Ementa do Projeto Temático – Formação e educação, tecnologia e profissionalização, na sociedade industrial do capitalismo tardio – Prof. Dr. Odair Sass
20/10/2020 by: teoriacriticaEmenta do Projeto Temático
Formação e educação, tecnologia e profissionalização, na sociedade industrial do capitalismo tardio
Prof. Dr. Odair Sass
A formação, quando aplicada ao homem, é, como todo conceito, ambíguo, pois, refere-se aos elementos externos e universais—extra-humanos, sociais e culturais—apropriados pelo indivíduo ao longo de sua história pessoal que, por sua vez, os exteriorizam, como pensamento e ação. A proposição sintética de Adorno(s/d, p.2) de que “ a formação cultural (Bildung) não é outra coisa que a cultura (Kultur) do ponto de vista de seus propósitos subjetivos” proporciona um bom ponto de partida para a delimitação do escopo, objeto de estudo, problema, objetivos hipótese e método deste projeto. Consoante o espírito objetivo do tempo que se impõe de modo irrevogável às criaturas, a formação torna-se concreta, em cada sociedade e época, como educação, como o modo predominante de cada sociedade formar os homens de que precisa a fim de manter a sua reprodução, ou, conforme a fórmula de Durkheim, para quem a educação é socialização metódica das novas gerações mediante “a ação exercida, pelas gerações adultas, sobre as gerações que não se encontram ainda para a vida social; tem por objeto suscitar e desenvolver, na criança, certo número estados físicos intelectuais e morais, reclamados pela sociedade política, no seu conjunto, e pelo meio especial a que a criança, particularmente, se destine.(DURKHEIM, 1955, p.32, grifos no original) Como se pode depreender do excerto acima, a supremacia da sociedade, do universal sobre o indivíduo, o particular, é evidente. Ainda que o autor identifique o homem como ser uno, constituído por um ser individual e um ser social, o primeiro deve submeter-se, de boa vontade e para o seu próprio bem (e o da sociedade) ao segundo, caracterizado como um sistema de ideias, sentimentos, hábitos que exprimem em cada indivíduo, crenças religiosas, valores e práticas morais, tradições, profissões, representações e opiniões pertencentes aos grupos de que ele faz parte. O conjunto desses elementos coletivamente compartilhados “forma o ser social. Constituir êsse ser em cada um de nós—tal é o fim da educação.” (DURKHEIM, 1955, p. 32) Forçoso é concordar com a constatação do autor acerca da primazia da sociedade sobre o indivíduo, mas, é igualmente forçoso refutar a tese de que a educação para ser efetiva exija o sacrifício do particular. A visão evolucionista e positiva da história em que a sociologia de Durkheim se sustenta impõe-lhe a aceitação da sociedade de classes, como se natural fosse, do que decorre a omissão ou o desprezo por noções tais como liberdade, para além da “liberdade” do indivíduo submeter-se à sociedade, autonomia em vez de heteronomia, igualdade em lugar da cristalização funcional das desigualdades entre os homens. De passagem, cabe assinalar que o modelo explicativo do autor não dispensa a psicologia, antes a inclui à medida que o indivíduo serve para conferir concretude às leis sociais investigadas pela sociologia, trata-se, portanto, de uma psicologia sem sujeito, ou um sujeito ativo apenas para ajustar-se à sociedade dotado de uma inteligência adaptativa em lugar de uma inteligência reflexiva; uma psicologia coletiva ou psicossociologia, como seus seguidores passaram a denominar tal entendimento. À essa redução ideológica contrapõe-se aquela para a qual a educação, como a expressão da formação em um período histórico considerado, é, desde o princípio, ambígua, pois, a sociedade para preservar a sua produção, reprodução e manutenção, exige, como condição necessária, que a educação seja estruturada como uma espécie de subsistema do sistema social que visa formar cada um e a todos conforme os seus preceitos, mas, se a formação é apropriação da cultura pelo sujeito, obviamente, a educação não consegue simplesmente cancelar o fator subjetivo, nem alcançar a padronização total ou mesmo a fusão do indivíduo com a sociedade, apesar de todos os esforços empregados, com esse intuito, nas sociedades autoritárias e de tendência totalitária. É claro que a “educação seria impotente e ideológica se ignorasse o objetivo de adaptação e não preparasse os homens para se orientarem no mundo. Porém ela seria igualmente questionável se ficasse nisto, produzindo nada além de well adjusted people, pessoas bem ajustadas, em consequência do que a situação existente se impõe precisamente no que tem de pior. (ADORNO, 1995, p. 143-144) A formação é pelo que se expôs uma mediação entre o universal e o particular, entre o indivíduo e a sociedade, concretizada por meio da educação, que, por sua vez, é objetivada, na época moderna, em instituições sociais, hierarquicamente organizadas para atingir os fins formativos preconizados por aquela, dentre as quais destaca-se a escola que passou a adquirir importância cada vez mais crescente de par com a expansão planetária da indústria para todas as esferas da vida em sociedade, sobrepondo-se à relevância de instituições primárias e secundárias de socialização. A descrição contundente de Marx (1975) acerca da educação das crianças, em meados do século XIX, quando a obrigatoriedade da escola elementar foi incluída na legislação trabalhista inglesa, como freio à exploração do trabalho infantil, é uma prova cabal de que a educação não foi instituída de modo idílico, mesmo em um país como a Inglaterra que organizou um dos primeiros sistemas modernos de educação pública. Do exposto, decorre a seguinte proposição: a história, observada de acordo com a imagem de um observador que se afasta para o passado adotando o presente como ponto de referência, certamente, encontraria, no período de consolidação da grande indústria, da qual a chamada revolução industrial foi um dos fatores importantes, os brotos fundamentais e as bases que impulsionaram a criação de instituições voltadas à formação dos indivíduos necessários às transformações políticas, econômicas e sociais da sociedade capitalista industrial, que, por sua vez pressupõe: 1) ciência em vez da tentativa e erro do empirismo, 2) tecnologia, como ciência aplicada à produção, que fixa na máquina os movimentos que antes pertenciam ao trabalhador, tornando este um apêndice daquela, e, por isso, 3) a educação técnica e profissional, indispensável para um ambiente de trabalho dirigido pela maquinaria, é reduzida ao domínio desses elementos principais: científico, técnico, tecnológico e profissional. Desse modo, a educação teve seu conceito ampliado bem como a instrução passou a ser restringida ao desenvolvimento cognitivo e à inteligência prática, à aquisição de hábitos e habilidades específicas, à preparação para o trabalho e à educação técnico-profissional, e, com o apoio sistemático da psicologia comportamental e da pedagogia, permanece restrita ao binômio ensino-aprendizagem, cabendo ao primeiro ser ministrado por um instrutor, e ao segundo cabe ser assimilado por aquele que a recebe. Até hoje, é frequente em cursos técnicos, constatar a denominação instrutor para distingui-lo do professor. Em face dessa condição, tomar a educação como tema de investigação e a consciência crítica necessária à resistência política como objeto de estudo implica em levar a cabo investigações que mantenham indissociáveis: cultura-sociedade-indivíduo-ciência-técnica-tecnologia. Para o que aqui interessa, capitalismo tardio pode ser definido como um sistema social fechado, sustentado pela tentativa de cancelar ou reduzir ao mínimo as suas contradições sociais internas, mantido em sua base pelas transformações constantes e expansão acelerada, para todas as esferas da vida material e cultural, do modo de produção industrial, proporcionadas pela apropriação privada da ciência e tecnologia. A delimitação acima, orienta a elaboração e consecução de estudos e projetos de pesquisa específicos, o fortalecimento dos grupos de pesquisa, a realização de eventos científicos, seja para promover o compartilhamento de pesquisas em andamento, seja para estimular a divulgação e a discussão de resultados parciais ou finais, assim delineados: a. Estudos. Essa modalidade visa contribuir para a formação do pesquisador e o fortalecimento do grupo de pesquisa. Espera-se que os estudos sejam apresentados como monografias que sistematizem e discutam um tema, conceito, problema, referências teóricas, métodos e conclusões; revisão de literatura específica e pertinente; resenha de obras de referência sobre um tema, problema e método; relatório sistemático do tratamento de um assunto, problema de pesquisa, método. b. Pesquisas. Referem-se às investigações realizadas pelos pesquisadores do projeto ou por eles orientadas como teses, dissertações e trabalhos de conclusão de graduação. Visam, além de fomentar a formação do pesquisador, principalmente a produção e acumulação de conhecimento científico qualificado sobre um assunto, tema ou problema de relevância social, política e científica. Nessa modalidade podem ser realizadas pesquisas teóricas e empíricas, preservada a referência principal da teoria crítica da sociedade. Ambos devem ser específicos e convergentes quanto ao tema, a referência teórica, o objeto de estudo, a relevância social e científica do projeto temático. As principais instâncias de organização do projeto são: A. Coordenação geral: a quem cabe propor e organizar as atividades pertinentes à consecução do projeto é de responsabilidade dos professores Carlos Giovinazzo (PUCSP); Maria Angélica Pedra Minhoto (UNIFESP); Odair Sass (PUCSP) B. Coordenação local: exercida por um professor pesquisador participante do projeto temático, a quem cabe organizar e orientar as atividades de estudos e pesquisas bem como o cronograma de reuniões de pesquisa e demais atividades pertinentes, em consonância com a coordenação geral. Tempo previsto: estima-se, conforme as condições, objetivas e subjetivas, para a realização do projeto, que a sua consecução poderá ser estendida para 4 anos, com início em julho de 2019 e término em junho de 2023.