e falta de liberdade de práticas em relação aos católicos. O membro mais conhecido deste acontecimento é o de Guy Fawkes, que tem como sua máscara o símbolo do grupo Anonymous.
O grupo Anonymous é um movimento anárquico, no sentido mais puro da palavra, sendo assim uma organização sem liderança, em que toda e qualquer pessoa que se identificar com o movimento pode fazer parte. Podendo ser classificado também como cypherpunks, definidos de acordo com o Oxford English Dictionary, como indivíduos, ou no caso um grupo, que fazem uso de criptografia e meios similares com o intuito de trazer mudanças sociais e políticas.
Esse ideal do grupo, de luta por liberdade de expressão e menor repressão através de organizações online, foi explorada por Manuel Castells, que ao escreveu sobre a internet, e a consequente rede de fluxos criadas e sua relação entre o mundo online e o mundo off-line, descreve essa cultura como sendo: “[...] uma cultura feita de uma crença tecnocrática no progresso dos seres humanos através da tecnologia, levado a cabo por comunidades de hackers que prosperam na criatividade tecnológica livre e aberta, incrustada em redes virtuais que pretendem reinventar a sociedade, e materializada por empresários movidos a dinheiro nas engrenagens da nova economia.”

Poster do filme "V de Vingança"

Poster do filme “V de Vingança”

Tendo a proposição de Castells em mente, pode-se classificar o grupo Anonymous como objeto fundamental nesse mundo que surge, nesse mundo online. O autor discorre sobre como diversas empresas, dotadas de capital, atualizam tal mundo novo, porém, ao fazerem isso, por causa de direitos autorais, acabam por limitar o acesso da população a essas novas tecnologias e informações. O grupo vem então como um contrapeso a esses empresários em uma luta a favor da criação de softwares livres, contrário a restrição de liberação de arquivos e informações digitais somente àqueles que pagaram ou participaram da criação do mesmo.
Foi no 4Chan, um site em que os usuários postam imagens e/ou comentários sobre algum assunto aleatório, que o grupo teve seu movimento inicial. O 4Chan é um ambiente livre, podendo ser de postagem anônima, em que o usuário realiza o upload de uma foto, podendo acompanhar um comentário, em determinado tópico de seu interesse, e outros usuários comentam dentro deste upload. O site é dividido por tópicos de interesse. Dentro destes tópicos, teve um que se destacava por seu caráter aleatório e livre, que era chamado de /b/, onde os usuários podiam postar literalmente todo e qualquer tipo de informação que tivessem interesse. E foi neste tópico, em represália a um radialista norte-americano, que se deram os primeiros passos do grupo Anonymous, que foram em defesa de um colega de blog que estava sendo atacado pelo radialista, que era também neo-nazista. Este foi o primeiro levante organizado dos usuários do website. E é como Frank La Rue diz, esse tipo de rede, de organização social via Internet, é hoje em dia o meio mais utilizado com tal fim, pois apresenta diversas características que são fundamentais para a movimentação em massa, como a velocidade, o seu alcance mundial e o relativo anonimato.
Porém o movimento que deu visibilidade e uma cara para o grupo foi o projeto Chanalogy, em 2008. O projeto Chanology foi um movimento que lutou contra a censura de um vídeo que vazou da Igreja da Cientologia que consistia de um ator norte-americano famoso, Tom Cruise, falando sobre a religião e que se tornou um viral na internet. A Igreja então ‘fez’ um DMCA (em tradução livre para o português Lei dos Direitos Autorias do Milênio Digital) do vídeo, tendo assim o direito de exigir que o vídeo seja removido dos locais que não possuem permissão de reprodução. É neste momento que o mesmo grupo de pessoas do 4Chan se revolta com a decisão, uma vez que a proibição de reprodução de um vídeo viral ia contra tudo que eles acreditavam, e resolvem agir contra a decisão. E é neste momento que há uma primeira divisão dentre essas pessoas, uma vez que o movimento passou de trolling (que significa irritar alguém na internet simplesmente porque tem o poder para tal) para algo com motivos mais sérios. Surge então o Anonymous como conhecido hoje em dia. Neste luta contra a Igreja da Cientologia, o grupo liberou alguns vídeos chamando adeptos de todos os lugares a realizarem uma ocupação em frente as suas respectivas Igrejas de Cientologia, e também com algumas orientações de comportamento, como o uso da não-violência e também o uso de máscaras, para dificultar na identificação das pessoas, diminuindo assim o risco de algum processo devido ao movimento, porém não esperavam a repercussão e a quantidade de aderentes para este primeiro ‘sit-in’, e é com esse primeiro projeto que o grupo percebe a força que possuem e também é neste momento que acabam fazendo uso de um símbolo já conhecido para um movimento revolucionário de defesa da liberdade de expressão, que é a máscara de Guy Fawkes, que serviu tanto para proteção de identidade dos protestantes quanto para simbolizar pelo o que eles estavam lutando.

Protesto de parlamentares poloneses contra a assinatura do ACTA por parte de seu governo (fonte: Ruch Palikota)

Protesto de parlamentares poloneses contra a assinatura do ACTA por parte de seu governo (fonte: Ruch Palikota)

Muito dos movimentos do grupo acabam sendo regionais, como é o caso do ataque ao site do Pastor Marco Feliciano, após o mesmo ter assumido o cargo de Presidente da Comissão de Direitos Humanos, mas alguns possuem uma maior força midiática, seja pela abrangência ou pelo tamanho da operação, como é o caso da operação Payback, que foi a derrubada dos sites do PayPal e Mastercard quando estes não mais permitiam a doação para o site Wikileaks ou então do apoio dado aos movimentos revolucionários no Oriente Médio durante a Primavera Árabe, ajudando os rebeldes no Egito, por exemplo, a conseguirem estabelecer conexão com a internet após o governo de Mubarak ter derrubado todos os meios oficiais.
O problema porém é que o grupo nem sempre age dentro da lei propriamente dita, ficando entre um movimento social ativista online e desrespeitando a lei. A dificuldade em classificar o grupo dentro de um ou de outro é que, por ser anônimo e anárquico, qualquer indivíduo, fazendo parte do grupo ou não, pode dizer que o ataque realizado foi como grupo. E os líderes dos Estados mais poderosos, por possuírem uma grande quantidade de dados e serviços ligados às redes, e por conseguinte serem mais vulneráveis e temerosos a esses tipos de ataques, serão os que tentarão, de maneira mais fervorosa, classificar tais movimentos como ilegítimos e assim justificar a utilização medidas muitas vezes consideradas extremas, como é o caso do recém descoberto programa PRISM, do governo norte americano.

Referências

ASSANGE, Julian et al. Cypherpunks: a liberdade e o futuro da internet. São Paulo, Boitempo, 2013.

CASTELLS, Manuel. A galáxia da Internet. Rio de Janeiro, Zahar, 2003.

LA RUE, Frank. “Report of the Special Rapporteur on the promotion and protection of the right to freedom of opinion and expression.” Human Rights Council 17th session. 2011.

NYE JR., Joseph S. O Futuro do Poder. São Paulo, Benvirá, 2012.

http://www.bbc.co.uk/news/technology-20446048 (acesso em 10/06/2013)

http://wearelegionthedocumentary.com (acesso em 10/06/2013)

http://www.bbc.co.uk/history/british/civil_war_revolution/gunpowder_robinson_01.shtml (acesso em 10/06/2013)

http://aventispr.blogspot.com.br/2010/12/vs-speech-and-poem-from-v-for-vendetta.html (acesso em 10/06/2013)

http://www.theregister.co.uk/2012/01/27/acta_protests_in_poland/ (acesso em 10/06/2013)

http://www.anonymousbrasil.com (acesso em 10/06/2013)

http://www.guardian.co.uk/commentisfree/2013/apr/15/anonymous-digital-culture-protest (acesso em 10/06/2013)

V DE VINGANÇA. V for Vendetta. Direção de James McTeigue. Warner Bros/Virtual Studios/Silver Pictures/Anarchos Productions. EUA/Reino Unido/Alemanha. 2005. Warner Bros, 2009. DVD (132 min.), color.