HEITOR GARTNER
A chamada Primavera Árabe consiste em uma complexa sequencia de protestos iniciados em 2010, ocorridos na Tunísia , no Egito , resultando também em guerra civil na Líbia e na Síria, atingindo também outros locais da região. A revolução é considerada a primeira grande onda de protestos democráticos do mundo árabe no século XXI. Os regimes em questão, nascidos de nacionalismos árabes dentre as décadas de 1950 e 1970, foram se convertendo em governos repressores que impediam a oposição política credível que deu lugar a um vazio preenchido por movimentos islamistas de diversas índoles.
O movimento, desencadeado em dezembro de 2010, quando um jovem tunisiano- Mohamed Bouazizi – ateou fogo ao próprio corpo, apresenta-se como nítido exemplo de consolidação da última geração de direitos fundamentais a povos que sequer tinham as garantias mínimas, elencadas pela primeira geração dos mesmos direitos. O acesso à informação, direito fundamental proposto por Bonavides[1] (apud Cavalcanti, 2005), foi importante fator para a ruptura com o status quo vigente, sendo inegável que o uso da internet tenha contribuído para desencadear o processo de mudança na região.
A adoção da primeira lei de direito à informação por um país do Oriente Médio, na Jordânia, em 2007, constitui-se como exemplo desta tendência, que passou a se estender a todas as regiões geográficas do mundo comumente citadas. Nesse contexto, inclui-se a primeira decisão tomada por um tribunal internacional, no intuito de reconhecer o direito à informação, com declarações cada vez mais enfáticas de órgãos e autoridades internacionais sobre o status deste direito.
Notadamente, a ocorrência do movimento tem relação com a crise econômica global de 2008, gerando agravamento da pobreza e a elevação de preços. Nos atos de revolta, têm se destacado técnicas de resistência civil em campanhas sustentadas, envolvendo recursos como Facebook, Twitter e Youtube. Preocupado com as manifestações, o governo egípcio suspendeu a Internet e a telefonia móvel. Sob a perspectiva política, apontam-se regimes corruptos e autoritários como aspectos motivadores do movimento , informação revelada pelo vazamento de informações constantes em telegramas diplomáticos dos Estados Unidos, divulgados pelo Wikileaks.
Como sugerem estudiosos, a utilização do Facebook e de aparelhos celulares constituiu um instrumento de auxílio ao processo revolucionário. Isto, por decorrência, assume um papel na propagação dos movimentos e, consequentemente, no alcance de seus objetivos, ao menos no caso egípcio. Na realidade, diversas manifestações tiveram início nas redes sociais e se estenderam às ruas. Uma das vantagens deste tipo de comunicação consiste no anonimato, como aponta Antoun (2008, p.2)[2] .Segundo Hussein Amine, especialista em meios de comunicação da Universidade estadunidense de O Cairo, as redes sociais deram pela primeira vez aos militantes a possibilidade de divulgar rapidamente a informação escapando das restrições governamentais.
O regime sírio, por sua vez, tentou apaziguar o cenário e anunciou a intenção de promover reformas, tais como a anulação das leis de emergência, em vigor no país desde a revolução de março de 1963. No país, o partido Baath representa um fator de coesão social, e reproduz o apoio da população ao regime de Assad. Essa base popular ainda é representativa de uma parte da população síria. Portanto, esse regime não pode ser descrito como era o de Hosni Mubarak, no Egito, onde havia uma distinção clara entre o presidente e as forças de segurança, particularmente o Exército. Este preferiu não apoiar mais o presidente e se encarregou dos assuntos do Estado.
Ao contrário dos outros países da “Primavera Árabe”, que já estão em um sistema transitório de governo, ou que controlaram as manifestações, a Síria permanece com um futuro incerto. Os conflitos se mantêm mesmo após um ano da primeira manifestação e o número de mortos não pode ser confirmado devido à repressão que a imprensa sofre na região.
Dessa forma, as perspectivas do regime serão condicionadas não só pela proporção do apoio entre os habitantes da periferia, mas principalmente pela força da classe média entre as elites sunitas nas grandes cidades, sobretudo Damasco, e que apoiaram o regime na década de 1980, contra 0s Irmãos Muçulmanos. Também, os curdos (10% da população) terão um papel importante na capacidade do governo reprimir as manifestações.
Sabe-se que o futuro da Síria depende dos jovens do país- pessoas entre 20 e 30 anos, que constituem mais da metade da população. Tratam -se de sunitas e de outras comunidades, que vivem nas periferias de grandes cidades- elas determinarão a forma e o futuro do país.
A comunidade internacional vem se mobilizando para pressionar a saída de Bashar al-Assad do governo ou encontrar uma solução pacífica. Entretanto, alguns países não foram favoráveis às primeiras propostas da ONU, como a China e a Rússia, que vetaram a resolução que condenava a repressão do governo sírio contra os manifestantes. A Síria, sendo o único laço restante com a Rússia, passa a ser um caso muito particular para a diplomacia russa, uma vez que essa interação promove um vínculo entre o governo de Moscou e os países árabes, o que seria interessante para a garantia da influência política russa na região. O regime continua fazendo uma forte repressão aos opositores. Além disto, um empecilho criado no plano da ONU foi a fixação das datas para a retirada das tropas do exército de Bashar al-Assad.
Já os Estados Unidos, principal potência mundial que apoia os opositores do regime de Assad, atualmente não possuem capacidade de manobra para abreviar o fim da revolta e muito menos a possibilidade de uma intervenção militar, caso isso fosse aprovado por alguma resolução do Conselho de Segurança da ONU. O país pode, contudo, empregar sua capacidade militar, enviando armas aos opositores e na defesa de que seja aprovada alguma resolução na ONU, mas dificilmente fará algo mais efetivo.
Um avanço aparente nas negociações foi o plano de paz, aceito pela Síria, proposto por Kofi Annan (emissário da ONU). O plano prevê o fim de todos os atos de violência, da parte do regime ou dos opositores. Também prevê que a pacificação seja supervisionada pela ONU, a libertação de presos políticos e o envio de ajuda humanitária. Contudo, o que se viu alguns dias depois do encontro entre Kofi Annan e Bashar al-Assad foi um cenário diferente do proposto no plano.
Como possível análise do cenário internacional, identifica-se que uma queda do regime sírio provocaria um desequilíbrio de poder no Oriente Médio, abrindo um vácuo de influência na região, o qual certamente seria disputado entre as principais potências mundiais, pois a Síria e o Egito apresentam considerável relevância geopolítica a muitos países. Ao menos no Egito, a renúncia do Presidente Hosny Mubarak inaugura um governo de transição, com indefinições políticas em âmbitos interno e externo.
Referências
CAVALCANTI, F.R. A primavera árabe à luz da Teoria das Gerações dos Direitos Fundamentais. Disponível em http://www.pesquisedireito.com/artigos/diversos/apaltgdf. Acesso em 27/05/13.
Facebook, un importante “punto” en la Primavera Árabe .Disponível em
http://actualidad.znoticias.com/facebook-un-importante-punto-en-la-primavera-arabe. Acesso em 16/06/13.
ORTUNES, L. Incertezas sobre a primavera árabe. Disponível em http://sociologiacienciaevida.uol.com.br/ESSO/Edicoes/42/artigo266344-1.asp. Acesso em 26/05/13.
MENDEL,T. Liberdade de informação: um estudo de direito comparado. 2ª ed. revisada e atualizada. Tradução de Marsel N. G. de Souza. Brasília. UNESCO, 2009.
Primavera Árabe. Disponível em http://pt.wikipedia.org/wiki/Primavera_%C3%81rabe. Acesso em 26/05/13.
SILVA, R. As Redes Sociais e a revolução em tempo real. O caso do Egito. Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Porto Alegre, 2011. Disponível em http://www.lume.ufrgs.br/bitstream/handle/10183/37496/000820279.pdf?sequence=1. Acesso em 25/05/13.
WALLERSTEIN, I. Não Chore Ainda pela Primavera Árabe. Disponível em http://www.outraspalavras.net/2013/02/23/nao-chore-ainda-pela-primavera-arabe/. Tradução de Gabriela Leite. Acesso em 25/05/13.
ZISSER, E. A Síria na Hora da Verdade. Tradução de Yosi Turel. Revista “Hebraica”. Maio de 2011.
[1] Em sua obra, o autor sugere o direito à democracia, à informação e ao pluralismo.
[2] apud SILVA, 2011, p.18