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Indignados: redes sociais em uso na Espanha

LUIZ BORGES

Desde 2008, tendo como motivo inicial a crise financeira que se abateu no mundo capitalista, diversos movimentos sociais, em protesto aos seus governos locais, eclodiram, sejam eles contrários aos mecanismos utilizados por seus governos na tentativa de solucionar os problemas trazidos pelas crises ou sejam eles partes de uma causa maior, como é o caso da Primavera Árabe, em que, junto com a crise financeira, se abateu também uma crise na governança, na medida em que a população se levantou contra as ditaduras e monarquias que governavam (Egito) ou ainda governam (Síria) o país.
É neste cenário de conturbações econômico-sociais que também se encontra uma grande nação capitalista ocidental, a Espanha.
A Espanha, assim como diversas outras nações, em resposta à crise financeira, adotou severas medidas de austeridade, que concomitantemente com a alta taxa de desemprego entre a população jovem, protestos em outros países da região (Grécia, Portugal, Islândia) e também o recém publicado texto de Stéphane Hessel, Indignai-vos!, levou a população a se reunir nas ruas para protestar.
A população, no caso da Espanha, descrita como “los desempleados, los mal remunerados, los subcontratados, los precarios, los jóvenes” pelo ¡Democracía Real Ya!, foi às ruas em um momento em que a taxa de desemprego atingiu os 20%, junto aos planos de austeridade impostos pelo governo e do resgate financeiro fornecido aos grandes bancos. Inicialmente o governo adquiriu uma postura tolerando com os protestos, porém com o decorrer dos eventos e o aumento no número de manifestantes, a polícia começou a usar de violência, gerando conflitos com os manifestantes.

(Manifestação do Movimento 15-M em Madrid. / fonte: El País. Foto: CARLOS ROSILLO)

(Manifestação do Movimento 15-M em Madrid. / fonte: El País. Foto: CARLOS ROSILLO)

Assim como o grupo Anonymous (que apoia o movimento dos Indignados), os protestos da Espanha se iniciaram na rede, especialmente no Twitter, como meio para a organização de movimentos de ocupação, porém diferente do Anonymous, que busca, inicialmente, uma maior liberdade na Internet, os Indignados, fazendo uso de certa liberdade já existente, se organizando em protestos contra o governo em si, como ocorrido recentemente em diversas cidades brasileiras.
Em um sociedade globalizada e intrinsicamente conectada, as redes sociais forneceram aos movimentos sociais modernos os meios para os quais eles possam, apesar da heterogeneidade da sociedade contemporânea, agrupar os indivíduos e, mesmo com objetivos e reivindicações diversas, sair da rede social e ir as ruas para mostrar a indignação popular, ou seja, o levante popular pode ser considerado em dois momentos, sendo um off-line e outro online. O momento online, que é basicamente onde começou a movimentação, teve como intuito articular os indivíduos, em que as informações dos acontecimentos deixou de ser gerida apenas pelas grandes mídias e corporações, mas sim pela população, por diversos estudiosos e analíticos, que fornecem visões alternativas para os acontecimentos, e posteriormente clamando por mudanças na governança. Um segundo momento, ainda online, seria a divulgação dessas diferentes informações e visões e o grande compartilhamento das mesmas com a grande população, altamente conectada, e a partir desse ponto sair do online e ir para o off-line. O momento off-line é o que gera a grande visibilidade para insatisfação, através das ocupações das grandes vias e órgãos oficiais.
O movimento de protestos na Espanha ficou conhecido como os Indignados, nome esse oriundo do texto de Hessel, que discorre sobre o fato de o levante da população ocorrer é a indignação do povo em relação às atitudes do governo. Em seu website, a plataforma ¡Democracía Real Ya! possui um manifesto, uma lista de grupos associados (para comprovar que o movimento não possui nenhum vinculo politico com partidos e/ou sindicatos etc.) e todos os objetivos do movimento, que, por se tratar de um movimento muito heterogêneo, possui variadas reivindicações, como a defesa de direitos sociais, e reformas governamentais em geral (reforma eleitoral, maior transparência etc).
O uso das plataformas digitais e das redes sociais foi o principal mecanismo para a organização do movimento, sendo o ¡Democracía Real Ya! a principal fonte de informações sobre os movimentos e principal meio convocatório para os protestos pacíficos, que possui um canal no site do YouTube, no qual possui campanhas e vídeos das manifestações, uma página também no Facebook, em que atualiza seus seguidores sobre novas articulações e também com informações a respeito de suas reivindicações e resultados, e também uma página no Twitter, sua principal plataforma social na web. Sua página do Twitter possui atualmente mais de duzentos mil seguidores e é uma conta verificada pela própria empresa do Twitter, o que confere uma maior credibilidade. Esta página serve para, além de promover e convocar as pessoas para irem as ruas, informar os cidadãos com informações relevantes para o movimento, como dados sobre impostos, segurança, saúde etc.

(poster convocatório do movimento ¡Democracia Real YA!)

(poster convocatório do movimento ¡Democracia Real YA!)

Esse tipo de organização, com esse uso especifico da rede com o intuito de alterar a forma com a qual o governo está tomando, cai de encontro com a definição do Manuel Castells, na qual ele define esses usuários, essa rede comunitária, como os ativistas sociais, os quais promovem “… a participação dos cidadãos numa tentativa de redefinir a democracia local.” (CASTELLS, M. p. 119) Esse tipo de rede, de organização social via Internet, é hoje em dia o meio mais utilizado com tal fim, particularmente importante em locais em que existe um controle governamental sobre as informações circuladas na web). É ainda, de acordo com Castells, um movimento que pode ser considerado como uma criação de um novo tipo de democracia. A movimentação gerada nas redes sociais de ocupação dos espaços públicos estaria, diz o autor, obtendo uma resposta errada dos líderes, que fazem o uso da violência e repressão policial, e em muitos casos até a ameaça de limitar o uso da internet, no entanto a população estaria, de maneira colaborativa, através das redes, criando seus próprios mecanismos de comunicação e articulação.
Apesar de esse não ser especificamente um movimento contra o capitalismo, é possível recorrer ao o que Dênis de Moraes escreve, especialmente no que tange a parte de uma proposta cooperativa com um ideal organizacional em que webmídias e redes sociais buscam um entrosamento de agenda de debates, conquistando apoio em locais diversos, adquirindo melhores mecanismos de pressão, com a intenção de alcançar os objetivos pelos quais o movimento luta. Tal proposta cooperativa só é possível dentro de um ciberespaço, e tal meio sendo como o que Levy e Lemos chamam de ciberdemocrático. Esse novo espaço traz uma transformação da mídia, onde a grande mídia abre espaço para um meio livre, interativo, em que qualquer membro de qualquer comunidade que esteja interessada produz informações em conjunto, uma inteligência coletiva.

“Por todo lo anterior, estoy indignado. Creo que puedo cambiarlo. Creo que puedo ayudar. Sé que unidos podemos. Sal con nosotros. Es tu derecho.”
E é assim que termina o manifesto do ¡Democracía Real Ya!, com o grupo ressaltando sua indignação, mostrando vontade de lutar por mudanças e convocando, na rede, toda a população, afirmando que juntos eles podem ser capazes de transformações no âmbito governamental.
O caso dos Indignados é o perfeito exemplo de um grupo até então heterogêneo que, por diversos motivos supracitados, achou no espaço cibernético o ambiente mais favorável para sua organização de luta. Um ambiente em que, pelo menos no caso da Espanha, todos podem se expressar livremente, e assim fazer de suas lutas algo com melhor e maior visibilidade, aumentando o grau de repercussão das lutas.

Referências Bibliográficas

http://www.guardian.co.uk/commentisfree/2013/apr/28/spain-indignados-protests-state-of-mind (acesso em 29/06/2013)

http://www.democraciarealya.es (acesso em 29/06/2013)

Webcast Library of Congress com Manuel Castells: “Networks of Outrage and Hope: Social Movements in the Internet Age”. http://www.loc.gov/today/cyberlc/feature_wdesc.php?rec=5619 (acesso em 29/06/2013)

CASTELLS, Manuel. A galáxia da Internet. Rio de Janeiro, Zahar, 2003.

HESSEL, Stéphane. Indignai-vos. São Paulo, Leya, 2011.

MORAES, Dênis de. “Comunicação alternativa, redes virtuais e ativismo: avanços e dilemas”. Revista de Economía Política de las Tecnologías de la Información y Comunicación. vol. IX, n. 2, mayo – ago. / 2007.

RUEDA ORTIZ, Rocio. Cibercultura: metáforas, prácticas sociales e colectivos en red. Nómadas (Col), num 28, abril, 2008, pp. 8-20. Universidad Central, Bogotá, Colombia.

A Revolução de Jasmim e a criação de uma cultura digital na Tunísia.

DEBORA LEÃO

Cada um de nós pode contar sua própria história. Talvez isso fosse verdade desde sempre, porém a internet oferece a chance de que essas histórias sejam contadas sem cortes, sem edições, a partir do ponto de vista de quem viveu os eventos em primeira mão e dá a esses relatos o potencial de um público imenso. “A Internet realmente abriu espaços a vozes que agora encontram possibilidades de difusão incríveis,” resume Eduardo Galeano. Na chamada Primavera Árabe, o sistema caótico da internet gerou pequenas lideranças, personagens inspiradores, imagens indignantes, e ao mesmo tempo permitiu que as atividades revolucionárias ocorressem sem uma organização central. Não há um Che Guevara ou um Nelson Mandela do norte da África, há milhares de pessoas, ativistas, anônimos, jornalistas, civis.

Na caso da Tunísia, há uma figura que se destaca: Mohammed Bouazizi, o jovem que vendia vegetais na rua na cidade de Sidi Bouzid. Depois de um desencontro com a polícia, que lhe forçou a fechar o seu estande de venda, e ao perceber a indiferença do governo, Bouazizi ateou fogo a si mesmo em um ato público de protesto e desespero. O jovem virou um mártir e a faísca que levou milhares de pessoas às ruas de seu país. A história dele se parecia com a dos milhares de jovens tunisianos que, tendo completado a educação superior, não conseguiam emprego e se viam sem perspectivas e oportunidades. Sua imagem circulou o mundo através da rede e produziu o signo que levou uma população revoltada às ruas.

A frustração na Tunísia vinha se construindo muito antes desse episódio, é claro. Seu governo autoritário se baseava principalmente na troca de liberdades políticas por um crescimento econômico que se provou frágil, com políticas que não se sustentaram em um panorama global desfavorável. Uma massa de jovens com graduação universitária e sem perspectiva de emprego, corrupção descarada por parte do governo que usava táticas repressoras que  se tornavam cada vez mais óbvias.As causas para a instabilidade social se encontravam na realidade do país.

To match Analysis TUNISIA-REVOLUTION/

No entanto, a rapidez com  que as coisas aconteceram sem dúvida foi propiciada pelo uso da internet – e especialmente das redes sociais. No dia 3 de janeiro de 2011, o jornalista Christopher Alexander escreveu para a revista Foreign Policy que ainda era “cedo para saber se esses protestos assinalam o início do fim para Ben Ali”. Menos de duas semanas mais tarde, o ditador Ben Ali fugiria da Tunísia.

A cidade de Sidi Bouzid, onde no dia 19 de dezembro Bouazizi cometeu seu ato de martírio, não é um centro econômico ou político do país. E mesmo assim, sua imagem foi forte o suficiente para inspirar uma onda de protestos na região. Naquele momento, apenas 2 milhões dos 10 milhões de cidadãos da Tunísia usava o Facebook enquanto o Twitter contava com apenas algo em torno de 500 usuários ativos no país (1). Contudo, explica a ativista tunisiana Rim Nour, é mais importante observar eram estes usuários e como se apropriavam das tecnologias, do que notar sua quantidade. Entre esses poucos usuários estavam ciberativistas já experientes, que usaram as ferramentas de mídia para tornar os acontecimentos públicos para a população do país. Estes ativistas trabalharam da maneira que Silvia Lago Martínez identifica como própria dos movimentos sociais no contexto da cultura digital, se apropriando do “espaço dos fluxos” e se organizando de maneira descentralizada e em redes horizontais.

Principalmente através de vídeos no Facebook e do Twitter, esses ciberativistas espalhavam as imagens da brutalidade policial em resposta aos primeiros protestos inspirados em Bouzazizi. Em pouco tempo, cidadãos ao redor do país subiam suas próprias fotos, vídeos gravados por celulares e relatos de manifestações – ao alcançar as regiões mais urbanas e prósperas, os protestos começaram a atrair um público mais amplo. O que Luciano Alzaga cita como princípios seguidos por projetos de webmídia alternativa (2) parece ser verdade para o uso tanto redes sociais de grande porte quanto de mídias alternativas nas insurreições na Tunísia: foram “espaços de denúncia das injustiças, de difusão de informação antagônica, de coordenação entre organizações de cidades ou bairros,” propiciaram o debate dentro da Internet e a ação fora dela.

Em seu pesquisa Opening Closed Regimes, estudiosos da universidade de Washington se perguntam qual foi o papel das mídias sociais em moldar os debates políticos na Primavera Árabe. Sua investigação se foca na Tunísia e no Egito, e demonstra que essas ferramentas eram usadas por um público com um perfil particular (jovem, urbano, bem educado) para conduzir as discussões, pressionar seus governos. O estudo também chega à conclusão de que as conversas online sobre tópicos como democracia e liberdade muitas vezes precediam grandes protestos. Muito distante da dicotomia real/virtual e da ideia de isolamento propiciado pela internet, os protestantes na Tunísia agiram resgatando os espaços públicos e como coloca Rueda Ortíz, com uma espécie de “continuidade de relações virtuais e cara a cara que mantem e projetam ações políticas”.

Outro uso importante das ferramentas de comunicação digitais na revolução de Jasmim foi de alívio de desinformação. No terreno da informação, Dênis de Moraes propõe que Internet é “mais uma arena de lutas e conflitos pela hegemonia”, na qual se busca conquistar o consenso e a liderança cultural e ideológica em uma sociedade. Nesse sentido, quando o próprio governo respondia, publicando por exemplo informações falsas que a polícia havia cessado com o uso de fogo contra os manifestantes, os opositores utilizavam a internet para minar a propaganda. Quando a situação ameaçava chegar ao caos, o uso de mídias sociais foi essencial para resistir à boatos que poderiam ser desestabilizadores, utilizada para proteger e organizar seus bairros.

Apesar do sucesso no uso das ferramentas digitais para catalisar protestos e empoderar a população, as dificuldades para organizar um país na transição para a democracia mais efetiva se provaram muito mais árduas. Quase dois anos depois a figura já não é tão esperançosa, as imagens de cidadãos orgulhosos com dedos pintados durante as eleições em outubro de 2011 são uma realidade distante. A notícia do assassinato (3) de um proeminente líder da oposição lembrou estrangeiros e locais da incerteza que ainda paira sobre o sucesso da democracia no país. Relatórios de abusos cometidos pelo governo, uso de violência e até mesmo retrocessos são frequentes.

No Twitter, a repercussão do assassinato de Chokri Belaid.

No Twitter, a repercussão do assassinato de Chokri Belaid.

Porém fica claro que a cultura de utilização dos meios de comunicação digitais que se estabeleceu durante a revolução deixou a sua marca. Estas continuam sendo meios de denúncia e resistência. “Uma coisa resta da nossa revolução: a liberdade de expressão,” diz a escritora Souhir Stephenson no jornal New York Times, “se há algo que vai nos salvar, será a nossa recusa a voltar a se calar”. Desse ponto de vista, a transformação social e cultural na Tunísia não deixa de ser marcante, a sua população um exemplo de cibercultura como posicionada por autores como Manuel Medina, Pierre Lévy e Rueda Ortíz.

(2) Um exemplo das webmídias alternativas criadas na Tunísia é a KasbaTV e o independente Nawaat (nawaat.org)

RUEDA ORTIZ, Rocio. Cibercultura: metáforas, prácticas sociales e colectivos en red. Nómadas (Col), num 28, abril, 2008, pp. 8-20. Universidad Central, Bogotá, Colombia. Disponível em http://www.ucentral.edu.co/movil/index.php?option=com_content&view=article&id=557&Itemid=2456

LEMOS, André; LEVY, Pierre (2010). O futuro da internet. São Paulo, Paulus.

DE MORAES, DÊNIS. Comunicação alternativa, redes virtuais e ativismo: avanços e dilemas. Revista de Economía Política de las Tecnologías de la Información y Comunicación, vol. IX, n. 2, mayo – ago. / 2007.

HOWARD, Philip. Opening Closed Regimes. Project on Information Technology & Political Islam (PITPI). University of Washington, 2011.

MARTÍNEZ, Silvia Lago. Internet y cultura digital: La intervención política y militante. Nómadas (Col), num 28, abril, 2008, pp. 8-20. Universidad Central, Bogotá, Colombia. Disponível em http://www.ucentral.edu.co/movil/index.php?option=com_content&view=article&id=557&Itemid=2456 (maio/2013)

 Outras fontes de informação: epolitics; The Atlantic; Time; Guardian Interactive Timeline

Egito e Síria: o papel das tecnologias digitais na Primavera Árabe

HEITOR GARTNER

A chamada Primavera Árabe  consiste em uma complexa sequencia de protestos iniciados em 2010, ocorridos na Tunísia , no Egito , resultando também em guerra civil na Líbia  e na Síria, atingindo também outros locais da região. A revolução é considerada a primeira grande onda de protestos democráticos do mundo árabe no século XXI. Os regimes em questão, nascidos de nacionalismos árabes dentre as décadas de 1950 e 1970, foram se convertendo em governos repressores que impediam a oposição política credível que deu lugar a um vazio preenchido por movimentos islamistas de diversas índoles.

O movimento, desencadeado em dezembro de 2010, quando um jovem tunisiano- Mohamed Bouazizi – ateou fogo ao próprio corpo, apresenta-se como nítido exemplo de consolidação da última geração de direitos fundamentais a povos que sequer tinham as garantias mínimas, elencadas pela primeira geração dos mesmos direitos. O acesso à informação, direito fundamental proposto por Bonavides[1] (apud Cavalcanti, 2005), foi importante fator para a ruptura com o status quo vigente, sendo inegável que o uso da internet tenha contribuído para desencadear o processo de mudança na região.

A adoção da primeira lei de direito à informação por um país do Oriente Médio, na Jordânia, em 2007, constitui-se como exemplo  desta tendência, que passou a  se estender a todas as regiões geográficas do mundo comumente citadas. Nesse contexto, inclui-se a primeira decisão tomada por um tribunal internacional, no intuito de reconhecer o direito à informação, com declarações cada vez mais enfáticas de órgãos e autoridades internacionais sobre o status deste direito.

Notadamente, a ocorrência do movimento tem relação com a crise econômica global de 2008,  gerando agravamento da pobreza  e a elevação de preços. Nos atos de revolta, têm se destacado técnicas de resistência civil em campanhas sustentadas, envolvendo recursos como Facebook, Twitter e Youtube. Preocupado com as manifestações, o governo egípcio suspendeu a Internet e a telefonia móvel.  Sob a perspectiva política,  apontam-se regimes corruptos e autoritários como aspectos motivadores do movimento , informação  revelada pelo vazamento de informações constantes em  telegramas diplomáticos dos Estados Unidos, divulgados pelo Wikileaks.

Como sugerem estudiosos, a utilização do Facebook e de aparelhos celulares constituiu um instrumento de auxílio ao processo revolucionário.  Isto, por decorrência, assume um papel na propagação dos movimentos e, consequentemente, no alcance de seus objetivos, ao menos no caso egípcio. Na realidade, diversas manifestações tiveram início nas redes sociais e se estenderam às ruas. Uma das vantagens deste tipo de comunicação consiste no anonimato, como aponta Antoun (2008, p.2)[2] .Segundo Hussein Amine, especialista em meios de comunicação da Universidade estadunidense de O Cairo, as redes sociais deram pela primeira vez aos militantes a possibilidade de divulgar rapidamente a informação escapando das restrições governamentais.

O regime sírio, por sua vez,  tentou apaziguar o cenário e anunciou a intenção de promover reformas, tais como a anulação das leis de emergência, em vigor no país desde a revolução de março de 1963. No país, o partido Baath representa um fator de coesão social, e reproduz o apoio da população ao regime de Assad. Essa base popular ainda é representativa de uma parte da população síria. Portanto, esse regime não pode ser descrito como era o  de Hosni Mubarak, no Egito, onde havia uma distinção clara  entre o presidente e as forças de segurança, particularmente o Exército. Este preferiu não apoiar mais o presidente e se encarregou dos assuntos do Estado.

Ao contrário dos outros países da “Primavera Árabe”, que já estão em um sistema transitório de governo, ou que controlaram as manifestações, a Síria permanece com um futuro incerto. Os conflitos se mantêm mesmo após um ano da primeira manifestação e o número de mortos não pode ser confirmado devido à repressão que a imprensa sofre na região.

Dessa forma, as perspectivas do regime serão condicionadas não só pela proporção do apoio entre os habitantes da periferia, mas principalmente pela força da classe média entre as elites sunitas nas grandes cidades, sobretudo Damasco, e que apoiaram o regime na década de 1980, contra 0s Irmãos Muçulmanos. Também, os curdos (10% da população)  terão  um papel importante na capacidade do governo reprimir as manifestações.

Sabe-se que o futuro da Síria depende dos jovens do país- pessoas entre 20 e 30 anos, que constituem mais da metade da população. Tratam -se de sunitas e de outras comunidades, que vivem nas periferias de grandes cidades- elas determinarão a forma e o futuro do país.

 A comunidade internacional vem se mobilizando para pressionar a saída de Bashar al-Assad do governo ou encontrar uma solução pacífica. Entretanto, alguns países não foram favoráveis às primeiras propostas da ONU, como a China e a Rússia, que vetaram a resolução que condenava a repressão do governo sírio contra os manifestantes. A Síria, sendo o único laço restante com a Rússia, passa a ser um caso muito particular para a diplomacia russa, uma vez que essa interação promove um vínculo entre o governo de Moscou e os países árabes, o que seria interessante para a  garantia da influência política russa na região. O regime continua fazendo uma forte repressão aos opositores. Além disto, um empecilho criado no plano da ONU foi a fixação das datas para a retirada das tropas do exército de Bashar al-Assad.

Já os Estados Unidos, principal potência mundial que apoia os opositores do regime de Assad, atualmente não possuem capacidade de manobra para abreviar o fim da revolta e muito menos a possibilidade de uma intervenção militar, caso isso fosse aprovado por alguma resolução do Conselho de Segurança  da ONU. O país pode, contudo, empregar sua capacidade militar, enviando armas aos opositores e na defesa de que seja aprovada alguma resolução na ONU, mas dificilmente fará algo mais efetivo.

Um avanço aparente nas negociações foi o plano de paz, aceito pela Síria, proposto por Kofi Annan (emissário da ONU). O plano prevê o fim de todos os atos de violência, da parte do regime ou dos opositores. Também prevê que a pacificação seja supervisionada pela ONU, a libertação de presos políticos e o envio de ajuda humanitária. Contudo, o que se viu alguns dias depois do encontro entre Kofi Annan e Bashar al-Assad foi um cenário diferente do proposto no plano.

Como possível análise do cenário internacional, identifica-se que uma queda do regime sírio provocaria um desequilíbrio de poder no Oriente Médio, abrindo um vácuo de influência na região, o qual certamente seria disputado entre as principais potências mundiais, pois a Síria e o Egito apresentam considerável relevância geopolítica a muitos países. Ao menos no Egito, a renúncia do Presidente Hosny Mubarak inaugura um governo de transição, com indefinições políticas em âmbitos interno e externo.

 

 

Referências

CAVALCANTI, F.R. A primavera árabe à luz da Teoria das Gerações dos Direitos Fundamentais. Disponível em http://www.pesquisedireito.com/artigos/diversos/apaltgdf. Acesso em 27/05/13.

Facebook, un importante “punto” en la Primavera Árabe .Disponível em
http://actualidad.znoticias.com/facebook-un-importante-punto-en-la-primavera-arabe. Acesso em 16/06/13.

ORTUNES, L. Incertezas sobre a primavera árabe. Disponível em http://sociologiacienciaevida.uol.com.br/ESSO/Edicoes/42/artigo266344-1.asp. Acesso em  26/05/13.

MENDEL,T. Liberdade de informação: um estudo de direito comparado. 2ª ed. revisada e atualizada. Tradução de Marsel N. G. de Souza. Brasília. UNESCO, 2009.

Primavera Árabe. Disponível em http://pt.wikipedia.org/wiki/Primavera_%C3%81rabe. Acesso em 26/05/13.

SILVA, R. As Redes Sociais e  a revolução em tempo real. O caso do Egito. Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Porto Alegre, 2011. Disponível em http://www.lume.ufrgs.br/bitstream/handle/10183/37496/000820279.pdf?sequence=1. Acesso em 25/05/13.

WALLERSTEIN, I. Não Chore Ainda pela Primavera Árabe. Disponível em http://www.outraspalavras.net/2013/02/23/nao-chore-ainda-pela-primavera-arabe/. Tradução de Gabriela Leite. Acesso em 25/05/13.

ZISSER, E. A Síria na Hora da Verdade. Tradução de Yosi Turel. Revista “Hebraica”. Maio de 2011.

 


[1] Em sua obra, o autor sugere o direito à democracia, à informação e ao pluralismo.

[2] apud SILVA, 2011, p.18

“Remember, remember the fifth of November…” A luta do grupo Anonymous contra a repressão virtual e a liberdade de expressão

LUIZ BORGES

Em 1605, houve uma tentativa de assassinato do rei da Inglaterra, Jaime I, que ficou conhecida como a Conspiração da Pólvora. O intuito de tal conspiração era a de substituir o rei por uma de suas filhas, Elizabete, e assim tornar o catolicismo romano religião oficial. O que levou à conspiração de fato foi a perseguição e falta de liberdade de práticas em relação aos católicos. O membro mais conhecido deste acontecimento é o de Guy Fawkes, que tem como sua máscara o símbolo do grupo Anonymous.
O grupo Anonymous é um movimento anárquico, no sentido mais puro da palavra, sendo assim uma organização sem liderança, em que toda e qualquer pessoa que se identificar com o movimento pode fazer parte. Podendo ser classificado também como cypherpunks, definidos de acordo com o Oxford English Dictionary, como indivíduos, ou no caso um grupo, que fazem uso de criptografia e meios similares com o intuito de trazer mudanças sociais e políticas.
Esse ideal do grupo, de luta por liberdade de expressão e menor repressão através de organizações online, foi explorada por Manuel Castells, que ao escreveu sobre a internet, e a consequente rede de fluxos criadas e sua relação entre o mundo online e o mundo off-line, descreve essa cultura como sendo: “[...] uma cultura feita de uma crença tecnocrática no progresso dos seres humanos através da tecnologia, levado a cabo por comunidades de hackers que prosperam na criatividade tecnológica livre e aberta, incrustada em redes virtuais que pretendem reinventar a sociedade, e materializada por empresários movidos a dinheiro nas engrenagens da nova economia.”

Poster do filme "V de Vingança"

Poster do filme “V de Vingança”

Tendo a proposição de Castells em mente, pode-se classificar o grupo Anonymous como objeto fundamental nesse mundo que surge, nesse mundo online. O autor discorre sobre como diversas empresas, dotadas de capital, atualizam tal mundo novo, porém, ao fazerem isso, por causa de direitos autorais, acabam por limitar o acesso da população a essas novas tecnologias e informações. O grupo vem então como um contrapeso a esses empresários em uma luta a favor da criação de softwares livres, contrário a restrição de liberação de arquivos e informações digitais somente àqueles que pagaram ou participaram da criação do mesmo.
Foi no 4Chan, um site em que os usuários postam imagens e/ou comentários sobre algum assunto aleatório, que o grupo teve seu movimento inicial. O 4Chan é um ambiente livre, podendo ser de postagem anônima, em que o usuário realiza o upload de uma foto, podendo acompanhar um comentário, em determinado tópico de seu interesse, e outros usuários comentam dentro deste upload. O site é dividido por tópicos de interesse. Dentro destes tópicos, teve um que se destacava por seu caráter aleatório e livre, que era chamado de /b/, onde os usuários podiam postar literalmente todo e qualquer tipo de informação que tivessem interesse. E foi neste tópico, em represália a um radialista norte-americano, que se deram os primeiros passos do grupo Anonymous, que foram em defesa de um colega de blog que estava sendo atacado pelo radialista, que era também neo-nazista. Este foi o primeiro levante organizado dos usuários do website. E é como Frank La Rue diz, esse tipo de rede, de organização social via Internet, é hoje em dia o meio mais utilizado com tal fim, pois apresenta diversas características que são fundamentais para a movimentação em massa, como a velocidade, o seu alcance mundial e o relativo anonimato.
Porém o movimento que deu visibilidade e uma cara para o grupo foi o projeto Chanalogy, em 2008. O projeto Chanology foi um movimento que lutou contra a censura de um vídeo que vazou da Igreja da Cientologia que consistia de um ator norte-americano famoso, Tom Cruise, falando sobre a religião e que se tornou um viral na internet. A Igreja então ‘fez’ um DMCA (em tradução livre para o português Lei dos Direitos Autorias do Milênio Digital) do vídeo, tendo assim o direito de exigir que o vídeo seja removido dos locais que não possuem permissão de reprodução. É neste momento que o mesmo grupo de pessoas do 4Chan se revolta com a decisão, uma vez que a proibição de reprodução de um vídeo viral ia contra tudo que eles acreditavam, e resolvem agir contra a decisão. E é neste momento que há uma primeira divisão dentre essas pessoas, uma vez que o movimento passou de trolling (que significa irritar alguém na internet simplesmente porque tem o poder para tal) para algo com motivos mais sérios. Surge então o Anonymous como conhecido hoje em dia. Neste luta contra a Igreja da Cientologia, o grupo liberou alguns vídeos chamando adeptos de todos os lugares a realizarem uma ocupação em frente as suas respectivas Igrejas de Cientologia, e também com algumas orientações de comportamento, como o uso da não-violência e também o uso de máscaras, para dificultar na identificação das pessoas, diminuindo assim o risco de algum processo devido ao movimento, porém não esperavam a repercussão e a quantidade de aderentes para este primeiro ‘sit-in’, e é com esse primeiro projeto que o grupo percebe a força que possuem e também é neste momento que acabam fazendo uso de um símbolo já conhecido para um movimento revolucionário de defesa da liberdade de expressão, que é a máscara de Guy Fawkes, que serviu tanto para proteção de identidade dos protestantes quanto para simbolizar pelo o que eles estavam lutando.

Protesto de parlamentares poloneses contra a assinatura do ACTA por parte de seu governo (fonte: Ruch Palikota)

Protesto de parlamentares poloneses contra a assinatura do ACTA por parte de seu governo (fonte: Ruch Palikota)

Muito dos movimentos do grupo acabam sendo regionais, como é o caso do ataque ao site do Pastor Marco Feliciano, após o mesmo ter assumido o cargo de Presidente da Comissão de Direitos Humanos, mas alguns possuem uma maior força midiática, seja pela abrangência ou pelo tamanho da operação, como é o caso da operação Payback, que foi a derrubada dos sites do PayPal e Mastercard quando estes não mais permitiam a doação para o site Wikileaks ou então do apoio dado aos movimentos revolucionários no Oriente Médio durante a Primavera Árabe, ajudando os rebeldes no Egito, por exemplo, a conseguirem estabelecer conexão com a internet após o governo de Mubarak ter derrubado todos os meios oficiais.
O problema porém é que o grupo nem sempre age dentro da lei propriamente dita, ficando entre um movimento social ativista online e desrespeitando a lei. A dificuldade em classificar o grupo dentro de um ou de outro é que, por ser anônimo e anárquico, qualquer indivíduo, fazendo parte do grupo ou não, pode dizer que o ataque realizado foi como grupo. E os líderes dos Estados mais poderosos, por possuírem uma grande quantidade de dados e serviços ligados às redes, e por conseguinte serem mais vulneráveis e temerosos a esses tipos de ataques, serão os que tentarão, de maneira mais fervorosa, classificar tais movimentos como ilegítimos e assim justificar a utilização medidas muitas vezes consideradas extremas, como é o caso do recém descoberto programa PRISM, do governo norte americano.

Referências

ASSANGE, Julian et al. Cypherpunks: a liberdade e o futuro da internet. São Paulo, Boitempo, 2013.

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